O técnico-antibiótico

Fonte: Mauro Cezar Pereira

O time está em crise e joga mal. Sem qualquer convicção e coragem para sustentar um trabalho de médio a longo prazo, os dirigentes se movimentam, cochicham, se reúnem, discutem nos grupos de WhatsApp. E demitem o treinador. Antes, após uma derrota, o decisivo diálogo é travado.

— E agora, o que fazer? — indaga o diretor de futebol, considerado o mais cauteloso.

— Procurar outro, claro — responde o vice.

— Mas quem? — pergunta o presidente, inseguro.

— Alguém que dê uma chacoalhada no time — rebate o vice, todo valente.

— Isso. Esses caras precisam de uma sacudida —se empolga o “presida”.

— Já que vão mudar mesmo, que tal Fulano? — questiona o diretor.

— Ele é bom, mas retranqueiro — discorda o vice.

— Sicrano? — sugere o cauteloso.

— Xi, esse não sabe montar defesas — rejeita o presidente.

— Mas é um treinador que podemos pagar — adverte o diretor.

— Nada disso, Beltrano é o nome certo. Anda meio em baixa, mas tem currículo e muitos títulos — define o vice.

— Faz tempo. Essas conquistas estão lá no passado, isso é verdade. Mas o cabra é bom — se amima o presidente.

— E está sem clube — acrescenta o vice.

— Mas se ele é bom por que está sem clube? — indaga o diretor.

— Ih, vamos parar. Não é hora de procurar pelo em ovo — rebate o vice, que anda de um lado para o outro pela sala com as duas mãos nos bolsos da calça.

— Exatamente. Além disso esse cara chega aqui e atrai a mídia, assim torcida e imprensa esquecem da gente um pouco — reflete o presidente, com um sorriso no canto da boca enquanto traga um charutão.

— Mas é um técnico caro — lembra o diretor, coçando a careca, pensativo.

— Lá vem você de novo querendo arrumar problemas — reclama o vice.

— Vamos contratar e depois nós vemos como é que fica — bate o martelo o presidente.

— É que a dívida do clube é grande… — acrescenta o diretor, provocando olhares furiosos da dupla, preocupada em resolver tudo logo, sem pensar.

— Mais um pouco ou menos um pouco, um técnico não vai mudar isso — diz o vice.

— Quem sabe não volta a trabalhar como nos bons tempos? — sonha o presidente.

— Temos que ter esperança — eleva o tom o vice, com o punho cerrado.

— E antes de qualquer coisa nos livrarmos desse camarada aí que não ganha de ninguém — grita o presidente, com raiva, dando um soco na mesa.

— E como não é um treinador famoso, um medalhão, os resultados do time já começam a respingar em nós. Hoje a polícia teve que tirar da arquibancada uma faixa que pedia as nossas cabeças — destaca o vice, preocupado.

— Mas o time está melhorando, trouxemos vários jogadores no meio da temporada… — diz, baixinho, o diretor, já meio amedontrado.

— Vai explicar isso pra torcida, vai — berra o vice, cuspindo abelha-africana.

— Pra torcida e para aquele jornalista que não para de nos cornetar na Internet, no jornal, no rádio e na televisão — reforça o presidente.

— Temos que dar um cala-boca nele também — concorda o vice.

— É, e esse cara gosta do técnico que iremos buscar — ressalta o “presida”, sorridente e orgulhoso com o que acabara de dizer e imaginando que terá um aliado na imprensa.

— Mas… — sussurra o diretor, sem ser ouvido.

— Fechado! Shirley, me liga com o agente do professor Beltrano — grita o presidente dando uma ordem à secretária. Ou melhor, telefone logo para ele, vou conversar diretamente com o técnico — decide.

A conversa acontece, o “professor” é contratado, vira manchete, a torcida até se empolga e enche o estádio. Grife, famoso, ele causa impacto inicial e o time reage, vence partidas, mas depois… Futebol ruim e resultados aquém do esperado. Derrotas. Os problemas de sempre continuavam lá.

Os cartolas haviam contratado mais um técnico- antibiótico, aquele que tira o doente da crise, combate o mal mas não trata da doença em definitivo. Até porque esse mal é composto por vários “vírus”, entre eles muitos dirigentes tão comuns em nosso futebol. E o mais incrível: tem torcedor que gosta disso.

Coluna do Flamengo

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