Fonte: Olhar Crônico Esportivo
Números podem ser engraçados ou tenebrosos, tristes, preocupantes. Sem os números estaríamos brigando por cavernas. Com eles, chegamos à Lua.
Muitos números são meras abstrações. Um dia estamos no churrascão pelo aniversário de um amigo e nos espantamos com as quarenta pessoas presentes. Uau, quanta gente! Antigamente, as famílias reuniam-se para o Natal, entre outras datas, e era comum ficarmos perdidos no meio de dezoito, vinte, até trinta primos. De onde vinha tanto primo, tanta gente? Nem por isso, porém, entendemos a grandeza de alguns números, como a Grande São Paulo (Região Metropolitana) ter “pouco” mais de 20 milhões de habitantes. Ou termos cerca de 60.000 assassinatos por ano no Brasil, número ainda maior que as 56.000 mortes no trânsito.
O mundo da bola é rico em números que fogem à nossa compreensão, todos eles ligados a dinheiro. Isso vai do valor de algumas transferências aos valores de alguns salários. Teimosamente, olhamos para esse mundo que nos parece tão maravilhoso e imaginamos, mesmo sem querer, que ali todo mundo se dá bem. O que não é verdade. A grande maioria ganha salários baixos, quando consegue ganhar todos, e passa muito mal.
Outros números que assustam ou impressionam são aqueles ligados aos clubes, principalmente as dívidas. E receitas.
Ah, não podemos esquecer os números que promovem discussões: os números das pesquisas sobre tamanhos de torcidas.
Prepare-se, então, para a tabela que vem mais abaixo, pois nela estão alguns desses números: Dívidas. Receitas. Tamanho de torcidas.
E o quanto os dois primeiros representam em relação aos últimos, ou seja, vamos ver quanto cada torcedor “deve” em nome de seu clube do coração. E quanto esse mesmo clube ganha em relação a cada um de seus torcedores.
Para entender a tabela
Dívida Total: números correspondentes à Dívida Líquida, demonstrada nos balanços dos clubes e exposta no trabalho da BDO Brasil “Análise de 20 Clubes Brasileiros – Exercício 2014”.
Receita Total: igualmente demonstrada nos balanços dos clubes. Por “total” entende-se que elas incluem os valores gerados pelas áreas sociais dos clubes e também pelas transferências de atletas.
Número Estimado de Torcedores – Média: para chegar a esses valores vali-me de um artifício nada acadêmico. Peguei os percentuais levantados pela última pesquisa IBOPE/Lance e os percentuais da última pesquisa Datafolha que abordou o universo do futebol. Somei-os e dividi-os, obtendo um número médio entre as duas pesquisas. Ora, como se tratam de estudos diferentes, não só no tempo como na metodologia e estratificação de amostras (Ibope/Lance considera o universo de brasileiros com 10 anos e mais, ao passo que Datafolha parte da idade eleitoral – 16 anos e mais), essa não foi uma operação que possa ser chamada de acadêmica ou científica, muito pelo contrário. Por outro lado, ela tem validade, sim, desde que tenhamos claro que se trata de uma estimativa e que tem como objetivo dimensionar mais aordem de grandeza de contingentes populacionais – nesse caso as torcidas – do que, propriamente, sua quantificação estatística. Vale dizer que na determinação de quanto clube ganha pelas vendas do PPV o número de torcedores/compradores dos pacotes é obtido pela média entre uma pesquisa Datafolha e outra Ibope, como já explicado várias vezes em posts desse OCE.
Número Estimado de Torcedores – Total: os percentuais obtidos conforme foi explicado acima, foram aplicados sobre a população do Brasil. Essa população foi arredondada para 204,6 milhões de habitantes, número estimado do “relógio populacional” do IBGE nesse corrente mês de julho de 2015. Embora, a rigor, as pesquisas não possam ser aplicadas sobre o conjunto da população, é praxe que isso seja feito e não somente no Brasil.
Dívida e Receita por Torcedor – a partir desses números, portanto, o valor que cada clube deve ou ganha por torcedor, foi obtido pela simples divisão dos valores de receita e dívida pelo número estimado de torcedores.
Esse post ficou limitado às catorze maiores torcidas e aos clubes presentes na Série A e que aparecem nas duas pesquisas, como é o caso do Botafogo, Bahia e Vitória.
Explicações feitas – e espero que tenham sido lidas e entendidas antes da leitura da tabela, vamos à dita cuja e nela os clubes aparecem pela ordem da Dívida por Torcedores, indo da maior para a menor.
Botafogo lidera no Positivo e no Negativo
Flamengo é o maior e o menor
Curiosamente, o Botafogo que tem a maior dívida total e a maior dívida por torcedor, é também o clube com a maior receita por torcedor. Vejam que sua receita por torcedor é 38,7% maior que a do Fluminense, mas sua dívida por torcedor é 97,4% maior, o dobro, praticamente, do coirmão carioca. Se cada um de seus três milhões e oitocentos mil torcedores, de 0 a 100 anos de idade, do Oiapoque ao Chuí, num dado momento enfiassem a mão no bolso e dele tirasse pouco mais de duzentos e vinte reais, entregando-os para a tesouraria do clube, todas as dívidas seriam pagas. Instantaneamente. Num piscar de olhos. Na outra ponta, a das receitas, o Botafogo apresenta essa curiosa competência: a de ser o clube que mais arrecada dinheiro por torcedor.
O Flamengo tem a segunda maior dívida total do Brasil e tem a maior receita entre nossos clubes. Tem, também, a maior torcida, que por esse método que empreguei compreende um total de 35 milhões de torcedores, nove vezes maior que a do Botafogo. Mesmo tendo a espetacular receita de quase 350 milhões de reais, quando dividimos esse número pelo total de torcedores encontramos “apenas” dez reais (arredondado), ou seja, mais de quatro vezes menor que esse mesmo índice no Botafogo.
Se o clube da Gávea ganhasse por torcedor a mesma quantia que ganha o clube da Estrela Solitária, sua receita seria de € 414 milhões e ficaria abaixo somente de Real Madrid, United, Bayern e Barcelona, empatando pau a pau com o Manchester City, a 5ª maior do mundo. E se cada torcedor rubro-negro, de 0 a 100 anos de idade, do Oiapoque ao Chuí, depositasse vinte reais na conta do clube, todos no mesmo dia, o Flamengo no dia seguinte pagaria o total de sua dívida e ficaria zerado.
Voltando ao nosso cenário, o Corinthians é o clube com a menor dívida por torcedor. Há que se levar em conta, porém, que o custo a pagar da Arena Corinthians não está lançado nesse total de dívidas, já que o valor é contabilizado à parte. Entretanto, o balanço não traz as receitas com bilheteria, que vão para o fundo responsável pelo pagamento do estádio. Essa dicotomia, que nada tem de esdrúxula ou, menos ainda, ilegal, é ruim porque mascara tanto a receita do clube quanto o valor de suas dívidas.
Números…
Interessantes, não? Servem para sonhar, servem para trazer pesadelos.
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