A moralização do futebol carioca.

República Paz e Amor – “Meu pai nunca foi de falar muito, mas não perde um jogo e sempre vai no quarto me informar o placar. Perguntei sobre seu ídolo no futebol, e sem pestanejar ele sorriu e respondeu: Zico!”

Tio Chico é Flamengo. Desde que vi uma foto dele com um casaco do Mais Querido tenho vontade de cantar Roberto Carlos pra ele. Como vai você? Que já modificou a minha vida. Razão da minha paz já esquecida. Nem sei se gosto mais de mim, ou de você, ou do Flamengo. Tá tudo bem aí, Tio? Tá sim, o único problema é que tem um baixinho que fica invadindo meu quarto pra pintar. Pinta tudo, parede, armário, até o meu tênis ele pintou. Fora isso, tudo tranquilo? Sim, sim, de dia ele pinta tudo de volta, gente boa. Tomara que o baixinho vista uma camisa de número 11 e pinte tudo de vermelho e preto. E sigo desejando cantar Roberto para o Tio Chico rubro-negro, gente boa, gente especial, gente que tem 72 anos, que criou dois rubro-negros íntegros e cheios de amor e valores que o Tio Chico passou – o Marcus (39) e o Rodrigo (35) – mesmo tendo que cuidar dos meninos sozinho depois da partida da esposa para um céu bem ali pertinho deles.

Tá vendo o jornal, Tio? Acabaram de dizer que os idosos precisam beber bastante água. Vi sim, mas eu bebo muita água. E você viu a outra notícia do jornal? Não, qual? Houve um aumento de alcoólatras no país. E le deu a notícia como se fosse o âncora do Jornal Nacional. Mas tio, eu bebo uma cerveja de vez em quando. Ué, mas é assim que começa. É sim Tio, é assim que começa. E é assim que o Clube de Regatas do Flamengo está começando uma verdadeira revolução no futebol carioca ao se posicionar CONTRA as arbitrariedades de uma instituição que vive uma crise de representatividade sem precedentes. Nós que somos jovens a mais tempo, e temos a lembrança dos métodos e das práticas da gestão Caixa D´Água, vibramos com cada atitude, cada posicionamento, cada postura assumida contra aqueles que há décadas, por herança maldita, buscam mamar nas tetas dos ativos dos clubes, se apropriando indebitamente das bilheterias, das cotas da TV, das receitas das placas publicitárias. Sem contar as taxas de valores absurdos cobrados dos clubes. É assim que se começa Flamengo, com transparência e responsabilidade, combatendo o empobrecimento do futebol carioca. O NOSSO futebol. Não o deles.

Tio Chico de casaco do Flamengo me fez repensar o amor que sinto pelo clube. E dos amores que o Flamengo me deu, que ainda estão bem pertinho de mim, dos amores que o Flamengo me tirou e daquelas que ainda vão chegar. Tio Chico me fez mergulhar numa paixão sem limites, sem hora, que tira o sono, que tira a razão, que tira a fome, que em dia de derrota tira até a vontade de viver, mas que imediatamente após essa derrota te inflama de mais vontade de viver, pois as lembranças são muito mais lindas e intensas e cheias de esperança no Flamengo que fazem tudo valer a pena. Já que a alma de rubro-negro não é pequena. E por esse motivo enfrentar “invasão de vestiário alheio”, “agressão a jogadores adversários”, “ofensas pessoais a um presidente”, entre outras pressões, é uma questão de MOBILIZAÇÃO. A torcida NÃO pode se calar. A TORCIDA não pode assistir todo esse movimento do “sofá da sala com uma cerveja do lado” . Precisa mostrar a força da massa que ganha jogo, que inflama jogadores do alto das arquibancadas, precisa se apropriar de uma nova força política que emana no coração de cada rubro-negro, e se posicionar nas redes sociais, nos jornais, nas ruas, NOS ESTÁDIOS.

Tio Chico viu o Hexa. Filhos educados tomaram a mais sábia das decisões: levá-lo pra Final. E no meio de um mar de rubro-negros os irmãos se perderam. Mas com a ajuda dos deuses torcedores do Flamengo, que jamais separariam aquela família, acabaram se reencontrando. Fizeram um “cordão de isolamento” ao redor do Tio Chico. Abraçados, irmãos, primos e ELE viram o Flamengo se consagrar Campeão Brasileiro, com direito a nervosismo, sofrimento e gol épico. Tio Chico estava lá. E aplaudiu. E cantou. Bateu palmas e até xingou, e olha que raramente ele fez isso na vida. Como eu(!!!). Como você(!!!!). Seis de Dezembro de Dois Mil e Nove. É pra escrever por extenso para sentir cada sílaba desse dia.

