O William Faulkner dizia que o que literatura faz por você é como acender um fósforo no meio do mato à noite. Um fósforo aceso não ilumina quase nada, mas te permite ter uma ideia de quanta escuridão existe ao seu redor. Me permitam forçar a barra na citação ao ilustre cadáver e dizer que a vitória do Flamengo sobre o Cruzeiro em Cariacica no domingo também não ilumina quase nada, mas mostra aos rubro-negros o quão escura era a noite em que estávamos mergulhados sabe-se lá desde quando.
Não sofram, aquele Flamengo não existe mais. O Flamengo é outro. Ou melhor, o Flamengo é o mesmo. O mesmo Flamengo que nós aprendemos a amar e a arco-íris mal vestida a temer. O Flamengo gigante e imparável que ultimamente só existia em nossas memórias. O Flamengo, de vermelho e preto e branco e japonês, o Flamengo de todos. O Flamengo que não cabe em todos os Maracanãs do mundo juntos e que ao mesmo tempo se ajusta como uma luva ao liliputiano barranco de Cariacica. Ora, esse Flamengo todo certo não pode jamais ser o outro. Aquele Flamengo, que era todo errado, é que era o outro. Ficamos combinados assim. Esse é que é o Flamengo.
E esse Flamengo tem dado seguidas provas de que toda aquela conversa de “estamos pagando as contas para que o futebol volte a brilhar” não era só conversa. O tal ano que vem, tábua de salvação de todos os VPs de Futebol desde 2013, que ameaçou ser 14 e foi sendo empurrado com a barriga para 15, tá com todo o jeitão ser 16 mesmo. Porra, esse bagulho me excita. Se nós, que somos rubro-negros de raiz e vivemos doentiamente o dia a dia do Mais Querido, fomos surpreendidos, fico imaginando o terror nas arcoirislândias espalhadas pelo Brasil quando se deram conta que o Mengão Perfurador estava de volta à cidade.
Todo mundo sabe que a cidade, qualquer uma delas, fica pequena quando o Mengão está na área. Ainda mais quando o Mengão vem todo inteiro, de banho tomado e com um qualquer no bolso. É muito ruim de aturar. Taí o líder interino, se doendo todo com o bafo quente do Mengão no cangote e arrumando treta com a arbitragem, com a crônica esportiva, com o dono do estádio. Se eu acho que eles estão ensaiando um chororô preventivo, bem ao estilo do mala do Cuca? É claro que eu acho! É o terror, amizade. Não deve mesmo ser fácil a vida de quem não tem Mundial.
Como eles jogaram no sábado tiveram o domingo inteiro pra secar nossa formidável rapaziada. O domingo deve ter sido terrível pra eles, porque o Flamengo não tomou conhecimento da existência do Cruzeiro e se impôs sem muita dificuldade no relvado capixaba. Domínio territorial absoluto sem, contudo, chutar muito a gol, nosso velho defeito. Mesmo assim o Flamengo se mostra a cada dia mais coeso, com um estilo próprio e com maior poder de reação. Time que não é capaz de reverter placar adverso não se cria no Brasileiro, já tava mais do que na hora do Mengão botar as manguinhas de fora. Esses caras entenderam que eles são o Flamengo e parecem aceitar muito bem as pesadas responsabilidades que acompanham tal privilégio.
Nosso Flamengo tem feito tudo certo nesse returno do Brasileiro. E mesmo quando joga mal tem levado pra casa os 3 pontos. Ser campeão não depende só do nosso desempenho, além de ganhar tudo temos que torcer pra vagabundo tropeçar, mas quem nunca? Essas conversas de que o caminho de fulano é mais fácil que o nosso não tem base na realidade, tá ruim pra todo mundo e não vai ter jogo fácil pra ninguém. Vai prevalecer quem tiver a cabeça mais no lugar. Não acredito em cabeça boa sem coração contente. Enquanto essa torcida maravilhosa continuar a carregar o time no colo, fornecendo a dose de afeto que um coração contente requer, a lógica não nos permite prever nada menor ou menos honroso que o Hepta.
Faltam 11 jogos, são 33 pontos na mesa e, pelo menos racionalmente, não há qualquer motivo para que o Flamengo não conquiste a todos os 33. Mas é claro que existem as circunstâncias, as imponderabilidades e as cascas de banana, sempre muito encontradiças em retas finais de Brasileiro. O Flamengo não deve se preocupar com elas. Na fase em que estamos vivendo, rompendo barreiras, quebrando recordes e lotando aeroportos, são as circunstâncias e as imponderabilidades que tem que se preocupar com o Flamengo. É rumo ao Hepta, cumpadi. E coitadas das cascas de banana. Vai sobrar pra elas.
Mengão Sempre
Arthur Muhlenberg
Fonte: República Paz & Amor
Os textos do Arthur são sempre muito bom e está aí mais um que ressalta todo o orgulho de ser rubro negro.
Como é bom ser Flamengo.