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“Cheiro de épico”

Ano passado, em um de seus costumeiros acessos de megalomania e perdularismo, Vanderlei Luxemburgo bateu pé, pirraceou, fez birra e biquinho, queria porque queria a contratação de Robinho. Eu gosto do Robinho. Também acho que ele poderia nos ajudar bastante, mas concordei com a turma que não entende nada de futebol: seguindo sua linha de trabalho com rara firmeza, a diretoria do Flamengo achou por bem não cometer loucuras e preferiu contrariar o mimado ex-treinador.

As tratativas para a possível vinda de Robinho não chegaram a ser tema de post no RP&A, mas apareceram na caixa de comentários, onde expus minha opinião: eu não via sentido em investir tanta grana em um jogador que logo adiante seria, como foi, convocado para disputar a Copa América no Chile, o que o deixaria fora de sete rodadas do Campeonato Brasileiro e o impediria de ajudar o time de maneira mais efetiva. Bobagem gastar uma pequena fortuna com Robinho, para chegar em oitavo lugar em vez de em décimo segundo. Porém, meu principal argumento vinha a seguir: se Robinho pouco poderia fazer em 2015, o que daria para o Flamengo e Robinho fazerem em 2016, sem um estádio para jogar no Rio de Janeiro? E já que não brigaríamos lá nas cabeças, melhor seria montar um elenco capaz de nos garantir um campeonato honrado, mas sem grandes pretensões e livre de gastos estratosféricos.

Na caixa de comentários do post “O realista esperançoso”, publicado em 24 de agosto, tivemos a honra de contar com a presença da palmeirense Bia Rago, que acompanha as bobagens que escrevo desde os tempos do blog de futebol da revista piauí. Depois de elogiar a seriedade da gestão rubro-negra, a Bia mandou o seguinte: “Continuo pensando que o que vier esse ano, para o Flamengo, é lucro, que 2016 teria que ser a pré-temporada de 2017.” Futebol é sempre uma terra boa para cultivo e crescimento de opiniões divergentes, mas é difícil discordar do que a Bia pensa e escreve. Ainda estamos em processo de arrumação da casa, e o que é pior: sem a casa.

Pois o Flamengo está oferecendo, a mim, à Bia e a todos os brasileiros que gostam de futebol, uma linda lição. Nada contra Brasília ou Cuiabá, tudo a favor do Pacaembu e de Cariacica, mas, independentemente das calorosas recepções onde quer que desembarque e da paixão que o rubro-negro é capaz de despertar nos mais escondidos rincões do país, não dá para comparar. Casa é casa. Pergunta ao Barcelona se, com todos os iniestas, messis e neymares, o clube abre mão de mandar seus jogos no Camp Nou.

Uma lembrança que ilustra bem o assunto. Eu ainda morava no Rio de Janeiro em 2001, quando Flamengo e Vasco decidiram o campeonato estadual. Era curioso: o Vasco vencera a primeira partida por dois a um e seria campeão mesmo com uma derrota por um gol de diferença no segundo jogo. Todavia, quem circulasse pela cidade naquele fim de semana era envolvido por um mar vermelho e preto. Camisas, faixas, flâmulas, bandeiras, parecia que a vantagem era nossa. Tinha-se a impressão de que os vascaínos pressentiam o que aconteceria naquela tarde de domingo, sobretudo aos quarenta e três minutos do segundo tempo.

Na condição de torcedores, é claro que queremos mais. Entretanto, a essa altura do texto – e do campeonato –, cumpre registrar que, seja qual for a classificação final, a campanha do Flamengo já pode ser carimbada como histórica, inesquecível. E se o título vier, creio que será inédito e exclusivo. Não tenho muita queda para esse tipo de pesquisa, mas não acredito que haja caso semelhante no futebol. Refiro-me, obviamente, a competições que reúnam algo em torno de vinte clubes, com jogos de ida e volta e sob a fórmula dos pontos corridos. Ganhar um campeonato assim, jogando sempre fora do seu lugar de origem, nunca. Ninguém.

Se tivéssemos levantado o caneco em 2011, certamente nossa virada sobre o Santos na Vila Belmiro, quando chegamos a perder por três a zero e ganhamos por cinco a quatro, seria apontada como “o jogo do campeonato”. Em 2009 tivemos as vitórias sobre Palmeiras e Atlético Mineiro fora de casa – se não me engano, ambas valiam a liderança -, além da partida-chave contra o Santos (havíamos perdido para o Grêmio Barueri no meio da semana e parecíamos ter saído da disputa) em que Bruno defendeu dois pênaltis do Ganso. Agora em 2016, a escolha do “jogo do campeonato” também já começa a ficar difícil.

Foi impressionante o empate com o Palmeiras, na casa adversária – casa mesmo, de verdade, onde o clube manda suas partidas há quase cem anos –, com um a menos desde os quarenta do primeiro tempo, abrindo o placar e dando uma excelente exibição de consciência e coletividade. Mas o que aconteceu há poucas horas em Cariacica teve uma cara danada de Flamengo. Teve uma cara danada de campeão. E teve um inebriante cheiro de épico.

Jorge Murtinho

Fonte: República Paz & Amor

Coluna do Flamengo

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