Vou contra a maré para criticar algumas propostas do Bom Senso.

Esta semana os jogadores que lideram o movimento Bom Senso realizaram um seminário e detalharam suas propostas. É impossível não ser simpático à iniciativa. Há uma letargia na cartolagem em discutir com seriedade a temática do futebol – e isso vale tanto para os dirigentes de clubes quanto para o baronato das federações. É curioso que sejam os jogadores os responsáveis por fomentar uma discussão de nível elevado e que chega a surpreender por não ser pautada por um tom puramente corporativo, como é praxe nessas terras abençoadas por Deus, bonitas por natureza.

Ainda que a imprensa exulte de felicidade e não se canse de enaltecer as propostas do movimento, eu, que nasci mesmo para seu gauche na vida, vou precisar remar contra a maré e criticar uns pedacinhos da proposta. Humildemente e com o máximo de respeito, mas vamos lá.

Primeiro, o calendário dos grandes clubes, os que disputam a Série A (e mais o Vasco, que é até grandinho, mas que volta e meia disputa a Série B só para que a gente se divirta um pouco mais com o seu martírio sem fim). Os números variam um pouco em função dos torneios de mata-mata, mas enquanto nós jogamos cerca de 70 partidas por ano, os europeus jogam em torno de 50 e poucas. São, portanto, de 15 a 20 jogos a mais por aqui.

Isso tem muito a ver com o modo de arrecadação financeira dos clubes brasileiros. Nosso item mais importante é a verba da TV. Viramos, basicamente, provedores de conteúdo para telespectadores, especialmente durante as noites de 4ª feira e tardes de domingo. É isso que permite que o Flamengo jogue para 350 almas no dia das Cinzas e ainda assim tenha algum lucro, porque há milhões de pessoas curando a ressaca de Carnaval assistindo aquela pelada insossa.

Diminuir a quantidade de jogos pode ser ótimo para os jogadores e quem sabe até para a qualidade da competição, mas certamente aumentará o custo unitário dos anunciantes da TV e diminuirá a sua exposição ao grande público, o mesmo vale para as empresas que estampam suas marcas nos uniformes dos clubes. Precisa combinar com essa gente se eles topam pagar o mesmo para aparecer um pouco menos. E algo me diz que eles não acharão divertido perderem 15 ou 20 dias de audiência cativa, quase certo que vão pedir um desconto na hora de renovar os contratos.

Portanto, a tendência é de que as verbas de TV e de patrocínio nos uniformes seja afetada, para pior. Dizer que um campeonato melhor aumentará o valor das cotas é um especulação baseada puramente em desejos, porque no mundo real o mercado publicitário paga mesmo é por espaço veiculado.

Para compensar a perda iminente, sobraria aquele item que eu odeio ter que lembrar e que até fugiria dele não fosse a fala do Rogério Ceni: sim, ingressos. O problema é que aí também o Bom Senso quer intervir. Segundo eles, o ingresso “tem que custar barato, porque a receita para o clube vinda dele é muito pequena”. Não sei de onde tiraram isso, mais ou menos 30% da receita dos clubes vem daí, mas isso agora é o que menos importa. O Bom Senso quer que eles sejam mais baratos.

O cenário pelo qual o debate se trava é esse: uma potencial perda de arrecadação nos 3 itens que formam o tripé da receita dos clubes, a cota de TV, o patrocínio de uniformes, o ganho na bilheteria. Como é que os clubes vão sair do buraco financeiro se a proposta implica em perdas imediatas?

E quanto mais a gente se aprofunda nas propostas, mais a gente conclui que não houve muita preocupação de fazer contas, esse esporte tão desprezado pelos brasileiros.

O Bom Senso exige, por exemplo, que os clubes se submetam a um escalonamento de déficit operacionais. E sugere uma espécie de resultado financeiro obrigatório por decreto, no qual os clubes nos 2 primeiros anos poderiam ter até 10% de prejuízo, depois 5% no terceiro e quarto anos e a partir do 5º ano o prejuízo ficaria proibido, o lucro passaria a ser uma condição sine qua non para a existência da agremiação.

