Carlos Eduardo Mansur – Se o artista vai aonde o povo está, por que não o futebol? Na era das arenas modernas, parecemos olhar com ar de desprezo para os estádios menores, acanhados, distantes. E é justo dizer que boa parte deles faz por merecer. Mas é certo, também, que partimos hoje do princípio de que times grandes só podem jogar nos grandes palcos. Um erro. Os campos pequenos, antes chamados de alçapões, cumprem um papel. Tratemos de recuperá-los, então.
No sábado, o Flamengo visitou Xerém. Jogou para 5 mil pessoas. Não faltaram palavras de censura. Antes mesmo do jogo. Xerém é longe, fica numa área rural, cabe pouca gente no estádio Los Larios. A visão é míope. O fundamental é preencher outros requisitos. Que caibam 100 ou 100 mil pessoas, pouco importa. Quem entrar, estará em segurança? Vai entrar e sair sem riscos? Terá instalações razoáveis, como banheiros e bares? O gramado é bom? Se as respostas a estas questões forem positivas, assunto encerrado. Afinal, mais vale ter os cinco mil lugares cheios em um alçapão do que 50 mil cadeiras desocupadas de um Maracanã.
Não, Xerém não preencheu todos os requisitos. A começar pelo campo. Não dá para aplaudir aquele gramado, nem aprová-lo. Sem falar nas acomodações para a imprensa, mas esta é uma questão bem menor. Futebol é para o público. Los Larios estava disponível para 5 mil torcedores, o suficiente para dar um ar de casa cheia ao campo do modesto Tigres do Brasil. As tais 5 mil pessoas foram ao jogo, entraram e saíram com facilidade, pelo que se pôde observar. E ensinaram uma lição importante: campos assim, distantes, permitem levar o futebol a gente que raramente veria o Flamengo, o Vasco, os grandes do Rio de perto. Uma experiência única que guardarão na mamória. Era este o perfil predominante do público.
De que valem, duas vezes por semana, intermináveis duelos entre grandes e pequenos em estádios grandes e vazios, diante de um público enfastiado? Se os Estaduais ainda existem neste formado inchado, que ao menos levem os grandes ao interior, ao subúrbio, às áreas rurais, aos campos pequenos. Mas nunca a qualquer custo. O limite é a responsabilidade. Segurança, instalações dignas e um bom gramado. Então, que se parta para recuperar os modestos campos espalhados pelo estado.
Os efeitos positivos serão diversos. O ineditismo se encarregará de encher a casa, numa espécie de rompimento com as entediantes e deprimentes cenas de jogos rodeados de cadeiras vazias. A disparidade de forças entre grandes e pequenos será atenuada. A monotonia será quebrada. E, principalmente, um toque de humanidade será acrescentado ao jogo.
Curioso que achamos pitoresco, folclórico até, quando um Manchester United joga num campo com três degraus de arquibancada de uma cidadezinha inglesa. Para isso servem as copas. Ou, ao menos, também para isso: para aproximar as estrelas de quem dificilmente as veria. Para humanizá-las.
Em Xerém, gente do interior viu seus ídolos de perto. Nestes alçapões, é possível sentir-se quase dentro do campo. O torcedor chama, o ídolo responde. Se não responde, ao menos sente. Num Maracanã com 5 mil pessoas, o máximo que se pode sentir é solidão.
Se os alçapões têm um papel, é óbvio que as grandes arenas também têm. Mas limitar o futebol a elas é desumanizar o jogo, encarecê-lo, fazer do futebol algo inacessível para muita gente. E se é para ver pela TV, por que assistir ao Campeonato Carioca e não à Liga dos Campeões?
Claro que os Estaduais devem diminuir de tamanho, adequar-se à realidade. Mas além de celebrar a história, a tradição e as rivalidades locais, podem prestar outro serviço: ir aonde o povo está.