O bom e diferente momento do Flamengo.

O Clube de Regatas do Flamengo vive um bom momento, apesar de não ter título nenhum estampado em faixas nos peitos dos torcedores. É bom e especial porque, apesar de estar sem títulos no gramado, o clube também está sem títulos protestados ou cobrados judicialmente a toda hora (os títulos desse parágrafo são uma generalização para dívidas, cobranças, arrestos, penhoras e títulos propriamente ditos).

Um momento diferente, muito diferente, quando comparado ao que se viu nos últimos dez anos, principalmente. Diferentes pessoas, de torcedores a jornalistas e jogadores, passam uma imagem positiva do clube. Seus dirigentes fecham bons contratos de patrocínio e elaboram um orçamento com receitas operacionais que, concretizadas, serão um marco em nosso futebol. Ao mesmo tempo, ninguém fala em contratar Lionel Messi ou tirar Neymar do Barcelona ou outra loucura do gênero, como, exagerando só um pouquinho, ouvimos muitas vezes no decorrer desses anos.

Por outro lado, é bom recordar que declarações próximas disso apareceram, um pouco timidamente, há menos de um ano, o que mostra que o momento bom e especial não está livre de chuvas & trovoadas, não está consolidado politicamente.

A atual gestão rubro-negra continua seguindo o que se propôs desde o início: sanear o clube economicamente.  Criar condições para voltar a crescer, só que sobre bases sólidas e não mais sobre fantasias ou sonhos megalômanos. O que foi complicado e ainda é um pouco, porque todo torcedor é um megalômano, alguns um pouco mais, outros um pouco menos.

Sanear uma entidade econômica e financeiramente, qualquer que seja ela, é sempre tarefa tão antipática quanto difícil. Despesas têm que ser cortadas, gostos não podem e não devem ser atendidos, sonhos precisam ser postergados. Por mais que o açougueiro acene com linda peça de filé, dizendo, de forma tentadora, “pode pegar, pague quando puder”, a disciplina exige que não se saia do arroz com feijão básico, talvez com uma linguicinha frita. E olhe lá, sem exagerar na quantidade.

O receituário de gastar menos do que ganha e destinar boa parte do que se ganha para pagar dívidas e criar um novo ambiente propício aos investimentos e ao crescimento, é sempre mal visto, muito criticado e, nos casos de países, levam multidões às ruas e, não raramente, à queda de governos comprometidos com a austeridade.

Vimos muito disso nas últimas décadas, em todo o mundo, e continuamos vendo. De forma quase invariável, depois que um governo – a duras penas e se desgastando em termos de imagem – consegue equilibrar a economia e acertar as contas, a população cede aos cantos e encantos de quem promete mundos e fundos e… Manda para casa a turma que arrumou tudo. A nova equipe que “tudo de bom” prometeu entra já festejando… E gastando.

Tempos depois volta o fantasma da falta de recursos, do crescimento nulo ou negativo, volta a crise, volta a desesperança.

Sim, temos visto isso em países, temos visto isso em estados, temos visto isso em clubes de futebol, ainda que pouco, pois poucos clubes deram-se ao trabalho de se corrigirem, de se reinventarem.

Nos últimos dias colecionei algumas notícias envolvendo muitos de nossos maiores clubes. Vejam uma amostra, em ordem alfabética:

Investidores contratam jogador para o Atlético Mineiro, mas essa ação gera descontentamento no elenco, que está com salários atrasados.

Corinthians, sem caixa, recorre a auxílio de agente para contratar jogador.

Cruzeiro contrata Leandro Damião por empréstimo, mas o salário do novo atacante inflaciona a folha e pode gerar descontentamento no elenco.

Sem o parceiro Unimed, Fluminense pode sofrer desmanche ainda maior.

Grêmio tenta se desfazer de jogador caro e improdutivo; pagar caro pela rescisão do contrato é mais barato que mantê-lo na folha de pagamento.

Internacional espera investidor para contratar garoto uruguaio.

Santos tem salários atrasados e telefones cortados – o dinheiro falta; e ainda terá que bancar 150 mil mensais para manter Leandro Damião “fora” de sua folha de pagamentos.

São Paulo gasta fortuna mensal – bem mais de 2 milhões de reais – com jogadores encostados no clube ou emprestados para outros.
Quando fazia essa coletânea no final do mês passado e começo deste, reparei que o Flamengo não aparecia. Procurei um pouco mais e só encontrei as notícias de praxe, mas nada desproposital. Creio que pela primeira vez desde que acompanho mais a fundo essa área. Ontem mesmo, Paulo Vinicius Coelho em sua coluna na Folha de S.Paulo,  abordou esse ponto e outros e repercutiu bastante.

Ainda em meados do mês passado, o GloboEsporte.com publicou uma excelente matéria com um panorama das finanças de nossos clubes – veja aqui. Na parte referente ao Flamengo dois pontos chamam a atenção: o valor destinado ao pagamento de dívidas e a inexistência de espaços no uniforme para novos patrocínios. Quando vamos para o detalhamento do clube (aqui), aparece, enfim, algo das antigas declarações: o clube planeja investir R$ 30 milhões em contratações, a maior parte (dois terços) conseguida via empréstimo. Nesse momento não chega a trazer preocupação, justamente pelo comportamento já apresentado pela direção.

Claro que nem tudo são flores. Essa mesma direção pisou feio com André Santos e, por coincidência, duas vezes. A primeira ao escalá-lo sem condições de jogo, livrando-se da Série B por sorte. E, depois, ao praticamente demiti-lo, cedendo a pressões de bandos organizados que chegaram a agredir o jogador. Dois erros que jamais poderiam ter ocorrido.

No futebol, erros e acertos em contratações são comuns e é difícil acertar sempre. Desde que loucuras não sejam feitas, uma boa gestão sobrevive às contratações erradas, a um ou outro gasto exagerado. O problema é quando isso se torna rotina. Ou quando a folha salarial explode. É uma loucura absolutamente injustificável um jogador no Brasil ganhar meio milhão ou mais de reais por mês! E, infelizmente, temos visto muitos casos nessa linha. A probabilidade é que a maior parte venha a gerar problemas para seus clubes.

No geral vai bem a gestão de Bandeira de Mello e seus companheiros. Esse ano, porém, será decisivo e muito dependerá da torcida e dos eleitores rubro-negros.

Se o time de futebol não se comportar como sonham e exigem muitos torcedores, conseguirá a gestão correta e “chata” ser vitoriosa?

Os sócios-torcedores (que não têm direito a voto) continuarão mantendo seus pagamentos e fazendo uma enorme diferença para o clube?

Mesmo se acontecer de não disputar títulos, a torcida comparecerá ao estádio, mantendo a receita no alto?

Fazer a coisa certa para o clube no presente e no futuro será o suficiente para manter a gestão de Bandeira de Mello?

Esse ano de 2015 promete ser muito interessante e não só no futebol.

Fonte: Olhar Crônico

Coluna do Flamengo

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