A janela próxima.

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O amigo espartano Márvio dos Anjos escreveu um belo texto sobre o que nós poderíamos chamar de “agonia da comparação” no futebol brasileiro. Nós, os torcedores que apostamos nos nossos clubes nosso tempo e nosso dinheiro, somos submetidos ao melhor do futebol europeu com cada vez mais frequência, e disso extraímos um sentido de desespero.
De um lado, frequentamos estádios como o Maracanã, convertidos em fortalezas da solidão, tomados por jogos ruins (e caros). Do outro, à distância, enxergamos grandes times europeus se enfrentando num esporte que, às vezes, só às vezes, parece-se com o futebol de um Flamengo x Cabofriense. Não há dúvida sobre o que entretém mais.
O que fazer? Afastemos a possibilidade de um imenso salto de qualidade nas competições nacionais. Os times não se transformarão em academias da noite para o dia, e os organizadores de torneios não mudarão de ideia tão cedo. O que resta então? Tomar vantagem da proximidade, do estar perto, mas não de qualquer proximidade, e sim de uma proximidade nova: uma proximidade “reconstruída”.
Explico. Tenho a impressão de que os dirigentes do futebol brasileiro levam a sério demais a frase-chave do filme “Campo dos Sonhos”: “construa e ele virá”. No filme, de 1989, um fazendeiro americano constrói um campo de beisebol em sua propriedade à espera do retorno, ao esporte e ao mundo dos vivos, de uma estrela do esporte. “Construa e ele virá”, ou “levante a porta e a clientela entrará”: eis o que nos dizem as tabelas dos estaduais inchados. Como se o “charme” e a inércia, fossem capazes, juntos, de mover multidões, e criar interesse.
Parece claro: estar perto do time de coração não é mais suficiente. É preciso reconstruir a proximidade sobre as bases da valorização do jogo, da segurança e do respeito à maneira brasileira de torcer. Campeonatos esvaziados pedem estádios esvaziados. Brigas afastam os pacatos. Ingressos caros não constroem valor no toque de um “abracadabra”.
(O último ponto é crítico. O estádio cheio ou pelo menos “energizado” é um ativo do futebol brasileiro. Isso pode não aparecer hoje em planilhas, indiferentes a 3 mil pagando R$ 60 ou a 18 mil pagando R$ 10, mas surgirá em algum momento. O afastamento, a quebra do hábito, o rompimento da cadeia da experiência de torcer, tudo estourará quando for tarde demais.)
“Ah, mas paixão”, “time X é time X”, etc.: a paixão não conterá a decadência, pois, como podemos ver em qualquer caixa de comentários sobre o futebol europeu, a paixão pode mudar de endereço e de DDI. Antes do “gostar”, é preciso salvar o “torcer”. À distância, afastados de arenas vazias e metidos no banzo de lembrarmos de como já foram grandes as nossas festas brasileiras, optaremos todos pela contemplação de um Bayern de Munique, de um Barcelona, e de um Real Madri.
Já está acontecendo. De geração a geração, o interesse pelo futebol europeu se transforma em simpatia, e a simpatia, em amor. Quando acordarmos, todos os clubes brasileiros serão de bairro, interior ou várzea.
Fonte: Chuteira Preta
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