Aos 60 anos, Muricy Ramalho já driblou arritmia, diverticulite, 20 pedras na vesícula e medo de avião. Hoje, enquanto luta por melhorias no Flamengo, começa a traçar seu plano de voo para o futuro: tornar-se dirigente. Mas, a curtíssimo prazo, o sonho do treinador é vencer neste domingo o Fluminense, a partir das 16h, no Pacaembu.
Consegue prever até onde irá o time sob seu comando?
É pouco tempo, mas tudo está caminhando. Quando a gente ganha ou perde, nada muda, está tudo planejado.
Você é compreensivo em relação às viagens do time?
Eu entendo. E a diretoria também entende. Eles não tomam decisões só por causa do dinheiro. Outro dia, viajaram com a gente numa situação complicada. Foi até bom terem ido a Brasília. O avião teve que arremeter. É bom que sintam a dificuldade.
Você tem medo de avião?
Viajo há mais de 25 anos, mas não gosto. É minha profissão, tenho que ir. Já não me importa o medo. O que importa é que o time se sinta bem. Mas, se deixar livre, levam a gente pra Manaus, Cuiabá, cidades distantes…
É desvantagem não ter uma “casa” no Brasileiro?
É histórico no Brasileiro: os que não têm casa, não têm chance. Não é só pelo fator casa, mas pela distância. É muita viagem. A gente precisa diminuir esse prejuízo. A gente não vai ter nossa casa, mas um lugar aproximado, com boa logística. Tem que ser o mesmo lugar, sempre.
Quando você negociou com o Flamengo, se deu conta de que não teria o Maracanã?
A gente nem se ligou nisso porque o foco era a estrutura e o centro de inteligência para trazer jogadores. Passou batido. Nem quando assinei contrato conversamos sobre o Maracanã. Se não, a gente tinha discutido bem antes o que está discutindo agora.
Essa dificuldade poderia ter feito você pensar duas vezes?
Estou numa fase de desafios, de ajudar um lugar a crescer. Não quero só ganhar jogos e um bom salário. Quero deixar algo no Flamengo.
Você saiu do Fluminense reclamando de rato no vestiário. Não sentia firmeza em relação à promessa de melhorias?
Não foi isso. Sou muito apegado às pessoas. Não tiro ninguém quando chego num clube. Não sou inseguro. Tem treinador que tira todo mundo e traz outros por insegurança. Algumas pessoas que ali estavam me ajudaram a ganhar o título (brasileiro) e começaram a sair: o assessor, o (vice de futebol) Alcides (Antunes)…
E o rato?
Nunca falei de rato. Foi coisa da imprensa. Mas, um dia depois de eu sair, caiu um rato na cabeça dos caras (fotógrafos). Aí, inventaram mais ainda (risos). Claro, eu dizia que tinha que melhorar a estrutura. Isso, sim.
Mas, afinal, não havia rato?
No vestiário, não. Você acha que eu ia ficar num vestiário com rato, pô? Pelo amor de Deus! Eu nem me trocaria lá. Nada a ver. Não tinha nada.
No ano passado, quando você deu um tempo na carreira, pensou em parar?
Fiquei 22 anos sem dar um tempo. O time entra de férias em dezembro, menos o técnico, que tem que contratar, fazer planejamento. Isso prejudicou minha saúde. Você, quando fica internado, diz: “Cara, o que estou fazendo aqui?” Então, você pensa em mil coisas, em dar um tempo, em se aposentar. A arritmia foi leve, em três dias eu já estava bom. Foi só um susto. E, depois, operei a vesícula. Tinha mais de 20 pedras, isso me molestava bastante.
E a diverticulite?
Dizem que, quando a gente fica nervoso, vem tudo aqui, no estômago. As minhas pedras, a diverticulite, tudo junto! Eu não queria parar, então tomava remédio pra dor. E ia assim pro trabalho. Até que um dia eu resolvi cuidar um pouco de mim.
Que cuidados tem hoje?
Perdi oito quilos. A vesícula não servia para nada. Não posso comer nenhum grão: feijão, tomate com semente… Caminho todos os dias. Tomo de vez em quando o remédio da diverticulite, só para normalizar. A dor é a pior coisa do mundo. Pensei que era infarto. A dor foi aumentando. Corri para o hospital.
O estresse contribuiu?
