Carreira a limpo e conselhos a Ganso: Pintinho, a pedra no sapato de Zico

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Carlos Alberto Pintinho é do Borel. Desde muito novo aprendeu a não abaixar a cabeça e a não levar desaforo para casa. Tanto que fala abertamente sobre os casos de “rebeldia” nos tempos em que defendeu o Fluminense, o Vasco e o Sevilla. E ainda que radicado há 35 anos na Espanha, faz questão de deixar claro que mantém as raízes aos 62 anos e segue vivendo como “boleiro”. Não esqueceu aquilo que desenvolveu ainda garoto, na comunidade da Zona Norte do Rio de Janeiro – e deixou aflorar com os anos de convívio dentro e fora dos gramados com o amigo e mestre, o ex-jogador Paulo Cézar Caju.

Procurado por mensagem pela reportagem do GloboEsporte.com para esta entrevista, atendeu posteriormente à ligação em Sevilha – onde afirma ser tratado como rei – com a mesma marra que define ser uma das marcas da sua vida e da sua vitoriosa e turbulenta carreira no futebol.

– “¡Hola! ¿Qué tal?” (Olá, tudo bem?) – disse Pintinho, no idioma que adotou em seu novo país.

Mas, após um breve início de conversa em espanhol, o ídolo tricolor na década de 1970 logo assumiu seu lado brincalhão, danou a falar desenfreadamente e notou que seria mais descontraído recordar em sua língua nativa os seus diversos “causos” no futebol – como o de indisciplina que acredita ter lhe tirado da Copa de 1978.

– Eu sou brasileiro, pô! Ainda falo português (risos). Não esqueci, não!

E foi assim, por telefone, que Pintinho, uma das engrenagens da célebre Máquina Tricolor na década de 70 começou passar a carreira a limpo, recordou a rivalidade com Zico – que considera Pintinho um dos melhores marcadores que enfrentou. E deu, inclusive, conselhos a Paulo Henrique Ganso, meia que neste momento tenta se destacar no Sevilla, clube em que defendeu na mesma posição de 1981 a 1984 e alega ser tratado como um dos maiores da história.

– Para mim foi muito fácil. Eu cheguei aqui e não tive problema de adaptação. Na minha estreia, eu fiz um gol e dei um passe para outro. O Ganso é um dos poucos jogadores clássicos do Brasil atualmente. Ele tem que assumir a responsabilidade, pegar a bola, pedir a bola. Os caras gostam disso aqui na região. Para jogar no futebol europeu, ele precisa ter mais contato com a bola, precisa estar bem fisicamente. Se ele fizer isso, não vai ter problema nenhum. Ele tem muito potencial para deslanchar, mas aí depende dele – afirmou Pintinho.

PEDRA NO SAPATO DO GALINHO

Foi nos tempos de garoto, em que ainda vivia no Borel e jogava partidas nas quadras contra times de outros bairros em que Carlos Alberto Pintinho conheceu aquele que virou um dos seus grandes adversários nos gramados: o Pascoal, maior ídolo da história do Flamengo. Sim. Segundo o ex-jogador do Fluminense e do Sevilla, Zico também era conhecido assim no meio do futebol.

E a rivalidade entre Pintinho e o Galinho foi tamanha, que o próprio rubro-negro afirmou ao GloboEsporte.com que o considera um dos melhores que enfrentou. Um dos melhores?

– Ele (Zico) já está mudando. Ele falava que eu tinha sido o melhor. Agora está falando isso? (risos). Eu joguei contra o Zico no futebol de salão ainda criança. Na época, ele jogava no time dele do Quintino, e eu no time da Souza Cruz. Eu fiz muita amizade com ele através do Gera (Geraldo, um amigo em comum). E nós fomos subindo, subindo, subindo no futebol e sempre jogávamos contra, e eu tinha que marcar o cara. Eu não dava nenhuma porrada nele por nossa amizade (risos) – declarou Pintinho, que também revelou como era enfrentar o Galinho.

– O Pascoal (Zico) sempre falava que eu nunca dei porrada nele jogando e que achava isso legal, inclusive por nossa amizade. O que eu não conseguia era dormir no dia anterior. Se deixasse ele pegar era um abraço. O cara era completo. Então, eu ficava na frente dele e falava se eu pegar você é que vai me marcar. Até hoje eu falo para o filho dele, que falava para o pai dele que correr atrás do Pinto é legal, né? (risos).

