Falando de Flamengo – O caso é que estou ficando velho e, a cada vez que o Flamengo entra em campo, minha memória resgata coisas que uma pessoa normal não deveria se recordar. Detalhes insignificantes de jogos idem, coisas que estatística não aponta, que ninguém mais lembra e que me tornam guardião de badulaques da minha paixão rubro-negra: um relicário imenso desse amor.
Já não é normal lembrar-se do primeiro confronto entre Flamengo e Cabofriense, um amistoso obscuro na intertemporada de 1985. Mas anormal mesmo, de verdade, é lembrar com detalhes que só deveriam ter sobrevivido nos vãos da memória se aquele 12 de maio não fosse um domingo qualquer.
O campeonato brasileiro havia feito uma longa pausa para a Seleção Brasileira se preparar para as eliminatórias e viver a crise que culminaria na troca de Evaristo por Telê. Nós, flamengos, torcíamos para que avançasse a incipiente operação que traria Zico de volta da Itália. Na Gávea, apenas sócios do Flamengo tiveram acesso à arquibancada para assistir ao treino coletivo da seleção brasileira e aplaudir os dois gols de Bebeto para o time reserva e o golaço de Mozer, de bola e tudo, que fechou a vitória dos titulares por 4×2. Tudo isso de radinho no ouvido para saber do Flamengo que enfrentava um novo adversário na Região dos Lagos.
Eu, longe do Rio e de Cabo Frio, me dei por satisfeito ao conseguir sintonizar a Tupi para ouvir Jorge Curi contar os gols de Gilmar, Bigu, Tita e Vinícius do Flamengo que goleou a Cabofriense por 4×1, enquanto o repórter Kleber Leite entrava ao vivo da Gávea para informar o andamento do treino da seleção brasileira. Diga-se, pelo bem da verdade, o jogo foi 5×1 para nós. Gilmar Popoca bateu uma falta no ângulo esquerdo, a bola furou a rede e o árbitro Rubens de Souza Carvalho assinalou tiro de meta, fazendo o meu rádio Philco Transglobe tremer com a indignação e a voz de trovão de Jorge Curi: – Por Deus, a pelota vazou o arco tricolor, ó Ronaldo Castro!
(O mesmo Philco Transglobe que, emudecido há anos, me olha da estante e se sente reconfortado ao ver que me recordo daquele e de outros domingos em que fomos fiéis companheiros, sem escolher grandeza de adversário ou circunstância, importando apenas a grandeza daquele vermelho e preto que nascia do casamento das ondas sonoras com a minha imaginação)
Aquele Flamengo e Cabofriense também marcou a volta de Leandro aos gramados, em sua terra natal, não sei depois de quanto tempo afastado pela dor nos joelhos que provavam que ele era humano, ainda que seu futebol advogasse tese contrária.
Há outros pormenores em outros confrontos, como o quase gol de letra de Flávio, que seria o terceiro tento de uma vitória que acabou mesmo em 2×0 no sábado, 6 de fevereiro de 1988, segunda rodada da Taça Guanabara, quando coube a Renato Gaúcho e Bebeto a sangria do gol defendido pelo ex-cruzmaltino e selecionável Régis; ou ainda o arremate de Renato Carioca contra o travessão, que teria mudado a história do 0x0 pela Taça Rio de 1989 e talvez de todo o campeonato, porque teríamos o ponto que nos deixaria em vantagem na final contra o Botafogo.
Sim, são lembranças inúteis. Acho que acabo por guardá-las porque são elas que alimentam a minha esperança de que o jogo de logo mais não se perca na poeira da história, de que aconteça algo que o torne único, talvez uma arrancada de Cirino coroada com um chute que estoure as redes, ou algum detalhe qualquer que nos faça continuar acreditando que não há um jogo igual ao outro. Talvez seja a primeira ou a última vez que algum rubro-negro vá ao Maracanã, e assim este Flamengo e Cabofriense e seus acontecimentos cotidianos ficariam guardados para sempre no coração de alguém, como ficaram guardados estes jogos de que falei e dos quais talvez ninguém lembre mais, e é por isso que somos milhões, para que cada um guarde e vigie o seu quinhão de Flamengo, que somados e irmanados nos tornam uma Nação.
Bom jogo, rubro-negros.
Mauricio Neves
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Essas são as histórias que merecem ser resgatadas em livro.