De Afonsinho a Sócrates: jogadores símbolos contra a Ditadura!

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Uma das poucas questões em que talvez haja consenso entre as diferentes correntes acadêmicas políticas e sociais é sobre o futebol ser utilizado como instrumento de afirmação de poder e manipulação das massas por parte dos governantes. No Brasil, que tem no esporte bretão um símbolo de orgulho e paixão nacional, esse uso é ainda mais intensificado. E não foi diferente durante a ditadura militar que acometeu o país durante 21 anos.
Tão logo o golpe dado entre os dias 31 de março e 1º de abril de 1964 se mostrou bem sucedido, os militares trataram de centralizar o poder nas principais áreas de influência da sociedade, entre elas o esporte. A interferência era feita de maneira direta ou colocando-se pessoas de confiança nos cargos de chefia das federações. No comando, os militares e seus aliados tomaram atitudes como mudar formatos e inchar os campeonatos nacionais, que chegavam a contar com centenas de participantes, em troca de apoio político e como símbolo da “integração nacional”.  Não raro, fez-se também na gestão esportiva aquilo que já se fazia no país: dirigentes se perpetuando no poder de confederações (o que, infelizmente, ainda persiste em nosso esporte).
Além disso, a seleção brasileira foi utilizada como um dos principais objetos de propaganda do governo, tendo seu auge ocorrido na Copa de 1970.  Começou com a demissão do então treinador João Saldanha, declaradamente de esquerda e opositor do regime, sua substituição por Zagallo e a inclusão de militares na delegação brasileira que foi ao México buscar o título, e continuou após a conquista do tri, com o Presidente Emílio Garrastazu Médici erguento a Taça Jules Rimet e o governo utilizando a canção símbolo da conquista “90 milhões em ação, pra frente Brasil…” para intensificar a propaganda pró-regime.
Mas assim como em diversas áreas da sociedade tivemos exemplos de cidadãos se levantando contra o autoritarismo, também no futebol tivemos jogadores que escreveram seus nomes na história de luta do povo brasileiro. Um deles foi Afonso Celso Garcia Reis, o Afonsinho, pioneiro na luta por direitos entre os atletas.
Afonsinho foi um habilidoso meia que teve destaque no Botafogo, onde conquistou a Taça Brasil de 1968 como capitão da equipe. Mas seus melhores momentos aconteceram fora de campo. Afastado do time da estrela solitária por decidir manter cabelos longos e barba, que significavam rebeldia em tempos de ditadura, ele foi à Justiça e garantiu o inédito direito ao passe livre. Depois, passou por Olaria, Flamengo, Vasco, América Mineiro, Santos e Fluminense. Por sua postura politizada e combativa, sofreu uma marcação dura do regime militar, que não raro o perseguia de maneira clara e direta, chegando a ser fichado no Serviço Nacional de Informação.
Em um país ansioso por abertura política e transformações sociais, o rebelde meia tornou-se símbolo e líder da luta dos atletas pelos seus direitos. Uma luta pela qual ele pagou alto preço, mas que ele mesmo diz ter valido a pena.
A importância dos atos de Afonsinho foi tamanha que o jogador teve sua história contada no documentário “Passe Livre”, de Oswaldo Caldeira, e foi homenageado na canção “Meio de Campo”, de Gilberto Gil.
Já no final do período militar, outros atletas tiveram seus nomes registrados nos arquivos do Departamento de Ordem e Política Social (Dops). Entre eles, o trio de corinthianos Wladimir, Casagrande e Sócrates, líderes da famosa “Democracia Corinthiana”, movimento idealizado por atletas que exigiam maior participação na política do clube.
Um dos jogadores mais politizados que nosso futebol já produziu, Sócrates levou sua participação na luta para além dos muros do Parque São Jorge, e marcou presença nas Diretas Já, manifestação que buscava a volta das eleições diretas para presidente. O craque chegou inclusive a condicionar seu futuro ao sucesso do movimento, dizendo que permaneceria no país se o Congresso aprovasse as eleições. Elas não foram aprovadas e ele foi jogar no futebol italiano.
Afonsinho e Sócrates talvez não tenham conseguido atingir por completo seus objetivos, mas certamente suas ações influenciaram e ainda influenciam muitos a lutar por sua cidadania e por seus direitos, seja no esporte, seja de modo mais amplo na sociedade. Nesse momento em que se relembra os 50 anos do golpe, é justo lembrar também desses dois ícones do futebol que lutaram contra o autoritarismo.
Fonte: Lanceativo
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