Flamengo e Bonsucesso jogaram para 375 pagantes. Era uma quarta-feira de cinzas em Volta Redonda, com ingressos a partir de 50 reais, mas eram só 375 pagantes. Os apologistas contorcerão a verdade só para não encarar o número: trezentos e setenta e cinco pessoas. Levados em conta os presentes, impressionantes 450 abnegados, o público não encheria algumas salas de cinema do Rio de Janeiro, como bem lembrou o amigo espartano Márvio dos Anjos.
O vexame é mais um na história da agonia do Estadual do Rio de Janeiro, mas ela parece me apontar, lá adiante, para outro problema mais grave, e nacional: a sobrevivência dos times pequenos. Pois sim: de 375 em 375 pagantes, fica mais próxima a hora de os clubes grandes desligarem o respirador, e evitarem o desgaste desnecessário de jogar torneios para fantasmas.
Os estaduais representam, hoje, a “temporada” para dezenas de pequenos clubes. Como bem apontou o Bom Senso FC num vídeo recente, centenas de jogadores são obrigados a mudar de emprego depois dessas competições “charmosas”. Considerando que não há sentido econômico, e nem esportivo, em expandir a carga dos estaduais, o que podemos esperar desses times no futuro?
(Nem considero aqui as copas estaduais, que, com a exceção de alguns raríssimos lampejos, são desertos.)
Dirão alguns que a evolução do jogo agirá por si, eliminando os mais fracos, e premiando os mais fortes, sem ou com estaduais, sejam eles alargados ou reduzidos. Será isso que almejamos? Queremos um futebol “à distância” para cidades e estados inteiros? Esperaremos o América fechar?
Os estaduais e suas cotas de TV não bastam, está claro. Tampouco basta a manutenção, isolada, de núcleos de formação nos clubes pequenos. Como bem sabemos, há clubes menores que vivem do aluguel da sua base para empresários – às vezes, da base inteira; noutras, de vagas nela.
As soluções existentes são soluções de decadência. Não clamo ter a fórmula, longe disso, mas considero o seguinte: qualquer caminho para o futebol brasileiro, e aí incluo os pequenos, passa pelo reconhecimento de que somos continentais, e temos muito mais praças do que quintais como a Espanha.
Aí divago: por que não imaginar para os pequenos um universo paralelo? Será possível encontrar uma via entre a ligas colegial de futebol do Japão (tema de um ótimo “Futebol, uma viagem”, do SporTV) e, segurem o riso, a NCAA do basquete americano? Algo que cruze o desenvolvimento de atletas a partir de escolas com a preservação das marcas de clubes menores? Com o reenraizamento, sabe-se lá, de um Campo Grande ligado a escolas da Zona Oeste do Rio de Janeiro, e de outros tantos, por que uma pirâmide de competições não seria viável? Fim da viagem.
(Enfim, sou do time da utopia no futebol. Também não me parece absurdo que, num futuro, organizemos o próprio campeonato brasileiro em conferências. Isso é tema para outro dia.)
Fonte: Chuteira Preta