O COMEÇO

Pintinho guarda com carinho os recortes de jornais e revistas (Foto: Reprodução Facebook/Arquivo pessoal)– Eu jogava futebol de salão no America desde os 11 anos. E tinha um grupo de jogadores comigo. Aí eles perguntaram se eu não queria fazer um teste lá (no Fluminense). Aí eu disse que não sabia, que já era complicado despencar do Borel até Campos Sales, imagina então para as Laranjeiras? Mas aí me convenceram. Aí eu fui treinar em um sábado à tarde e, no primeiro treino, eles me chamaram. Aí eu passei a jogar também na escolinha do Fluminense. Mas eu não queria deixar o salão. Mas eu tive que decidir, aí optei pelo futebol de campo e não parei mais. Aí foi onde começou tudo – conta Pintinho, que passou a integrar o time principal do Fluminense em 1973 e foi campeão carioca no mesmo ano pelo clube, assim como em 1975, 1976 e 1984.

GRADUAÇÃO COM PAULO CEZAR CAJU

– Eu meto o pau mesmo. Sempre fui rebelde e não vai ser agora que vou mudar. Eu sou da escola do Paulo Cezar Caju, meu amigo. Seguindo os conselhos dele, não tem jeito – afirma Pintinho, que também narra a relação conturbada com o “mestre”.

– Nós brigamos sempre (risos). Mas fazemos as pazes. Ele é meu professor, mas eu não dou mole para ele, não.

O “MIM ACHER” QUE CUSTOU A COPA

– Fiquei de fora (da Copa do Mundo) de 74, 78 e 82 (por ser indisciplinado). Em 78 foi por mulher. Eu poderia ter jogado esse ano, eu estava muito bem. Mas o Coutinho me deixou fora. Eu tinha jogado as Eliminatórias, mas o Coutinho me deixou fora, com razão, por indisciplina minha. Foi coisa de moleque e de mulher. No ano seguinte, ele até me convocou para a Copa América – declarou Pintinho, que também deu detalhes sobre o episódio que acredita ter sido o responsável por fazer o então técnico Cláudio Coutinho não ter lhe convocado para o Mundial de 78.

– Vou comentar porque é engraçado. Nós fomos jogar em Porto Alegre com a Seleção do Campeonato, que era comandada também pelo Coutinho, contra o Internacional, que tinha sido campeão (brasileiro). Aí eu joguei o primeiro tempo e voltei para o Rio. Coisa de mulher. Coisa de moleque e de mulher. Aí eu joguei o primeiro tempo e já tinha minha passagem. Os caras falaram: Não vai. Isso foi em um domingo, aí eu voltei para o Rio. Na segunda foi a convocação e o Coutinho me deixou de fora. Eu já tinha decidido que ia jogar o primeiro tempo, e fui. Cheguei lá no aeroporto. Quem estava me esperando lá era o meu amigo Paulo Sérgio, goleiro do Botafogo. Meu cúmplice. Não me arrependo, não (risos).

TIME DOS SONHOS E RIVA GAGÁ

Caju, Pintinho e Rivelino: as engrenagens da Máquina Tricolor (Foto: Arquivo pessoal )

– A Máquina Tricolor foi o melhor time que eu joguei. Eu tinha a satisfação de jogar no meio-campo com o Paulo Cezar e o Rivellino. Nosso time era uma Máquina mesmo. O Rivellino tem uma coisa de dizer que a Máquina é de 75. Mas eu digo que ele está brincando, né? A Máquina de 76 era muito superior a de 75. Acho que ele fala isso porque já está um pouco velho (risos).

A MÁQUINA QUEBROU EM 75

– Nós perdemos para o Internacional naquela semifinal no Maracanã (em 75) e aquilo ali foi triste. O Internacional tinha um bom time, um meio-campo com Carpegiani e Falcão. Não sei se foram melhores que nós, foi um jogo muito disputado. Mas eles concluíram bem as oportunidades e nos ganharam no Maracanã – disse Pintinho, ao recordar a derrota da Máquina Tricolor para o Internacional por 2 a 0 na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1975.

