Não dá pra levar gol e virar monstro

Fonte: República Paz & Amor

Pego de surpresa e irritado com a demissão, Vanderlei Luxemburgo saiu atirando e garantiu que a diretoria rubro-negra não entende nada de futebol.

Sou cético em relação aos caras que se autoproclamam grandes entendedores dessa matéria tão cabeluda e pergunto a vocês, persistentes leitores do RP&A: quem entende mais de futebol, o treinador Cuca ou o ex-presidente do Flamengo Delair Dumbrosck? A resposta me parece óbvia. Entretanto, em 2009 Delair levou Petkovic de volta à Gávea contra a vontade de Cuca, e o nosso grande nome na conquista do Campeonato Brasileiro só entrou no time depois que Cuca foi demitido. (Os motivos de Delair eram muito mais financeiros do que técnicos, mas Cuca não queria ver Pet nem pintado.)

De futebol gosta-se menos ou mais, acompanha-se mais ou menos, mas entender é relativo. E, no fim das contas, de que adianta entender um esporte em que você pode ter jogadores muito melhores que os do adversário, você pode massacrar o adversário durante os noventa minutos e, ainda assim, você pode perder o jogo no último lance da partida?

Um dos problemas dos nossos treinadores é a necessidade que têm de – talvez para justificar a indecência de seus salários, talvez por uma discutível e efêmera sensação de poder – deixar claro que há coisas dentro de um jogo que só eles percebem e só eles são capazes de compreender. Coisas que eles entendem muito mais do que todo mundo.

Ontem, apesar de ter diminuído o ritmo em relação ao primeiro tempo – como de resto o time inteiro, o que é compreensível devido ao que todos haviam corrido –, Alan Patrick permanecia sendo nosso ponto de equilíbrio, mas Cristóvão enxergou o que ninguém mais via, teve outro de seus lampejos inalcançáveis para nós, meros mortais, e achou por bem tirá-lo de campo.

Estou longe de achar que os garotos que vêm da nossa base merecem, automaticamente, uma vaga no time. Porém, como não entendo patavinas de futebol, recorro ao advogado vivido por Denzel Washington em Filadélfia e peço que alguém me explique como se eu tivesse seis anos: o que é que Jajá faz eternamente sentado no banco de reservas? Aprimora a relação com os companheiros? Estreita os laços? Organiza churrascos para as segundas-feiras de folga?

O Flamengo fez um primeiro tempo de Dr. Jekyll, superior até às suas melhores partidas do segundo semestre do ano passado. Ao contrário do que ocorrera contra o Goiás, só corremos perigo em uma jogada individual de Ricardo Oliveira em cima do Wallace, marcamos bem, acertamos mais os passes, sobramos no meio-campo, fizemos dois belos gols. Ninguém consegue correr daquele jeito o tempo todo e não há time de futebol que não cometa falhas. Ou seja: nosso desempenho cair e o Santos nos ameaçar era mais do que previsível, mas nessas horas precisam entrar em campo a tranquilidade e a consistência – e não o elétrico e inconstante Gabriel.

Varandão da saudade. Lembro de uma mesa-redonda no final dos anos setenta com a presença de Paulo César Carpegiani, que comandava o nosso meio-campo com lucidez e categoria. O Flamengo vencera um clássico naquele domingo, e um dos integrantes da mesa perguntou a Carpegiani o porquê de sua discussão com Tita nos minutos finais da partida. Resposta: “O jogo estava dois a um pra gente, aos 43 do segundo tempo. Ora, dois a um pra gente aos 43 do segundo tempo, não é pra ter mais jogo.” Tita perdera uma bola que não podia perder, tentando uma jogada que não deveria tentar. Não temos mais Carpegiani e Tita, mas com dois a zero a nosso favor e em casa, contra um time de campanha capenga, era para o jogo ter acabado.

É impressionante como viramos Mr. Hyde sempre que tomamos um gol, o que aconteceu nesse campeonato inclusive nas duas partidas em que abrimos dois a zero – na de ontem contra o Santos e na vitória sobre o Inter, quando só não entregamos a rapadura por falta de tempo. Aumentar a confiança e segurar o emocional do time são duas das tarefas mais importantes de qualquer técnico.

Aqui, cabe um esclarecimento. Reclamei no post passado da teimosia de Cristóvão e sofro com as invencionices do técnico na hora de substituir, mas não defendo sua demissão. Criticar é uma coisa, achar que o cara tem que sair é outra. Quando um time está disputando o título ou brigando para fugir do rebaixamento, é melhor ganhar jogando mal do que perder jogando bem. Como não nos encontramos em nenhum dos dois casos – a não ser para os alucinadamente otimistas ou para aqueles de alma botafoguense –, creio que coisas boas puderam ser observadas ontem. A começar pela impressão que tivemos, no primeiro tempo, de que Cristóvão conseguira se libertar da herança maldita deixada por Luxemburgo e finalmente fazia sua estreia como técnico do Flamengo. Não apenas porque, pela primeira vez nesse Brasileirão, fomos para o intervalo com dois gols de vantagem, mas pela compactação, a marcação firme, a recomposição eficiente, a rapidez na transição, a vontade.

Quem foi ao estádio saiu decepcionado, quem viu de casa desligou a tevê aborrecido. Sim, os muitos passos à frente que demos no primeiro tempo acabaram anulados pelo andar para trás no segundo, mas fiquei com a percepção de que é possível evoluir e estamos evoluindo.

Desculpem: será que estou sendo alucinadamente otimista?

Jorge Murtinho

Coluna do Flamengo

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