Quem se ocupar de discutir questões importantes para o futebol brasileiro, com a verdadeira intenção de melhorá-lo, tem em um único jogo, o Flamengo x Vasco que abriu a decisão do Campeonato Carioca, um material farto. Pode-se começar pelo show de má educação dos jogadores em campo, protagonizando um festival de faltas, de grosserias e de ofensas à arbitragem. Depois, as antiquadas estratégias de dirigentes de pressionar o juiz, que, de fato, errou bastante e parecia inseguro. Por fim, o fundamental. Embora permeada por atitudes reprováveis, a tensão que cercou o clássico provou que a rivalidade vive. E atraiu interesse para o jogo. Porém, os 26 mil presentes, recorde do campeonato, são um número distante da tradição, do desejável, do aceitável, até. É hora de reaprender a fazer da final do Estadual uma ocasião nobre. E antes que se esqueça de falar, o 1 a 1 de ontem foi justo num duelo de raras chances de gol.
Rodrigo Nunes de Sá aparentou insegurança, sem dúvida. Mas em que contribui o ambiente criado em torno dele? Discutia-se arbitragem dias antes da partida. Durante o jogo, foi transformado em protagonista. Era cercado de jogadores a cada falta marcada. E não faltaram faltas. Foram 61. Depois, foi o nome mais citado pelos presidentes de Vasco e Flamengo e pelos treinadores. Coisa antiga, ultrapassada. Rodrigo atuou mal. Mas é possível atuar bem diante de 22 jogadores dispostos a dividir com ele a tarefa de apitar o jogo, predispostos a intimidá-lo? Aí é questão de postura, de educação. Entre uma falta e outra, os times tentaram jogar.
Quando o fizeram, dividiram o domínio: um tempo de cada um. No primeiro, apareceu o Vasco que, em 2014, vem sendo mais organizado e competitivo do que o Flamengo. Ainda mais diante de um rubro-negro cheio de desfalques por lesão e ainda mais desfigurado ao poupar Gabriel e Everton. Adilson Batista tratou de explorar a improvisação de Frauches pela esquerda. Everton Costa fez o serviço. Criou a jogada que resultou em córner. Na cobrança de Douglas, Rodrigo abriu o placar, de cabeça, aos 11 minutos. No lance, Everton Costa pareceu ter obstruído Felipe.
Eram 36 minutos quando Mugni, sozinho, viu-se cercado por três vascaínos. Foi desarmado. Algo que jamais acontecia com um jogador do Vasco, time mais solidário, brigador. Antes, aos 22, Edmílson obrigara Felipe a uma boa defesa.
Veio o segundo tempo. Entrou Gabriel, mas mudou mesmo a atitude do Flamengo, mais condizente com uma decisão. Veio outro lance capital. Aos 10 minutos. Everton Costa recebeu o segundo cartão amarelo e foi expulso. No lance, não mereceu. Mas deveria ter sido expulso pouco antes, ao agarrar Léo. A esta altura, o árbitro já era uma pilha de nervos. Ignorara faltas nas duas áreas, um agarrão no vascaíno Rodrigo, ouvia gritos e mais gritos no ouvido.
O Flamengo cresceu, teve o jogo à feição. Ainda mais depois do lindo gol de Paulinho, aos 15 minutos. A partir dali, uma mistura de falta de ambição e de precisão impediu a virada. De início, pela vantagem dada pelo regulamento, o empate não seria mal. Mas no 11 contra 10, o desfecho até poderia ser melhor para o Flamengo. Àquela altura, o Vasco, que entrara em campo em busca da vitória, passou a valorizar o empate, por causa da desvantagem numérica.
Foram 26 mil presentes no Maracanã. Pouco para uma decisão. Mas, pela primeira vez, a cidade comentou um jogo do Estadual. A constatação é que o público não disse não ao futebol, a Flamengo e a Vasco. Disse não a este modelo de campeonato, transformado em longa procissão. O jogo mostrou, ainda que por vias tortas, que a rivalidade sobrevive. Há uma chama. Para não vê-la apagar, basta promover bem o campeonato, dar segurança ao torcedor e, claro, cobrar o preço justo. Domingo que vem, quando o Flamengo jogará por novo empate para ser campeão, o ingresso cheio mais barato custará R$ 100. Mais um passo para que se perca a guerra.
Fonte: Blog do Mansur