O presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, acompanhado por três de seus colegas de direção, anunciou ontem o resultado da auditoria realizada pela Ernst & Young nas contas do clube: o valor da dívida é de 750,7 milhões de reais (aqui). É muito dinheiro em qualquer moeda, como em euros: 290,3 milhões, valor que faz dessa dívida uma das maiores do mundo, título nada invejável, nem um pouco desejado.
Imaginava que o valor real da dívida era superior ao que os balanços do clube mostravam, mas não esperava um não esperava um número tão elevado. O que mais me chamou a atenção foi o valor de 86,7 milhões de reais em tributos não pagos pela gestão de Patrícia Amorim. No ano passado, ao comentar o balanço do Flamengo, destaquei o crescimento explosivo do passivo do clube e disse que a reavaliação patrimonial pouco ou nenhum efeito prático tinha sobre o dia a dia, sobre a vida do clube. A direção do clube considerou que as informações desse OCE não estavam corretas, creditando-as, inclusive, a membros da oposição, e enviou-me um texto com as informações consideradas corretas, devidamente publicadas, como é direito de quem se sente prejudicado. Na verdade, nem eu e nem a direção estávamos corretos, como sabemos agora, pois a situação real já era pior do que a mostrada no post contestado. Infelizmente.
Falar do passado agora não vai resolver os problemas do presente e do futuro, exceto para lembrar que ele deve ser conhecido e bem estudado, para que os erros cometidos não sejam repetidos. Um ponto, porém, tem que ser destacado, lembrado permanentemente e cobrado:
“Eduardo Bandeira de Mello – O tamanho da dívida não quer dizer que tenha alguém para ser responsabilizado. As contas foram aprovadas. Nós não estamos preocupados em responsabilizar ninguém e denegrir a imagem de ninguém, mas se acharmos algo que aponte para alguém, vamos fazer o que for preciso.”
Esse trecho foi dito ontem, durante a entrevista e dele eu destaco esse ponto: “As contas foram aprovadas.” Essa situação de “contas aprovadas” por conselhos diversos – fiscal, deliberativo, consultivo e outros nomes que recebem em clubes espalhados por todo o país – simplesmente impede que dirigentes sejam devidamente responsabilizados por situações como essa. Nessa hora não adianta o torcedor clamar por justiça ou ressarcimento das perdas, pois nada disso haverá. Com as “contas aprovadas” não há como buscar reparação judicial.
Dá para pagar?
Sim, de acordo com os novos dirigentes.
Sim, digo eu, pensando no enorme potencial que tem o Flamengo. Mas vai demorar um bocado. E sacrifícios serão exigidos para isso, inclusive no futebol e essa será a grande, a principal batalha a ser vencida pelo Flamengo: como conseguir um time competitivo sem explodir as contas? Uma ação de marketing pela qual uma empresa banque a vinda e a permanência de um grande nome, não é impossível, mas vejo como muito difícil. O atleta tem que ser realmente diferenciado e, tão importante quanto, precisa ter afinidade e disposição para engajar-se em ações promocionais do patrocinador.
Aqui entra em cena uma necessidade imperiosa e desafiante: o clube precisa estar em ordem, os pagamentos precisam estar em dia. Se houver problemas nessa área, a presença de um grande jogador recebendo tudo que tem direito “por fora” só servirá para gerar problemas e deteriorar o ambiente.
O maior problema para os clubes que precisam recuperar-se econômica e financeiramente costuma ser a pressão dos torcedores e dos famosos “conselheiros” por títulos, por vitórias, por times fantásticos prontos a serem campeões mundiais. O próprio Bap, vice-presidente de marketing, citou o Corinthians em uma de suas respostas, ontem, esperando ter condições de ter um bom time, que atraia grandes jogadores, em prazo ainda menor.
Por isso, eu digo com tranqüilidade que a maior e melhor ajuda do torcedor rubronegro será não cobrar, não pressionar, ter calma, ser paciente e acreditar no futuro, apoiando o trabalho dos gestores. Difícil, não?