Fiz um check- up rigoroso, e me viraram de ponta à cabeça para saber por que tive, principalmente, a arritmia. Meu pai morreu do coração, aos 55 anos, jogando bola. Fiz um montão de exames, não tinha nada. Era estresse.
Pensa em se aposentar?
Tenho dois anos de contrato. Quero cumprir e depois pensar. O que mais pega é a família. Meus filhos (Fabíola, de 34, Muricy Júnior, de 25, e Fabinho, de 21) cresceram e não pude participar de nada. Foram poucos aniversários, poucas idas à escola, essas coisas de pai.
Pensa em no futuro passar para fora das quatro linhas?
No Brasil, nossa gestão não é legal. Nessa minha parada, estudei um pouco no Barcelona. E o que mais me interessou foi a parte administrativa, ver como eles faziam isso. Vi com carinho a possibilidade de fazer essa ligação profissional com a política do clube, do jeito que funciona lá. Todos os que trabalham nessa área são profissionais. São ex-jogadores.
Enxerga-se fazendo isso?
Só com autonomia. Aqui no Flamengo, esses dirigentes têm autonomia total. São pagos para responder por isso. Quem sabe, um dia, trabalho na parte administrativa? Não sei. Só se tiver autonomia.
O que tem achado da atual situação do Brasil?
Achei muito legal a passeata. O brasileiro cansou. A gente nem sabe direito em quem votar. A gente está de saco cheio desses políticos, desses ladrões, picaretas. O povo não está aguentando mais. Não tem hospital, educação, segurança. O político brasileiro precisa mudar. Já deu. Estamos cansados de tanta mentira, conversa, dinheiro desviado. O Brasil está parado, pobre não come. Já o impeachment é coisa a ser muito estudada. Tudo bem que se discuta o impeachment, mas o Brasil não pode ficar parado. Temos mais de 10 milhões de desempregados.
Você recusou a seleção em 2010. Pensa nela, hoje?
Não tenho loucura, cara. Recebi um convite que me pegou de surpresa. Claro, eu era o cara do momento. É muito legal ser técnico da seleção, mas sou ligado no que faço. Meu foco é o Flamengo.
Hoje, analisando as denúncias contra dirigentes da CBF, sente alívio por ter recusado?
Quando falei não pro cara (Ricardo Teixeira), nunca pensei no que ia acontecer na frente. Fiquei três horas com o cara e pensei: não confio, não dá. Não me passou segurança. O que aconteceu com o Mano (Menezes) ia acontecer comigo. Foi uma conversa num clube de golfe, todo mundo olhando, se metendo. O homem lá em cima é muito bom comigo. Toda vez que tomo alguma decisão, lá na frente vejo que… poxa, eu ia estar lá com esses caras aí!
Fica triste com as denúncias na CBF e na Fifa?
Fico. Um presidente da CBF está preso, o outro não pode sair do país. O futebol é limpo. Não tem negócio de fazer acordo por resultados. Esses caras não têm esse direito. O que me irrita é que eles não são do futebol. Só vêm para tirar proveito político, econômico… Eu queria o Zico na CBF. A CBF precisa de um cara limpo, do futebol. Esses aí fazem mal ao futebol. Os patrocinadores vão embora porque não querem investir no que acham que não é sério. Os clubes ficam quebrados. Isso irrita a gente.
O Flamengo viveu episódios como o do Bonde da Stellinha, que denotava descompromisso. O ambiente mudou?
Eles estão muito mais profissionais. Mas, também, tem o seguinte: você sai de férias num lugar muito ruim como estava isso aqui e, aí, volta e encontra as mudanças. O cara fica mais profissional. Você tem que dar para cobrar. Isso aqui custa muito. Além da parte econômica, muita gente sofre por isso. É uma religião. Não vou vigiar, mas se sentir que alguém não está bem aqui, não tem acordo. Se você ganha jogo, pode tomar um caminhão de cerveja. Vão dizer: “merece”. Mas, se perde, vão dizer: “não pode”. Somos pessoas públicas. Temos que ser exemplo. Não é pra ser santo, mas o jogador tem que se comportar.
Enfrentar o Fluminense tem um significado especial?
Será diferente. Imagina um Fla-Flu no Pacaembu… O campo é ótimo, é perto, desgasta pouco. Pediram minha opinião. Eu disse: “Claro, é minha cidade”.
Fonte: Extracampo
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Se o Flamengo não podia, agora já pode cobrar compromisso.
Tá na hora de acabarem as desculpas e começar a lutar em campo pelo resultado.