A MÁQUINA QUEBROU EM 76

– No jogo de 76 do brasileiro contra o Corinthians caiu uma chuva danada. E o nosso time era de toque de bola, era muito clássico. Era um time altamente técnico. E eles tinham um time mais de força. Nós estávamos jogando muito bem. Mas aí mudou tudo. Nós teríamos ganhado (caso a chuva não tivesse caído). Até de goleada eu digo. Mas com a chuva não conseguimos fazer nada. O segundo tempo foi todo deles. Quando foi para os pênaltis, pênalti é loteria. Nós ficamos devendo esse título ao grande tricolor – afirmou Pintinho, ao recordar a derrota da Máquina Tricolor para o Corinthians na fatídica semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976. Ele foi autor do gol do Fluminense no tempo normal da partida, que terminou 1 a 1 e foi decidida nos pênaltis.

PERSEGUIDO OU PROBLEMÁTICO?

Carlos Alberto Pintinho e Paulo Cezar Caju (Foto: Arquivo pessoal)

– Todos os técnicos que eu tive eu briguei. Mas aquela briga do cara me dar responsabilidade, de levar o time para frente. Quando ganhava, era o time. Quando perdia eu tinha a responsabilidade. Então quando perde eu sou o culpado. Quando ganha eu sou o quê? O dono do time, né? Era isso (risos) – disse Pintinho, ao lembrar do relacionamento com os técnicos.

DO VASCO PARA A ESPANHA

– Eu briguei com o Zagallo no Flu, e não é que ele veio atrás de mim no Vasco? (Risos). Aí briguei com ele no Vasco. Mas graças a última briga que tive com Zagallo, ele me apertou e eu vim para o Sevilla. Eu tive uma briga feia com ele, tanto que não joguei a final de 80 contra o Fluminense, porque ele me culpou. Falou que eu estava nervoso e tudo mais nos últimos jogos – disse Pintinho, lembrando como chegou ao Sevilla após passagem pelo Vasco em 1980.

O REI DE SEVILHA

– Eu era um pouco dono da cidade (Sevilha). Aí todo mundo no Brasil queria vir aqui ficar comigo. Eu dava uma força para todo mundo. Levava os caras para sair e tudo mais – afirmou Pintinho, que também se coloca entre os principais jogadores da história do Sevilla.

– Eu sempre jogava bem os dérbis, tanto fora quanto dentro. E aqui em Sevilha eles me tem têm com um dos três maiores de todos os tempos. É um carinho muito grande quando saio na rua.

DUDA, O PRESIDENTE RUIM DE BOLA

– Eu morava no Borel, que fica na Rua São Miguel. E passando no Borel, tinha uma mansão. Eu tinha uns 7 anos. Sabe de quem era casa? A casa era do Duda. Eduardo Bandeira de Mello. Presidente do Flamengo. Sempre sacaneamos ele: Duda, você era ruim pra caramba e agora é presidente do Flamengo? Ele tinha um mansão e morava lá perto do Borel – declara Pintinho, sobre a amizade com o presidente rubro-negro.

A DOR DE BARRIGA CONTRA O FLA

– Eu pedi autorização para o juiz (em um jogo contra o Flamengo) para ir ao banheiro, porque me deu uma dor de barriga (risos). E a única pessoa que ouviu foi o Dario (Dadá Maravilha), que estava do meu lado. Aí ele falou “Pô, está com caganeira?”. Eu fui (ao banheiro) e voltei, mas aí ele estava me esperando. O Dadá era muito engraçado. Isso aconteceu comigo no Maracanã ainda em 74. Quase ninguém se deu conta, foi muito engraçado – disse Pintinho, recordando um suposto Fla-Flu em que teve que deixar o gramado para retornar “mais aliviado” para o jogo.

Carlos Alberto Pintinho com o amigo Eduardo Bandeira de Mello (Foto: Arquivo pessoal )

SEM ARREPENDIMENTOS

– A vida é uma coisa que temos que seguir. O futuro ninguém sabe. Sou uma pessoa totalmente realizada. Totalmente agradecido. Tudo aconteceu como tinha que acontecer – conclui Pintinho, que mantém atualmente um bar na Espanha e tem o plano de trabalhar como treinador em 2017.

Fonte: GE

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