Mansuetude.

República paz e Amor – Olá, amigos. Antes de qualquer coisa me permitam uma breve incursão pelo perigoso terreno da adivinhação científica. Imagino que você não foi ao jogo. Claro que não foi, você é besta? Conheço o drama, joguinho de 2a rodada do carioqueta, contra o Barra Mansa, quarta-feira, 10 e 10 da noite, chuvinha intermitente, trânsito nojento. E com transmissão em HD pela TV aberta gratuita direto pro sofá da minha, da sua, da nossa casa. Sob tais condições, ir ao estádio é, decididamente, programação exclusiva para os psicopatas de raiz.

Ainda assim vos digo, quem não foi deu mole, perdeu um jogão. Ontem ficou provado e comprovado que existem uns 14 mil malucos no mundo que não concordam em absoluto com a descrição coxinha, leite com pera, que fiz do evento. Gente que é Flamengo e que jamais permitiu que adversário, chuva, horário, trânsito ou transmissão pela TV os afastasse da dor e da delícia que é assistir ao Flamengo doutrinar, seja lá quem for, in loco. Ainda por cima, o povo estava com saudades do Maracanã, pra todos os efeitos a nossa casa no Rio de Janeiro. Peço a todos que coloquem as costas eretas e assumam uma postura respeitosa, porque agora estamos falando da torcida do Flamengo, a mais ninja do mundo!

Tenho que louvar a nossa torcida porque ela é muito foda. Um jogo desses, de importância extremamente relativa, um daqueles jogos excelentes pra ficar em casa ouvindo disco de Bienvenido Granda, lendo Monteiro Lobato pras crianças e, de quando em quando, pelo interfone, perguntando pro porteiro vascaíno a quantas anda o placar, só pra sacanear. E mesmo assim lá estava a legião invencível dos bem vestidos ocupando todo o Maraca, perturbando a ordem pública na Tijuca e em São Cristovão com a altissonância de seus cantos e espremendo o barramansers no cantinho da arquibancada como se estes, Deus os livre, torcessem por um dos 3 Patetas, nossos pobres rivais municipais. Que torcida, meus amigos, que torcida é essa?

Logo ao adentrar às dependências do Mário Filho se percebia um cheiro estranho. Na verdade um aroma, conhecido por todos, mas há muito tempo quase esquecido. Era o cheiro de gol do Flamengo, que a nossa brava rapaziada do sub-20, com requintes de crueldade, enfiou logo meia dúzia nas redes do jovem Barra Mansa. O perfume tão raro empesteou o estádio, inebriou a assistência e acabou por contaminar a equipe principal, ultimamente tão avara em balançar as redes adversarias. Talvez o motivo fosse outro, nunca saberei, mas sei que o Flamengo adulto entrou em campo muito a fim de jogo, atacando sem parar, indo em todas, boladões tipo Colômbia. Sem traço de soberba ou arrogância, logo no primeiro minuto da partida ficou claro que o Flamengo faria um jogo pra barras bravas. E que o Barra Mansa não teria qualquer chance.

E não teve mesmo. Nem viram a bola e o Flamengo meteu 4 x 0 com tamanha naturalidade que muita gente se irritou com o fato do Flamengo ter passado 40 minutos inteiros do 2o Tempo sem fazer gol. Por que parou, rapeize? Parou por que, ó Senhor? Era jogo pra fazer saldo de gols, no mínimo 8 x 0. Nesse aspecto, o de incremento de saldo de gol, o Flamengo ficou devendo. Mas não podemos deixar de destacar que os 4 gols foram bonitos. E gols bonitos, por sua esparsa incidência no planeta, de acordo com o moderno conceito da contabilidade criativa, podem valer por dois. Então, pra ninguém ficar de bico após uma noite tão animada, vamos deixar mais barato. Era jogo pro Mengão ter feito uns 9 gols, só fez 8. Precisamos melhorar só um pouquinho, Professor. Mete o pé do caras na forma.

No primeiro gol, o esperado desvirginamento de Marcelo Cirino, batendo cruzado no canto e acabando com a inhaca do Manto 7. Boa, garoto! No segundo gol, surpreendente cabeçada do ala-pivô Arthur Maia, 1,60 metro de pura antecipação. Aliás, atenção nesse rapaz da camisa 19, Artur Maia é rabiscador e pensa rápido. A noite mal havia começado e já estávamos vencendo por 2 x 0, já naquele então a madrugada prometia.

O terceiro gol então, nem se fala. Pintura! À óleo! Talvez inspirado pelo magnética presença de Petkovic no estádio, talvez porque ontem fosse o dia mais importante da vida dele, Canteros cobrou uma falta do jeito que o nosso ex-professor Júlio César Leal exigia de seus comandados: à la Zico. A bola foi girando, girando, girando prum lado, girando, girando, girando pro outro, e foi morrer gostosa e sorridente, no fundo da rede do Tiago Leal, que valorizou ainda mais o magistral tento do argentino, pulando alto pra sair bonito na foto. Ah, lelek, lek, lek!

O 4o gol foi, esteticamente, menos extravagante, mas foi também o mais solidário e o que melhor demonstrou o nível de entrosamento de nossos mulambos. O veloz e não-fome Nixon (vai ser ruim de tirar ele do time) recebeu o balão na intermediária, carregou e viu o Cirino partindo pra área da maldade em grande velocidade. Enfiou uma bola generosa, de atacante pra atacante, que chegou na hora certa ao ponto exato pro Marcelo dar um totó, tirar do goleiro e esbanjar humildade em gol, só acompanhando a gorducha cruzar a linha fatal. Parecia até que no jogo de ontem só valia golaço.

Depois dessa desulmidade toda sinto-me obrigado a lançar aquele jato de água fria nas suas ideias. Só pra manter a palhaçada em níveis aceitáveis. Veja bem, caro torcedor, o Flamengo ganhou fácil, sobrou em campo e proporcionou um belo espetáculo à seleta audiência. 4 x 0 é muito bom e nós gostamos. Mas não dá pra se iludir. Demos sorte em pegar logo na segunda rodada um adversário que ainda está num estágio bem preliminar de desenvolvimento. Nos deu moral e alegrou a nossa torcida, que não brinca em serviço e mesmo quando canta o Sai do Chão! mantém sempre a corneta à mão.

Ainda estamos à anos-luz do Flamengo que sonhamos e recomenda-se fortemente ao Professeur Luxemburgô que continue matando os caras de treinar e semeando a insegurança entre o elenco. Não tem nenhum titular absoluto! Toda essa gente bronzeada que treina no Ninho do Urubu ainda está precisando provar o seu valor. E não existe nada melhor do que faze-lo durante o pre-temporadiano carioqueta. O que realmente importa é ver o time chegar voando no Brasileiro. Pois, como se sabe, o Carioca não dá nem pra pagar o aluguel.

Vamos em frente, Flamengo. Pra frente, sem hesitação, porque lá atrás, muuuuito lá atrás, parece que vem gente.

Paz & Amor

Mengão Sempre

Arthur Muhlenberg

Coluna do Flamengo

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