Na casa do Tio Chico já teve de tudo. Gorda sem braço, anões, crianças chinesas, caminhão invadindo o quintal, cachoeira no banheiro. Certo dia ele acordou, tomou banho, colocou uma roupa moderninha, e foi pra rua, tudo tão rápido que mal deu pra perguntar. Vai aonde? Vou ao cinema com as meninas. Disse ele todo serelepe e contente. E agora, que meninas? E lá foi Tio Chico, passos largos, com pressa pra não perder a sessão. Chegando na porta do cinema Imperator, ele parou, olhou para um lado, olhou pro outro e fez cara de ponto de interrogação. Parando ao seu lado, foi questionado com cautela: E aí, tá fazendo o quê aqui? Vai mesmo ao cinema? É, acho melhor voltar, elas foram embora e esqueceram de mim. Respondeu decepcionado. Ele me surpreendeu de novo. Em tempos de paixões devastadoras, de jogos que me consomem, de um camisa 10 que não chega, de uma Federação que me envergonha, o Tio Chico nos espera para pegar um cineminha.

Ele liga o rádio (seu “canal” favorito) e escuta que “a atual administração do Flamengo utiliza-se da mídia para incitar a torcida contra decisão legítima, estabelecida em processo democrático do qual sempre participou acatando suas decisões, em grande parte, benéficas ao próprio Flamengo.” Que torcida é essa que se deixa “manipular”? Tio Chico sempre foi muito caseiro, mesmo à distância ele AMA o Flamengo e tem de um tudo do clube, camisas, caneca, boné, chaveiro, chinelo e a certeza que a sua torcida sabe o que é melhor para ela, sabe de que lado ela está. Do lado do Flamengo. E se o Tio Chico com bravura enfrenta o Parkison e a s alucinações provenientes do tratamento, nós também podemos encarar a gorda de azul, o caminhão no quintal, o anão tarado, o tigre e as crianças que não param de correr pra lá e pra cá na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Um dia, eu vou encontrar o Tio Chico pessoalmente e cantar Roberto Carlos para ele. Eu tenho tanto pra lhe falar mas com palavras não sei dizer…

PS: Eu não conheço o Tio Chico. Pessoalmente. Ele é pai do Rodrigo Barionovo, o marido da Pri. Eu não conheço nenhum deles. Mas, já me considero da família. Todas as histórias do Tio Chico que conto no texto foram vivenciadas e narradas pelo próprio Rodrigo nas suas redes sociais. Essa cara incrível, com um coração e uma sensibilidade que me faz chorar só de ler seus posts e ver suas fotos no Instagram. Quando entrei em contato pra pedir autorização para contar a história do Tio Chico ele me falou: “De onde saíram essas histórias tem muito mais.” Ele é fotógrafo e tem um projeto bem bacana sobre o “meu” mais novo velho Tio. Visitem. Tem muito mais coisa por lá.

Sobre o Rodrigo Barionovo

“Ano novo, novas ideias, novos caminhos e novos projetos. Pra quem não sabe esse daí é o meu pai, o Tio Chico para os mais íntimos. Nosso relacionamento nunca foi um dos melhores, ele calado e eu mudo. Na verdade, ele nunca abriu as portas dos seus pensamentos para mim, e só agora, depois de anos que passo a entender e conhecer um pouco mais sobre este grande homem. Homem este que segurou as pontas quando minha mãe descansou. Que mais uma vez manteve o barco na direção certa quando minha avó materna também descansou sobre meus braços e após quedas e mais quedas entre mãe(dele) e irmãos, ele se mantem firme como uma rocha. Poucas palavras, de grande coração, sempre solícito em ajudar o próximo, ele me ensinou que o silêncio também é uma forma de amor. Enfim, resolvi criar um projeto, uma forma de agradecimento, um jeito de mostrar ao “mundo” o grande homem que mesmo calado, me fez entender que amar é doar. A partir daí, dou início ao meu projeto: #1fotopordiadotiochico. ” Para acompanhar as novidades do projeto siga o Rodrigo no instagram: @barionovo e no twitter: @barionovo.

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