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Jorge Murtinho: “A teoria dos jogos. Dos pequenos jogos”

A época é fértil para o cultivo de platitudes diversas e discussões vazias. Jogadores de férias – embora alguns dos nossos pouco tenham trabalhado durante o ano –, dirigentes blefando, imprensa boatando e a multidão ensandecida renovando suas crenças em Papai Noel.

Justiça seja feita: a diretoria do Flamengo tem preferido a discrição à bazófia, só aceitando falar de nomes quando os papéis recebem os indispensáveis jamegões. Antes disso, sapatinho.

Claro que ainda há derrapadas, mas nada que não se possa relevar. Fiquei um tanto decepcionado quando, no início da semana, o Flamengo se mostrou surpreso com o fato de Vitinho custar caro (pelo que li, dez milhões de euros). Independentemente do absurdo a que chegaram os valores que giram hoje junto com a bola e da bem equipada lavanderia em que se transformou o futebol russo, o Atlético Paranaense acabou de vender Hernani para o Zenit por oito milhões de euros, e ainda manteve 20% sobre os direitos do jogador.

A estupefação do Flamengo só não foi maior do que o espanto de Merval Pereira ao descobrir – aos 67 anos de idade, jornalista experiente e destacado integrante da Academia Brasileira de Letras – que financiamento de campanha política virou um negócio. Ah, Merval. Ah, Flamengo. Espero que o desabafo rubro-negro a respeito do valor de Vitinho faça parte de uma esperta estratégia de negociação. Se não for isso, quanta ingenuidade.

Passemos à primeira discussão vazia.

Creio que não há mais espaço para se debater pontos corridos e mata-mata no campeonato brasileiro. Aqueles que preferem o mata-mata – entre os quais me incluo – logo são acusados de retrógrados, defensores do improviso e da bagunça, inimigos do planejamento, acólitos da Globo. Mas vamos tentar.

O que eu penso: o momento sublime do futebol acontece nos grandes clássicos. Nenhum rubro-negro vai dizer que o jogo da sua vida foi Flamengo e Olaria disputado na Rua Bariri. Vai ser sempre um Fla-Flu, um Flamengo e Corinthians, um Flamengo e Grêmio. Ocorre que, como veremos abaixo, nos campeonatos por pontos corridos os grandes costumam se devorar uns aos outros e a encrenca se define nas partidas contra os pequenos. Quando a gente vai ver, o Palmeiras não foi campeão brasileiro por ter derrotado quem brigava com ele pela taça, e sim por não ter perdido pontos para os últimos colocados.

Campeonato que se preza tem que ter final, com os dois times podendo ficar com o caneco. Todo flamenguista com mais de quarenta anos lembra que, na decisão do Brasileiro de 1980, nossos gols foram feitos por Nunes, Zico e Nunes. Entretanto, tire o acesso ao google e pergunte aos flamenguistas quem fez o primeiro gol do time na decisão de 2009, há sete anos. Muitos já esqueceram. A final de 1980 foi uma decisão de verdade, com um timaço do outro lado (Reinaldo, Cerezo, Éder, Luisinho) jogando pelo empate para ser campeão. Já em 2009, nosso desinteressado adversário escalou oito reservas e entrou em campo doido para perder. Pode não ser apenas coincidência o fato de as duas mais importantes e cultuadas competições do futebol – Copa do Mundo e Champions League – se decidirem no mata-mata.

Entretanto, convém deixar de lado as digressões: com o sistema de pontos corridos estabelecido e dogmatizado, resta aprender de uma vez por todas como disputá-lo.

E aí entra em cena a discussão vazia número 2.

O Campeonato Brasileiro de 2016 teve quatro reais candidatos ao título. A parada foi resolvida no ótimo jogo em que Atlético Mineiro e Flamengo empataram em dois a dois e, abraçados, puseram a faixa no peito do Palmeiras. Ali o Atlético jogou a toalha, para se dedicar à Copa do Brasil, e o Flamengo perdeu a última chance de permanecer fungando no cangote palmeirense. (Por paradoxal que pareça, apesar de ter terminado na segunda colocação o Santos jamais chegou a ameaçar de verdade. Coisas dos pontos corridos.)

Pois bem. Se organizarmos um campeonato particular, considerando somente as partidas que os quatro primeiros disputaram entre si, teremos 18 pontos em jogo e um resultado surpreendente. Em primeiro lugar, Flamengo com 9 pontos ganhos, além de ter o ataque mais positivo e o melhor saldo. Em segundo, Santos com 8. Em terceiro, Atlético Mineiro também com 8. E em quarto o Palmeiras com 6. Sim, o campeão na lanterna.

Agora, se fizermos o cruzamento dos quatro primeiros contra a turma da rabeira – os três que chegaram à última rodada com possibilidade de cair (Internacional, Sport e Vitória) mais os três antecipadamente rebaixados (América Mineiro, Santa Cruz e Figueirense), teremos 36 pontos disputados e a seguinte classificação: em primeiro lugar, o Palmeiras sem um vacilo sequer e 36 pontos ganhos. Em segundo, o Flamengo com 27. Em terceiro, Atlético Mineiro com 25. E na lanterna o Santos com 19.

Resumo da bagaça: levando em conta apenas os jogos do pessoal da cobertura contra a rapaziada do subsolo, a diferença entre Palmeiras e Flamengo é de 9 pontos. Como sabemos, o Palmeiras terminou o campeonato com 80 pontos, o Flamengo com 71.

Xisto Beldroegas, um dos mais lúcidos e divertidos comentaristas aqui do RP&A, gosta de usar o lema “esmagar os pequenos”. Ele está cheio de razão. É possível que esmagar os pequenos não seja o único caminho para se ganhar um campeonato longo e equilibrado, mas certamente é um dos mais viáveis. Tenho a sensação de que todo mundo sabe disso, mas entra ano, sai ano e continuamos perdendo preciosos pontos para os figueirenses da vida.

Não aceito reclamações e ninguém precisa me esculachar: já na frase de abertura preveni que o post envolveria discussões vazias e platitudes diversas. Mas acredito que, se nada disso serve de consolo, poderia ao menos servir de lição.

Jorge Murtinho

Fonte: República Paz & Amor

Coluna do Flamengo

Ver comentários

  • Um dos argumentos mais usados para defender o mata-mata, na verdade, está mais presente nos pontos corridos: a imprevisibilidade. Por isso eu gosto. Um time pode golear numa rodada, e na seguinte ser goleado. Faz parte do charme. Dois campeonatos que retratam muito bem isso são a PL e o BR.

  • No nosso calendário tem uma abrangência que eu considero razoável para mata-mata, que é copa do Brasil, Libertadores e Sul-Americana, gosto de planejamento a longo prazo, não me sinto confortável com o fato de que o melhor time do campeonato saia da disputa por uma falha individual de um jogador, um erro de arbitragem ou bate-rebate na área, precisamos das duas modalidades mais no meu ponto de vista a melhor e maior competição de uma temporada precisa ser de pontos corrido.

    Me chama atenção o fato do autor da matéria ser a favor do mata-mata e citar a teoria dos jogos com a foto de John Nash (autor da teoria dos jogos e ou equilíbrio de Nash), porque nesse caso, salve engano, o equilíbrio de nash aponta para os pontos corridos e não para mata-mata.......e que São Judas Tadeu continue nos ajudando.

  • Eu acho bacana termos os dois estilos diferentes, mata mata e pontos corridos, sendo usados em campeonatos nacionais, na Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro; falta é dar o mesmo charme do Campeonato Brasileiro também à Copa do Brasil com um bom calendário de jogos.

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