Fonte: Blog Olhar Crônico Esportivo
Os clubes devem e precisam pagar.
O Estado (melhor dizer Estado que governo, pois esse é transitório e aquele é permanente) quer e precisa receber e para isso está disposto a ser generoso.
Os clubes têm um lamentável histórico de péssimos pagadores ou, muito pior que isso, um histórico de não pagadores. Transformaram a velha e deprimente máxima “devo, não nego, pagarei quando puder, se puder” em prática corrente. Ora, há limites para a generosidade do Estado e há limites para a capacidade de suportar a cara-de-pau de dirigentes que têm dinheiro para pagar os tributos, mas investem em contratações ao invés de pagar os impostos que todos pagam – empresas e cidadãos.
Tudo isso vocês já sabem e vêm acompanhando pela imprensa e por esse OCE há bom tempo. As reuniões da Comissão Mista que analisa a MP 671, que começa a ser chamada de Profut ou MP do Futebol, mas que acompanhamos desde o início como Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte, começaram nessa semana que está terminando e continuarão durante esse mês.
Justamente em função do péssimo histórico dos clubes, o Estado exige dos clubes e federações várias contrapartidas e punições, já discutidas aqui anteriormente em vários posts. Vejam, novamente, uma das exigências que está no artigo 4º do texto da MP e que, possivelmente, permanecerá, dada a importância que dão a ela os técnicos do Ministério da Fazenda, assim como muitos parlamentares:
IX – demonstração de que os custos com folha de pagamento e direitos de imagem de atletas profissionais de futebol não superam setenta por cento da receita bruta anual;
Folha de pagamento – nessa rubrica devem ser lançados os salários, os direitos de imagem, os direitos de arena, os encargos sociais ligados ao salário – INSS, FGTS, vale-transporte e outros mais, assim como os prêmios pagos aos jogadores. Isso inclui, em meu entendimento, os valores pagos como luvas aos jogadores. Eles fazem parte da folha de pagamentos. Claro, não podemos esquecer as férias e o bônus acoplado, assim como o 13º salário. Todos incluídos na mesma folha de pagamento.
Vemos, portanto, que o texto da lei, ora em forma de medida provisória, não fala nas demais despesas do futebol, como viagens, equipamentos, taxas federativas, etc. Também não fala sobre comissões por transferências ou parcelas de direitos econômicos pagos em transferências. A lei se restringe aos valores que são aos atletas para jogarem bola. E, naturalmente, aos demais profissionais envolvidos na atividade, desde o “professor” (parece que esse termo está caindo em desuso, o que já era tempo; então, vou reformular)… Desde o treinador do time principal até os mais simples e invisíveis trabalhadores do setor, como o pessoal encarregado da limpeza.
Receita bruta anual – ora, como vocês já estão cansados de saber, essa é a receita total de um clube, ou seja, a receita que inclui os valores obtidos com transferências de jogadores, pagamentos dos “sócios-piscineiros”, atividades da área social ou de áreas amadoras e outras mais. Essa receita é sempre muito maior que a receita operacional do futebol (bilheterias e STs, direitos de transmissão e marketing) e que deveria, em minha visão, ser o parâmetro legal. Para sorte dos clubes, não é. Mais uma benesse, mais uma generosa benesse do Estado para os clubes.
Se a redação que vimos acima for mantida no texto definitivo, ela nada tem ou terá de descabida, pois a receita total dos grandes clubes brasileiros é, na maioria dos casos, bem superior à receita operacional do futebol. E o mais correto, sem dúvida, seria atrelar a despesa do futebol à receita do próprio futebol. Considerando essa redação, tal como exposta acima, o quadro é bastante tranquilo para os clubes, considerando, é claro, os valores das folhas e receitas de 2014:
Temos aqui alguns problemas, todavia. A rigor, os dados mais corretos sobre o valor da folha de pagamentos são os do São Paulo, o único clube que detalha a composição de sua folha de forma quase completa. No caso de alguns clubes não foi possível determinar o tamanho da folha e optei, simplesmente, por deixa-los fora da tabela. Grande parte simplesmente lança “despesas com futebol” e pronto. De qualquer forma, se entrarem no programa esses clubes terão que melhorar sensivelmente suas prestações de conta, o que tornará as análises futuras mais fáceis e melhores.
