Aquilo que mais lhe faltam

Certo dia, um juiz perguntou ao Mulla Nasrudin:

– Mestre, no caso de você ter de escolher entre a justiça e o dinheiro, o que você escolheria?

– O dinheiro, é claro – respondeu Nasrudin, sem pestanejar.

– O quê! ?- indignou-se o juiz. Pois eu escolheria a justiça sem pensar duas vezes, porque a justiça não é fácil de ser encontrada, enquanto o dinheiro, este não é tão raro assim. Podemos encontrá-lo por aí sem grandes dificuldades. Estou sinceramente espantado com a sua opção, Nasrudin. Não o julgava capaz de uma ambição, sendo um mestre!

– Meritíssimo, cada um deseja aquilo que mais lhe falta!

Histórias de Nasrudin

Que jogo, meus amigos. Que jogo! Se o Flamengo jogasse todos os dias do jeito que jogou contra o Atlético na já distante quarta-feira metade de nós não estaria aqui para contar. Acredito que o mundo é um lugar maravilhoso e que dada a exiguidade do tempo que passaremos nele não vale a pena cultivar sentimentos subalternos como o egoísmo e nem se jactar de possuir algo que outros não possuem. Me perdoem a filantropia, mas a experiência de participar de um jogo decisivo torcendo pelo Flamengo em meio à turba rubro-negra deveria ser de alguma forma compartilhada com os desafortunados torcedores de outras cores.

Não digo isso em função das vitórias que habitualmente o Flamengo conquista. A vitória é apenas a ponta mais visível de um imenso iceberg. Por baixo da linha d’água de uma vitória do Mengão em um jogo decisivo há muito mais a se viver do que a satisfação patrimonialista de meros 3 pontos ou vantagens para jogos subsequentes. As partidas decisivas do Flamengo são um poderoso instrumento de fé para aqueles que fecham com o certo.

Mas não é uma fé obsequiosa e impotente diante dos desígnios superiores, aquela fé dos que se ajoelham em contrição esperando intervenções divinas. Não, a fé do rubro-negro diante dos desafios de um mata-mata é de matriz distinta. É uma fé que se sustenta muito mais na confiança em nossas próprias capacidades do que na boa vontade de santos, deuses ou correlatos para com a nossa causa. É uma fé de guerreiros que partem para o campo de batalha como quem participa de uma Jihad. Formam-se batalhões que dividem a certeza serena de que lutarão pelo lado mais certo, bom e justo. Quem já viveu essa emoção entende perfeitamente a dimensão mística da expressão imortal de Nelson Rodrigues em seu Negão chorando na arquibancada, varado de luz como um santo de vitral.

Só essa fé explica o espirito leve e folgazão com que os flamengos chegavam ao Maracanã na quarta-feira. Sorrisos, gracejos, musiquinhas impublicáveis, brindes intermináveis, de preocupação não se via traço. Minto, havia preocupação, sim. Uma pelo menos pude registrar em variadas conversas pré-jogo: não podemos tomar gol. Preocupação das mais pertinentes, que elimina a possibilidade de um surto coletivo de soberba, autismo ou porra-louquice da torcida. O Flamengo, todo mundo está cansado de saber, só é 100% o Flamengo quando a estrada se estreita e só dá pra passar um.

O Atlético Mineiro vem há anos tentando se livrar do trauma causado pela perda do Brasileiro de 80. Desde então monta times fantásticos, caríssimos e badalados pela crônica esportiva, não só a crônica mineira. Times que invariavelmente dão com a cara na porta na hora de decidir alguma coisa que não seja o seu campeonato rural. O Atlético desenvolveu uma fixação obsessiva pelo Flamengo, que para eles é a causa e o agente de todas as suas desgraças passadas e futuras. Por isso desenvolveram uma rivalidade platônica com o Mengão muito mais intensa do que a rivalidade real que eles tem em casa. Mas mesmo assim eles conseguiram a proeza de vencer uma Libertadores entrando pela porta dos fundos e foram até a embaraçosa eliminação no Mundial por um time da Jamaica ou do Marrocos, nem lembro mais. Definitivamente o Atlético mudou seu status.

