A profissionalização do esporte, materializada em 2013 e 2014 por arenas multiuso, “padrão Fifa”, Copa do Mundo e dezenas de “especialistas” em marketing esportivo, gerou no futebol uma corrente meio conservadora, meio saudosista. É aquela que gosta de arquibancada de cimento, torcida organizada e churrasquinho, que acha que torcedor sentado em cadeira numerada, passivo diante da partida, é resultado de uma pasteurização que pegou não só o futebol mas boa parte da sociedade. Aí se criaram dois times. Ou se gosta das cifras frias e do esporte politicamente correto, ou se gosta do futebol pelo futebol, da poesia escondida nos erros de arbitragem, da torcida argentina, mais animada e menos organizada que a europeia. Eu, por escrever num blog sobre dinheiro, por entender mais de balanço financeiro do que de padrão tático, devo aparentar jogar no time da grana. Não jogo. Posiciono-me ao centro. Mais que isso: tenho plena convicção que profissionalização e tradição dependem uma da outra.
Por vezes fica a impressão de que ou se vai em direção ao dinheiro, ou ao futebol. Eis um exemplo. Quando um uniforme se enche de marcas de patrocinadores, torcedores e imprensa atacam e dizem que é horrendo. Dirigentes defendem que é necessário, apesar de feio, para conseguir receita. O loteamento da camisa foi o jeito que, de 2009 em diante, Corinthians e Ronaldo encontraram para viabilizar a permanência do “Fenômeno” no Brasil. Pegou, e quase todo clube passou a vender omoplata (ombro), interior do número, barriga, barra, lateral, calção… A discussão surgiu. Neste caso, dizem, ganhar mais dinheiro com patrocínios se opõe a tradição e bom gosto. A questão, digo, é que a profissionalização vai continuar a avançar só quando for junto com a tradição. Uma camisa com menos e melhor posicionadas marcas é mais vendável para o consumidor e também para empresas, que têm mais retorno de mídia, pois não disputam o mesmo espaço, e geram um vínculo mais saudável com a torcida. Se o Barcelona fatiasse sua camisa em seis ou sete cotas, talvez ganhasse mais dinheiro no primeiro ano, depois teria patrocinadores e torcedores insatisfeitos. Não quer dizer que o Corinthians de Ronaldo estivesse errado em 2009. Ele foi um marco do processo de profissionalização do futebol brasileiro que segue e que dará melhores resultados quando achar novas fórmulas.
A mesma discussão se fez quando o preço do ingresso subiu. O Flamengo enfiou a faca na torcida quando jogou a final da Copa do Brasil de 2013, Cruzeiro e Atlético-MG fizeram o mesmo na decisão de 2014, e atleticanos, também, na Libertadores que venceram. Corinthians e Palmeiras, mesmo sem ocasiões festivas, puseram nas costas do torcedor a responsabilidade de pagar pelos modernos estádios que construíram. Os preços subiram em todo lugar em que há uma nova arena. Aí dividem-se as duas correntes. Uns creem que entrada deve ser barata para lotar estádio e levar o “povão” para cantar, gritar e empurrar o time. Outros acreditam que final de campeonato é hora de botar o preço na altura e faturar, afinal a conta, sempre atrasada, precisa ser paga. Fico entre uns e outros.
Preço de ingresso precisa equilibrar oferta e demanda para valorizar a partida de futebol. Torcida é essencial para o espetáculo, gritaria e cantoria tornam a experiência mais marcante, calorosa, e por isso estádio precisa estar lotado. Se não havia conforto para receber torcedor de toda espécie, hoje, por causa da Copa, há. Preço de ingresso precisa ser baixo suficiente para que o estádio lote, alto suficiente para que o clube lucre. Tradição, representada neste dilema pela popularização do estádio, e profissionalização, pela receita, caminham juntas. De novo, se o Bayern de Munique cobrasse dez, vinte ou trinta euros a mais por ingresso, só pela ambição de faturar uns milhões a mais na temporada, talvez ganhasse mais dinheiro no primeiro ano. Depois teria torcedores insatisfeitos, espetáculos menos atrativos para a televisão, ocasiões menos valiosas para oferecer a patrocinadores. E, de novo, não quer dizer que Flamengo, Corinthians ou Palmeiras estejam errados. Quer dizer apenas que o processo de profissionalização segue e que precificação do ingresso precisa ser estudada.
Que em 2015 os que vertem pela tradição percebam que o negócio está aí e não vai embora. Ganhará títulos quem tiver melhores atletas, comissão técnica e infraestrutura, e terá dinheiro para pagar a conta responsavelmente quem souber gerar receitas com modelos e fórmulas sustentáveis. Que em 2015 os afeitos por profissionalizar, sobretudo dirigentes de clubes de massa, vejam que tão importante quanto verba em caixa são estádios lotados, camisas limpas e cantoria da torcida – organizada ou desorganizada, mas em paz, outro item que só será resolvido quando tradição, segurança e educação forem combinadas.
Fonte: Dinheiro em Jogo