Apesar de ser rentável e muito utilizado, o maior estádio do Brasil gera prejuízos desde a reabertura. Para piorar, corre o risco de voltar para as mãos do cidadão do Rio
Questionado por repórteres em 3 de setembro de 2013 sobre a possibilidade de o estado do Rio de Janeiro voltar a administrar o Maracanã, Sérgio Cabral (PMDB), então governador fluminense, cravou. “Isso é um equívoco absoluto que se cometeu no passado, é um erro grave de concepção de gestão, não tem cabimento isso.” Não tem mesmo. O estádio gera prejuízos desde a reabertura. Só em 2015 foram perdidos R$ 22,5 milhões. Concedido para a Odebrecht por 35 anos, o prejuízo é um problema da construtora. Se voltasse a ser público, seria bancado com dinheiro de impostos. O problema é que, apesar da certeza de Cabral de que a hipótese é negativa, esse é o risco que o Rio corre por opção do próprio ex-governador.
Quando o Rio assinou o contrato do Maracanã com a Odebrecht, concedeu à construtora não só a operação do estádio, mas do entorno. O parque aquático Julio de Lamare e o estádio de atletismo Célio de Barros seriam demolidos e transformados em empreendimentos imobiliários mais rentáveis. Os planos mudaram quando, assustado com as manifestações populares de junho de 2013, Cabral voltou atrás e proibiu a Odebrecht de tocar as demolições. A empreiteira alegou desequilíbrio do contrato de concessão, e o governo admitiu ter errado. A renegociação dos termos se arrasta até hoje. O governo do sucessor Luiz Fernando Pezão (PMDB), que esteve ao lado de Cabral como vice-governador durante toda a reforma e a concessão do estádio, tem de desatar vários nós para evitar que o legado deficitário da Copa do Mundo seja bancado com dinheiro público.
A Odebrecht não assume publicamente, mas quer vender a concessão do Maracanã para outra empresa. A brasileira BWA e a francesa Lagardère, que juntas operam o Castelão (Fortaleza) e o Independência (Belo Horizonte), estão no páreo. O Flamengo, mais estável financeiramente do que há quatro anos, decidiu que quer ele mesmo assumir a administração e já anunciou que não jogará no estádio se não participar da gestão. Isso gera uma série de nós. Um deles é político, porque o Flamengo não se dá com a federação de futebol do Rio, a FFERJ, possível aliada da BWA e da Lagardère. Outro é jurídico. A concessão de Cabral proibia, desde o edital, a participação de clubes da administração. Não sem um porquê: os times raramente são geridos de modo responsável. Além disso, o contrato do Fluminense com a Odebrecht ainda está vigente e precisa ser equacionado. O futuro do Maracanã virou um jogo de xadrez.
O Maracanã ainda precisa provar sua viabilidade econômica. O estádio teve a maior receita entre novas arenas brasileiras em 2015, R$ 60,6 milhões, e teve a maior atividade, 66 jogos de futebol. O fato de estar numa cidade com quatro clubes que disputam regularmente a primeira divisão ajuda a arrecadar mais do que outras praças. Só que, do lado das despesas, o gigantismo atrapalha. Os 78.838 lugares e os 66 jogos levaram os gastos às alturas. Por isso, a despeito da receita recorde, houve prejuízo de R$ 22,5 milhões em 2015. A solução passa necessariamente por aumentar a média de público, ainda baixa, suficiente para encher apenas 30% das arquibancadas. Ainda que o dinheiro das bilheterias vá quase todo para os clubes, não para a administradora do estádio, o fluxo de visitantes destrava outras receitas com alimentação, estacionamento, camarotes e patrocínios.
A operação deficitária do Maracanã complica o xadrez. Qualquer nova concessionária precisa ter caixa para resistir aos primeiros anos no vermelho e relação amistosa com o Flamengo, cuja torcida, a maior do Rio, é indispensável para fazer o estádio lucrar. O Flamengo, ainda em meio a uma longa jornada de redução das dívidas feitas por cartolas do passado, precisa ter cautela para não se fragilizar além da conta para ter o comando da arena. O Fluminense precisa participar do processo para que a disputa não seja levada à Justiça, afinal os tricolores têm um longo contrato assinado vigente. E o estado do Rio de Janeiro precisa conciliar os interesses de todas as partes sem que o dinheiro do cidadão entre no jogo. Afinal, o Maracanã já custou caro demais para ser construído, mais de R$ 1,2 bilhão, um dinheiro público que dificilmente será recuperado.
Rodrigo Capelo
Fonte: Época