Mas o trauma rubro-negro persistiu, aparentemente incurável. A cada embate com o Flamengo que se anuncia o alvinegro sem praia se enche de esperança e de uma genuína e justificável sede de vingança. Eles sempre chegam babando, coléricos e de olho rútilo pra cima de nós. E o Flamengo, coitado, sempre na correria contra o fim do mês, muitas vezes sequer percebe essa bronca toda do coirmão de um estado vizinho que nem todo ano joga na mesma divisão que nós. O que não melhora nossa relação com eles, que pensam que agimos assim por desprezo.

O Flamengo entrou em campo sabendo que o Atlético ia esperar em seu campo e tentar nos matar no contra ataque. E o que fez o Flamengo não foi nada surpreendente, partiu pra cima como se precisasse fazer o resultado em casa. O Atlético defendeu-se, prendeu bola no meio, ralentou o jogo. O Flamengo não tem um ataque poderoso, fazemos o que podemos com o pouco que possuímos e os mineiros neutralizavam nossas chegadas com relativa facilidade. O primeiro tempo foi uma boa dica para quem quisesse apostar num 0×0 indefinidor.

Na volta do vestiário o Flamengo continuou martelando o martelão e nada dos caras virem pra cima, para que nós mesmos então pudéssemos tentar um contra ataque, nossa atual especialidade. Foi quando Gabriel começou a mostrar seu jogo. De uma saraivada de dribles baianos surgiu uma falta, da falta um cruzamento e dele uma cabeçada certeira de Cáceres pro fundo do barbante. Todo mundo deve ter pensado que a partir dali o Atlético finalmente ia vir pra cima, tentar arrumar o golzinho fora que vale mais do que dinheiro.

Mas nada, os efeitos do trauma começavam a atuar novamente, as pernas dos caras pesavam toneladas, as cabeças então, assumiram peso incalculável. Luxemburgo se declarou publicamente satisfeito com o placar mínimo quando fez entrar Amaral. Seguraríamos o jogo, tudo ou nada só em Belo Horizonte, por enquanto o par de 8 estava levando a mesa. Só esqueceram de dizer pro Gabriel sossegar o facho. Ele continuou de sacanagem com os caras do Atlético, chamando qualquer um de camisa feia pra dançar. E os mineiros não recusam convite, partiam pra cima do menino com sanha moralizadora. Adiantou nada.

Gabriel fez jogada de videogame e driblou uns 17 caras desde o nosso meio de campo até a área dos monotitulados, que infelizes em suas tentativas de acertar o jovem baiano com pontapés e se inspiraram nos aríetes medievais para derrubar o menino na grande área com uma cabeçada. Pênalti claro, incontestável, mas pelo menos foi cometido de maneira criativa. Chicão, com aquela cara de quem nunca está pra brincadeira cobrou com circunspecção e deu números definitivos ao placar. 2 x 0 em casa, tá bonito, tá gostoso.

Um grande resultado, principalmente se considerarmos que a logica e o bom senso apontam o Atlético como favorito nesse mata-mata. Mas não garante nada, porque se existe uma dito popular que está verdadeiramente afastado da realidade cientifica é aquele do raio que não cai duas vezes no mesmo lugar. Lamento informar que é exatamente ao contrário, é justamente onde um raio já se precipitou que existe a maior possibilidade de que venha a cair outra vez.

Sapato, Flamengo, nada de brindes extemporâneos, quarta-feira tem jogo de novo. Melhor esperar até lá pra começar a tirar onda. Por enquanto, a mais eficiente arma da guerra psicológica está sendo usada pelo Atlético contra eles mesmos. O trauma é o assunto mais quente nas hostes alvinegras, o nome de Wright hoje causa tantos calafrios quanto o de Zico, Nunes ou Júnior. Se eles querem acreditar nessas pacholices do tempo do Onça não seremos nós que vamos lhes abrir os olhos.

Enquanto eles ficam naquela onda beata de Eu Acredito dividamos as responsabilidades e fiquemos com o nosso velho Nós Venceremos!

Fonte: Urublog

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