Dois caminhos preferenciais para gerar receitas foram levantados pelos dirigentes na entrevista de ontem: o trabalho do Marketing do clube para conseguir novos patrocinadores e o aumento no número de sócios e sócios-torcedores.
Aproveitando a dimensão nacional do clube, o Marketing deveria pensar, na minha opinião, em seguir um modelo parecido ao do Manchester United, sobre o qual há vários posts nesse OCE, em particular os mais recentes. O clube de Sir Alex Ferguson tem hoje 37 patrocinadores. Isso mesmo: 37. Dessa multidão, somente um aparece na camisa, a AON, que é o patrocinador máster de fato. Os demais são parceiros ou patrocinadores de ações específicas ou países e regiões do planeta. Geram “rios de dinheiro”? Não, mas geram receitas que ajudam e, também muito importante, contribuem na solidificação e ampliação de vínculos com públicos mais distantes da sede, do coração do clube.
Os sócios e os sócios-torcedores
Vou abrir essa parte do post com uma resposta do Bap, vice-presidente de marketing, respondendo a uma questão sobre como incluir o torcedor de baixa renda na vida do clube:
“É uma conversa fiada esse assunto. Nosso programa custa menos do que uma passagem de ônibus por mês, ou um café… Dez por cento de dez milhões podem. Se você sair em um fim de semana, quanto você gasta? Quem está comprando carros, televisores? A baixa renda. A pessoa ser baixa renda não quer dizer que não tenha condições de investir. Com o passar do tempo, com muitos associados, podemos abaixar o preço. Achar que não tem 100 mil rubro-negros para pagar R$ 199 é que não dá.”
Fiquei muito surpreso, desagradavelmente, ao ver os valores cobrados dos torcedores que querem associar-se. A modalidade de custo mais baixo tem mensalidade de 40 reais (39,90 e outros valores terminados em 9,90; para poupar tempo e por aversão a essa prática, vou usar os valores corretos na vida real, como nesse caso: 40 reais). É muito dinheiro. Em sua resposta, inclusive, Bap ainda faz troça duvidando que não existam 100.000 rubro-negros capazes de pagar 200 reais por mês para ser sócio-torcedor, sem contar que fala em baixar preços depois que o programa for um sucesso e tiver um grande número de sócios. Ora, como tese é ótima, mas, sinceramente, duvido que ocorra na vida real.
Todos os programas de sócio-torcedor têm oscilações mais que razoáveis na adimplência de seus membros. Ela varia com o humor e este varia com os resultados. Venceu? Bom humor, pagamento em dia. Perdeu? Mau humor, boleto jogado no lixo. É humano, é o comportamento normal das pessoas, independentemente da paixão. Que não é cega e reluta em liberar do bolso ou do banco 200 reais todo mês. Ou 40.
É compreensível a necessidade de buscar receitas, tanto quanto buscar reforços para o time, mas esse sentimento não deve imperar sobre a análise fria e racional do mercado. Muitas vezes uma posição conservadora é importante e necessária justamente para permitir ações mais ousadas em momentos futuros. Seria, portanto, o caso de começar com valores mais acessíveis, buscando uma base de contribuintes bem maior.
Uma ação ousada, dada a natural rejeição dos sócios-patrimoniais, é a extensão do direito de votar e ser votado para todos os sócios-torcedores. Bap reconheceu que essa proposta não está na cabeça da direção do Flamengo hoje, mas poderá mudar futuramente. A atitude transparente de Eduardo Bandeira de Mello e seus companheiros de gestão em relação à dívida do clube merece elogios. Disse em um comentário nesse OCE, a respeito dos resultados dessa auditoria, ser melhor um fim com susto do que um susto sem fim. O buraco financeiro é enorme, gigantesco, mas agora é conhecido e ao menos permitirá que as diversas áreas trabalhem sem o medo de uma notícia inesperada de bloqueio ou arresto de bens e receitas.
Fonte: Olhar Crônico Esportivo
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