Voltando à tabela, vemos que a coluna Relação Folha/Receita Total está toda em azul, ou seja, com todos os clubes dentro dos limites propostos pela MP. O clube com o maior percentual é o Internacional, com 64,2%, seguido pelo Cruzeiro com 63,0%, ficando ambos muito distantes do limite de 70%.
O quadro muda de figura e cor quando pegamos a Relação Folha/Receita Operacional. Nessa coluna, metade dos clubes tem seus números em vermelho, com destaque para Internacional e Cruzeiro, naturalmente, já que ambos tinham os percentuais maiores na outra relação. Se o Santos compromete 77,7% de sua receita operacional, a folha do São Paulo come 76,2% das receitas operacionais do clube e, por fim, o Atlético Mineiro, mais um clube com folha alta demais quando comparada à sua receita operacional.
A última coluna mostra o valor mensal médio de cada uma das dez folhas. Vamos & convenhamos, mais de 10 milhões de reais todo mês para a folha do futebol é um bocado de dinheiro, não? Mesmo lembrando que essa folha, se os balanços estão com as contas bem divididas, engloba todo o futebol e não somente jogadores e treinador. Um jogador que chega de repente ganhando seus “corriqueiros” 500 mil, aumenta esse valor sozinho em cerca de 5% a 6%, considerando os encargos. Ou seja, não podemos mais encarar com um dar de ombros um salário de meio milhão de reais. Mais do que nunca é o momento de pensar no custo anual desse salário, pensar em quão grande será seu impacto sobre as contas do clube.
Diante de tudo isso, coloco três pontos:
– Conceitual ou ideologicamente, sou avesso a intervencionismos do Estado na vida das pessoas e empresas; mesmo num caso como esse, como uma contrapartida a uma generosidade da sociedade através do Estado, sou favorável à independência de ação de todos os envolvidos; se os clubes transgredirem, que sejam punidos o mais rápida e prontamente que for possível; se errarem, que aprendam e corrijam por iniciativa própria e não forçados pelo Estado; é assim que se tem desenvolvimento real, sustentável;
– Em termos práticos, não há motivos para choradeira e reclamações dos clubes; o limite de 70% é absolutamente possível de ser cumprido sem maiores pesadelos e, se implantado, cumpri-lo só trará benefícios aos clubes;
– Estabelecer esse limite da forma como está no texto pouco significará; para ser de fato efetivo, acredito que deva ser estabelecido unicamente sobre as receitas operacionais geradas pelo próprio futebol – Direitos de Transmissão, Bilheteria/Arrecadação de Jogos, Marketing (incluindo royalties pela venda de produtos com a marca do clube); ou, quando muito, mas novamente com generosidade excessiva, que seja estabelecido sobre a receita total excluída a renda com transferências de atletas.
Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos no Congresso Nacional e vamos para o final da primeira rodada do Brasileirão 2015.
Ontem só vi Palmeiras x Atlético Mineiro e tive duas excelentes horas de lazer. Um jogo muito bom, agradável, daqueles que nos mantêm presos à poltrona, só saindo da frente do televisor, e bem rapidinho, no intervalo. Que o campeonato inteiro seja assim e ainda melhor.
Espero e torço para que essa seja a última edição do Brasileirão que vemos com essas loucuras administrativo-financeiras, verdadeiramente absurdas. Clubes saneados, mesmo que demore algum tempo, acabarão por nos trazer campeonatos muito melhores e ainda mais disputados. E o melhor: sem o medo de vermos grandes e tradicionais nomes, grandiosas histórias, serem destroçados por gestões irresponsáveis.
Bom domingo a todos.