Cláudio Portella: Flamengo e São Paulo do inferno ao céu.

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O telefone toca. Pausa no chimarrão pra atender. Prefixo 021. É do Rio de Janeiro. Em poucos segundos, o pensamento vai longe. Será cobrança do antigo emprego… Ih…Melhor não atender. Será o Fluminense querendo chamar… Ah…seria bom pra se valorizar, então melhor atender..

– Alô, quem fala?
Do outro lado um vozeirão:
– Mano Menezes?
– Sim, o próprio. Quem deseja?
– Oi, Mano, sou eu, Paulo, tudo bem?
– Paulo? Ah… sim. Oi, Paulo, como vai?
– Vou indo, né? O ano não foi bem como eu imaginava…
– É, companheiro, posso dizer o mesmo… Mas a que devo sua nobre ligação?
– Pois bem, nos conhecemos há alguns anos. Tenho o maior respeito e admiração por tudo que já fez no futebol. Torci muito pelo amigo ter sucesso na Seleção Brasileira. Achei uma grande covardia o que fizeram lá. Quando o trabalho começou a engrenar, puxaram seu tapete.
– Foi sim. Fui enganado. Mas você passou por decepções recentes também…
– Uma grande injustiça! Escolhi mal. Nada aconteceu como queria. Tenho muito caráter e assumo meus erros. Talvez devesse ter feito diferente. Mas com você a história foi diferente. O que aconteceu lá no Flamengo? Você saiu repentinamente. E ninguém dava nada por eles. De repente, o time tá prestes a ser campeão nacional! Como sei da sua competência, fiquei atônito. Te sacanearam lá?
– Não sei, Paulo O time era ruim que doía. Tinha jogador que não queria nada com nada. Macaco velho que não saía do departamento médico. Garoto que chegava virado da noitada. Preferi não perder meu tempo.
– Sim, mas e o Negão lá? É mágico?
–  Fico pensando aqui com meu chimarrão. O Jayme era quieto. Não falava muito. Fico pensando se estava tramando pelas minhas costas. Mas, sinceramente, na época nem passou pela minha cabeça. Era um sujeito tímido, aparentemente sem muita instrução. Um auxiliar qualquer…
– Mas não é possível, Mano! Os caras jogam pro Negão. Entram em campo e parecem que estão dopados de tanto correr. Com você não era assim.
– E você acha que eu não tenho percebido isso? Tenho visto os jogos. Tento me lembrar de alguns momentos. Ele ficava lá, com aquela falinha mansa, com aqueles óculos esquisitos. Nunca pensei que seria uma ameaça. Mas é tudo muito estranho. O Léo, Paulinho, e até os caras que eu trouxe estão correndo o triplo. O Jayme não tem um nível alto pra mudar algo taticamente. Ficava quietinho lá na preleção.
–  É, mas os caras jogam pra ele! Pode não ser um estudioso como nós, mas é cobra. Cria do clube.
– Saí muito aborrecido. O clima era ruim internamente. Nada que eu pedia acontecia. Você conhece bem lá, né? Sabe como é?!
– Sim, conheço. E não gosto nem de lembrar. Bagunça total. Mas essa nova diretoria parecia mais organizada…
– Ah, também entrei nessa. Não passam de um bando de executivo que não entendem nada de futebol. Tudo era uma burocracia. Enrolação pura.
– É, mas agora estão prestes a ser campeões na Copa do Brasil…
– É mata-mata. Sabemos como é este tipo de competição. Deram sorte. Essa fase vai acabar. O Negão tem estrela, isso eu admito. Traíra ou não, tem lá seus méritos. Mas os caras não vão aguentar muito tempo. São limitados. A pressão será grande.
– Mas e o tal do Brocador? É bom assim?
– Que nada! Mal acertava uma finalização no treino. O cara tá em uma fase que onde ele toca vira ouro. Mas acredite, Paulo, daqui a pouco cai.
– Será? O Negão os levará à Libertadores.
– Se levar, vai ser por pura sorte. Futebol tem dessas coisas, você sabe né? Não dá pra entender. Mas Paulo, mudando de assunto, e o São Paulo? Te boicotaram?
– Confesso que também fiquei pensando nisso. Mas tinha o Rogério do meu lado. Tinha até bons jogadores. O problema é que não tinham coragem. Estavam com medo. Inseguros.
– Mas o outro lá botou ordem…
– O meu erro foi esse. Aceitar trabalhar em um lugar onde estavam querendo outro. O Muricy é um chato que adoram lá. Se eu fosse mal, iam pedir por ele. Sabia deste risco. Mas tive uma bonita história lá em 2005. Depois de duas ou três vitórias, achei que se esqueceriam dele. E tem outra. Precisava atuar em um time melhorzinho. O Vasco foi uma experiência traumática. Sem comando da diretoria, jogadores sem receber, funcionários desmotivados, estrutura precária. Quando o São Paulo me chamou, não pensei duas vezes. Estava tomando sidra. Não aguentei. Precisava de um champagne urgente, entende?
– Entendo (risos). O Dorival foi muito homem de continuar. E o Adilson deve estar lá sofrendo.
–  Com certeza. Já deve ter visto que tem gente ali que não quer nada com nada. Só querem saber de fama e diversão. Coitado dele (risos). Já até afastou gente. Foi muito macho de ter aceitado.
– Foi sim. E o amigo pretende voltar a trabalhar quando?
– Não sei ainda. Foram dois trabalhos duros. Minha vontade é pegar algo desde o início. Mas tem que ter planejamento. Pode até ser um clube médio, mas algo organizado, onde possa trabalhar sossegado.
– Faz muito bem. Eu tô nessa também. Não pego mais canoa furada.
– Pelo que dizem, você volta pra São Paulo…
– Hahahaha, o gaúcho de lá tem moral, não é assim não! O homem ganhou tudo!
– Tem sim, mas parece hora de mudança. O Corinthians precisa de um fato novo. E torço pelo amigo.
– Obrigado. Vamos deixar o tempo passar. A vontade existe, mas tudo no seu tempo. Só não quero escolher errado novamente. 
– Hehehe. Nem eu. Que em 2014 seja tudo diferente.
– Não foi nada bom, né? Mas vida de treinador é assim, às vezes vem um Zé Ninguém e dá sorte…
– Sorte acaba. Só sobreviverão os competentes já dizia meu pai. Mas vem cá, apenas por curiosidade: você vai torcer para o Flamengo na final?
– Vou sim. Pra eles serem vice. Sou Atlético roxo!
– Hahahaha. Posso também dizer ao amigo que sou Macaca desde criancinha…
Gargalhadas de ambos os lados. Até uma despedida cordial e a combinação de um futuro almoço nos eventos de fim de ano entre treinadores. E Mano Menezes e Paulo Autuori, renomados técnicos, de alto prestígio no Brasil, desligam o telefone. Continuam desempregados. À espera de uma nova oportunidade. Ultrapassados? Talvez sim. Talvez não. Mas que aproveitem o período longe dos gramados. Que aprendam com Muricy Ramalho e Jayme de Almeida. Dois exemplos de técnicos com histórias nos seus clubes, e que não precisam se vestir na moda, ser um estudioso do futebol ou falar um português vistoso. Às vezes, a humildade, a paciência e a fé no trabalho, podem ser bem mais eficientes do que tudo isso. É só ver onde estavam São Paulo e Flamengo há dois meses. E onde estão agora.

*conversa fictícia

Fonte: Blog do Cláudio Portella
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