Texto escrito, quando o Maracanã estava em obras para a Copa, para ser publicado em um livro sobre um jogo inesquecível no nosso Templo Sagrado, que infelizmente não chegou a ser lançado.
Publico hoje em homenagem às lindas imagens transmitidas para o mundo inteiro na final da Copa do Mundo, na expectativa de que ele volte a ser da torcida rubro-negra, como já aconteceu após a reforma, na Copa do Brasil do ano passado.
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Estávamos em 1979. Seria um jogo especial. O Flamengo enfrentaria o Atlético MG numa prévia do que se tornaria em pouco tempo o grande confronto nacional. Este se tratava de um amistoso beneficente, em favor das vítimas de uma enchente ocorrida em Minas Gerais e com um atrativo especial: Pelé jogaria pelo Flamengo. Com a camisa 10!
Até então, só tinha tido a oportunidade de ver jogos contra times pequenos. Como este jogo ocorreu numa sexta à noite, meu saudoso pai me prometeu que viríamos ao Rio assisti-lo (morava em Petrópolis na ocasião). Fiquei eufórico!
Acordei cheio de expectativas e ansioso porque a aula não acabava. Viemos ao Rio logo depois do almoço. Ficamos na casa de uma tia em Copacabana, onde eu viria a morar anos depois já na faculdade.
Deu tempo de dar um pulinho na praia, tomar um banho e vestir o uniforme completo. Manto sagrado, calção, meião e chuteiras.
– Está pronto para jogar? – perguntou Tio Eduardo
– Se alguém se machucar, ele entra – respondeu meu pai.
Ora, mas como ambos eram flamengo, sabiam exatamente que eu também jogaria. Só que ao invés da bola, usaria minha fé e minha voz nas arquibancadas e, no meu mundo infantil, a roupa era essencial para fazer parte do espetáculo.
Descemos e ficamos esperando um táxi. Estava tudo engarrafado e comecei a reclamar que perderíamos o jogo ao ver meu pai preocupado que nenhum “amarelinho” passava vazio.
De repente, parou um Opalão. Azul! O motorista perguntou se iríamos ao jogo e meu pai quis saber o preço. Lembro que houve uma negociação rápida. Ao entrarmos no carro e ver outras pessoas dentro, eu perguntei:
– Pai, isto é um táxi?
– Hoje é! – respondeu papai
– Logo vi que vocês iam ao jogo por causa da “fantasia” do menino – falou o motorista.
Pronto! Eu conhecia assim as dificuldades de transporte para se chegar ao estádio, a existência das “lotadas” e, destas, já não gostava! Um táxi que nem amarelo era, “rachado” por vários passageiros e com um motorista metido a engraçado. Onde já se viu chamarem meu uniforme de fantasia?
Chegamos! Estava em cima da hora. Dificuldade para entrar e um pequeno arrependimento do meu pai por ter me trazido para um jogo cheio (140mil pagantes, segundo ajuda do Google).
Subimos pela rampa superior. Ao nos aproximarmos, o som da torcida foi inesquecível. Esta sempre foi uma das melhores sensações do Maracanã. Ouvir o grito da massa rubro-negra e a vibração positiva antes mesmo de conseguir avistá-la. Era o recado aos visitantes: o estádio tinha dono! Impossível não se arrepiar.
Entramos pelo meio do campo mesmo. Fomos pedindo licença. A quantidade de gente me impressionava. Os times já estavam em campo, mas eu olhava mais para a torcida. Meu pai me puxava, pois eu chegava a ficar paralisado olhando para as arquibancadas cheias, as bandeiras tremulando e tentando entender os gritos de guerra.
– Mengooooo! – eu gritava sem parar e pensava no porquê de não ter sido trazido a um jogo cheio até então. Aquilo ali é que era o Flamengo, eu pensava!
Conseguimos um lugar. O jogo já iria começar. Iria ver Pelé jogar e quem sabe confirmar finalmente tudo que meu pai falava dele. Mas, no caminho, diante de nova provocação do motorista de taxi, cheguei a afirmar que duvidava que ele pudesse ser melhor do que o Zico.
Meu pai me disse que o presidente e o governador estavam no estádio. Mas, eu não achei nada demais nisto. O que importava era que a Nação estava lá.
O Atlético marcou primeiro. Nem vi o lance direito, de tão concentrado na torcida que estava. E ao perguntar na inocência de um menino, tomava uma bronca do meu pai:
– Ué, gol do Atlético?
– Claro! Você não presta atenção no jogo. Pare de olhar a torcida e se concentre no que acontece em campo que vamos virar – numa superstição só aceitável por ele em jogos de futebol.
Mas, a mesma torcida já gritava e eu e meu pai acompanhávamos. Ainda no primeiro tempo, pênalti para o Flamengo. A expectativa era que Pelé bateria. Mas, quem pegou a bola foi o Galinho de Quintino. Goooooollllllll!
No intervalo, Pelé, fora de forma, foi substituído. Em campo, alguns belos toques e umas tabelas com Zico que fizeram meu pai dizer que lembravam a dupla que ele fazia com Coutinho no Santos.
No segundo-tempo, sem Pelé, o Flamengo parecia mais à vontade. Zico fez mais dois. Luizinho, que entrara no lugar do Atleta do Século, fez o quarto e Cláudio Adão definiu o placar: 5 x 1. Goleada histórica! Show de bola e uma inesquecível festa nas arquibancadas lotadas, ainda sem cadeiras e quaisquer divisões. Meus olhos brilhavam de orgulho. Orgulho de pertencer à Nação Rubro-Negra!
No dia seguinte meu tio ainda perguntou se gostei de Pelé.
– Gostei do Zico – respondi, não sem antes completar – e da festa da torcida!
O tempo passou e voltei muitas outras vezes ao Maracanã. Lá vibrei, comemorei, sorri, gargalhei, chorei, sofri, passei apertos e me emocionei com o espetáculo em campo e fora dele. Vi títulos heróicos conquistados na base da garra e também micos homéricos e derrotas sofridas. Enfim, no Macara, eu vivi!
Plagiando o poeta, ser rubro-negro é só se sentir em casa em meio à adorável desorganização do Maracanã.
Volte logo, velho companheiro! Estaremos prontos para lhe devolver a alma vermelha e preta, a alma popular!
Por Jorge E F Farah
Fonte: Magia Rubro-Negra