Confesso que senti um pouco de vergonha alheia diante dessa proposta. E alívio por esses rapazes serem atletas e não aeroviários, afinal as principais companhias aéreas estão indo para o 4º ano seguido de prejuízos e ano que vem estaríamos todos a pé se a moda do Bom Senso emplacasse.

Aliás, eu queria lembrar que o Brasil, pobre Brasil, nunca soube o que é superávit nominal em toda a sua história, nem por isso fechamos as portas ou deixamos de pagar nossas contas. E quem acha que isso é exclusividade de brasileiro pode ir tirando o cavalinho da chuva, porque nos EUA, que a turma do Bom Senso não me ouça, o déficit passa de 10% e a vida segue radiante.

Finalmente, o calendário para os demais clubes, os chamados pequenos, que por estarem na Série C ou daí para baixo não tem mais a chance de aparecer na TV desde que o Fluminense fugiu de lá com suas manobras de bastidores.

As intenções são nobres, volto a dizer, mas a solução não é simples. Mas pelo menos dessa vez o Bom Senso fez umas continhas e descobriu que para manter em atividade os Bonsucessos e Juventudes é preciso injetar R$ 94 milhões por ano nesse mercado.

O problema é a sugestão de que essa graninha seja um “investimento do Governo Federal”, um eufemismo para dizer que a conta precisa ser paga pela sociedade brasileira, em um negócio que movimenta alguns bilhões por ano, mas que ninguém parece querer abrir mão de sua fatia.

De uma forma um tanto quanto cínica, o projeto sugere que para o Governo valerá a pena, porque o fair play financeiro vai garantir um aumento na arrecadação – ou seja, os clubes deixarão de sonegar o que hoje já devem e portanto é conveniente usar o dinheiro que antes era sonegado para patrocinar a Série E.

Olha, detesto ter que tocar no assunto, mas eu acho que tem um jeito mais prático de levantar essa quantia…

Quanto é o somatório mensal das folhas salariais dos 20 clubes da Série A e, desculpe ser repetitivo, mais o Vasco, estrela da Série B? Uns R$ 100 milhões, por baixo. 12,5% disso dá R$ 12,5 milhões ao mês, R$ 150 milhões por ano. Guarde esses números.

Eu não sei se o leitor está bem inteirado do assunto, mas nossos jogadores e treinadores de elite quase nunca pagam impostos como eu e você, que nos sujeitamos à tabelinha da Receita Federal e sua alíquota de 27,5% para quem ganha mais de R$ 4,4 mil.

Aproveitando-se de uma leitura bem torta e forçada da redação atual da Lei Pelé, o mercado de futebol decretou que a parte maior da remuneração não é o salário, mas o direito de imagem. E que, não sendo salário, ele pode ser pago a uma pessoa jurídica e seus cerca de 15% de imposto.

Em outras palavras, além de ganharem bem, os jogadores da elite se beneficiam de uma espécie de favor fiscal, pagando bem menos imposto do que o resto da população.

A solução, portanto, parece estar ao alcance de todos: a gente escreve na Lei Pelé que direito de imagem faz parte da remuneração (e portanto não pode mais ser atrasado, sob pena de rescisão do contrato, o que é uma medida que protege os jogadores contra os habituais calotes) e assim todos os ganhos dos atletas passam a ser tributados em 27,5%. O excedente de arrecadação dá e sobra para patrocinar o calendário idealizado pelo Bom Senso.

Como eu disse, a intenção é boa, algumas propostas mais ainda. Só que para dar certo é preciso que cada um ceda um pouquinho. A parte dos jogadores de elite já está clara, basta que eles passem a pagar impostos como os demais brasileiros. Se eles estão sendo sinceros, não há de lhes faltar essa dose adicional de Bom Senso.

PS: Xô baixo astral. Bastam 2 vitórias, talvez 1 empate e 1 vitória. Tem gente que parece que se esqueceu que é justamente quando nada mais se espera que o Mengão se agiganta e arranca vitórias épicas. Só preciso saber quando será o 1º jogo das Oitavas para poder comprar minha passagem.

Walter Monteiro

Fonte: Urublog

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