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“O realista esperançoso”

Torcer para o Flamengo é extremamente prazeroso, mas quase nunca é simples. Só aceitamos ganhar tudo, só aceitamos ganhar todas e só aceitamos ganhar de muito.

No entanto, se fizermos um esforço para desconsiderar os devaneios e pôr os pés na realidade, veremos que jamais foi assim. Nem nos áureos tempos do melhor time da nossa história. E se quando tínhamos Zico e Júnior não ganhávamos tudo, não ganhávamos todas e não ganhávamos sempre de goleada, por que seria desse jeito justo agora que temos Fernandinho e Márcio Araújo?

Não importa: continuamos convictos de que não pode ser de outro modo – o que tem um lado bastante positivo, o de nos fazer exigentes ao máximo. Só que, quando as retumbantes vitórias e as projetadas conquistas não vêm, a decepção é proporcional e nos vemos às voltas com fantasias a respeito da falta de raça ou de caráter dos nossos jogadores. O adversário jamais nos vence; nós é que perdemos.

Jogamos mal contra o Sport? Não: jogamos muito pior que isso. Não criamos um lance ofensivo, não demos um chute a gol. Até o nosso treinador admitiu que estivemos abaixo da crítica. Mas o que dizer do Atlético Mineiro nos empates com Figueirense e Vitória, do Santos na derrota para o América Mineiro, do Corinthians no empate em casa com o Figueirense, do Grêmio na derrota em casa para o Vitória, do Palmeiras ter levado apenas um ponto nas duas partidas contra a Ponte Preta? Não é difícil perceber que, se embarcarmos no velho chavão “time que quer ser campeão não pode perder pontos para fulano ou beltrano”, teremos um caso inédito de Campeonato Brasileiro sem vencedor.

Pode parecer sofisma vagabundo de blogueiro idem, mas tenho a sensação de que nosso grande problema não são os jogos que perdemos, e sim os que não podíamos ter deixado de ganhar. E em 2016 já temos três desses no currículo: os empates com São Paulo, Botafogo e Santos. Estamos falando de nada mais nada menos que seis pontos atirados ao lixo.

O Campeonato Brasileiro costuma ser, mesmo para os que encabeçam a bagaça, um infindável perde e ganha, embora eu concorde com os que defendem a tese de que a incompetência alheia não pode servir para justificar nossos erros. Porém, é praticamente impossível que seja de outro jeito. (Desculpem se insisto no tema e na lembrança, mas vale retomar o sebastianismo muhlenberguiano para recordar que, em 2009, levamos uma tunda de cinco a zero de um time que acabaria rebaixado.)

Claro que não há, aqui, uma ode ao determinismo, e o espírito crítico continua sendo bem-vindo. Ter consciência de como o campeonato se desenrola é uma coisa, achar que tudo está bom e vai obrigatoriamente acabar como imaginamos é outra. Não vamos ganhar só porque foi assim em não sei quando ou porque é assim que tem que ser. Mas numa competição equilibrada e – é forçoso reconhecer – nivelada por baixo, tudo o que precisamos é fazer menos bobagens que os principais adversários. Perder para os mais fracos, todos perdem. A vantagem, ao final, fica com aquele que não desperdiça pontos como os tais seis citados dois parágrafos acima.

O que mais nos encanta no futebol talvez seja o tanto que ele tem de ilógico. Há dez dias o Grêmio amassou o mesmo Corinthians que nos goleara por quatro a zero. Pois no último domingo nós não deixamos o Grêmio respirar e o batemos com autoridade, numa vitória que teria sido ainda mais confortável caso Éverton não perdesse um gol que meu neto faria e Réver não achasse bonito dar balãozinho na nossa pequena área.

Por falar nisso, eis aí uma linha reta para o hepta: não se conformar com falhas cometidas por falta de seriedade e excesso de confiança, como inúmeras que já testemunhamos nesta temporada. Errar é do jogo, brincar é inaceitável.

De todo modo, e apesar de sua lamentável preferência clubística, nessa hora vale lembrar Ariano Suassuna: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.”

E acho que, lá de cima, o genial autor pernambucano não vai se aborrecer se dermos uma ligeira adaptada em outro dos seus achados, dito pelo personagem Vicentão no Auto da Compadecida: “Eles tão doido pra perder, nós tamo doido pra ganhar. Dá certinho.”

Jorge Murtinho

Fonte: República Paz & Amor

Coluna do Flamengo

Ver comentários

  • Parei de ler o restante do texto após o "por que seria desse jeito justo agora que temos Fernandinho e Márcio Araújo?"... &;-D

  • Talvez os pontos mais imperdoáveis, esses que perdermos contra São Paulo, Botafogo e Santos.

    O campeonato esse ano vai ser apertado, era a previsão do inicio do ano, e tudo leva a crer que realmente vai ser assim. Todos esses times da parte de cima da tabela tropeçam, perdem pontos bobos, assim como nós. Naturalmente o campeão vai ser aquele que mais cedo erradicar esse sintoma.

  • “Eles tão doido pra perder, nós tamo doido pra ganhar. Dá certinho.”
    resume o BRão desse ano. hahaha.
    Mas me vejo como um realista muito esperançoso. O time tem que ter em mente que o jogo mais importante é o próximo, e se preparar como se estivesse jogando uma final toda rodada. "Vamos na humildade, com fanfarra, foguetório e trio-elétrico, claro. Mas sempre na humildade." (MUHLENBERG, 2016)

  • Alguém precisa dar um toque no Réver mesmo (ou quem sabe ele acordou dessa vez). Mas o Everton é esforçado...só não sabe jogar bola, de resto, ele é bom. Não é que foi displicente na finalização...simplesmente não sabe finalizar como Cirino, Gabriel, Fernandinho...

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