Dia 2 de dezembro de 2006. Já sem pretensão alguma e garantido na Libertadores do ano seguinte – por conta do título da Copa do Brasil -, o Flamengo perdia parcialmente para o rebaixado São Caetano por 1 a 0 na última rodada do Brasileirão. No intervalo, o técnico Ney Franco foi em busca de alternativas e sacou o meia Vinicius Pacheco para a entrada de um jovem que havia atuado apenas um minuto profissionalmente: Hélder. E o zagueiro formado na Gávea não só entrou em campo, como marcou dois gols e comandou a virada rubro-negra por 4 a 1 no Estádio Raulino de Oliveira – Renato Abreu e Ronaldo Angelim completaram o placar. Uma data memorável para o defensor, que, a partir dali, viu a vida literalmente mudar.
– Foi o ápice, né. Não estava esperando que tudo aquilo pudesse acontecer. Tinha idade de juniores ainda. Ai você não sabe se vai ser aproveitado ainda. Quando o Ney Franco me chamou, deu aquele frio na barriga pela oportunidade, sabendo que a minha família toda estava assistindo, aquela coisa. Foi uma sensação maravilhosa – disse o zagueiro.
Após aqueles dois gols, Hélder, que só participou de dois jogos oficiais em 2006, caiu nas graças da diretoria do clube, muito por conta da sua história na base. Tanto é que foi mantido no elenco do Fla para a disputa do Carioca, da Copa do Brasil, da Libertadores e do Brasileiro de 2007. Só que, apesar das expectativas criadas por todos àquela altura, viu a concorrência na zaga aumentar deliberadamente – ou exageradamente, como lembra – e foi deixado de lado no elenco.
Passou toda a temporada esquecido e viu, ali, o início do processo para um fim de carreira precoce. Rodou por times pequenos, como Boavista-RJ, Atlético Tubarão e Tombense, tentou a Itália, mas, em 2010, cansou-se. Desiludido com a bola, decidiu pendurar as chuteiras no Tombense aos 24 anos para voltar aos estudos. E, hoje, aos 30, leva a vida como bombeiro há três anos em Ibatiba, município natal no interior do Espírito Santo – entre 2010 e 2013, chegou a cursar a faculdade de farmácia.
– É, foi difícil pra caramba (largar o futebol). Quando eu parei, não estava preparado para aquilo. Mas não queria esperar, porque você já não me sentia nas mesmas condições físicas. E, de certa forma, você tem que ter coragem na vida, mesmo sabendo que ela vai mudar completamente. Tive que achar um outro rumo, focar nos estudos. Consegui passar num concurso do estado para bombeiro. Tive que seguir outro caminho – contou o zagueiro.
Hélder deixou o interior do Espírito Santo com apenas 13 anos de idade para ir ao Flamengo. Fez parte da mesma geração de Renato Augusto, Kayke e Marcelo Lomba, que, liderada por Adílio, tornou-se uma das mais vitoriosas na história da base do clube – foi bicampeão estadual júnior e faturou títulos como o OPG, por exemplo.
Subiu aos profissionais de fato em 2006. A estreia aconteceu contra o Paraná, quando substituiu Ronaldo Angelim no último minuto na vitória por 2 a 0 fora de casa. A primeira oportunidade, no entanto, aconteceu naquele jogo contra o São Caetano, na última rodada do Brasileirão.
Marcou dois gols no segundo tempo – um de bico e outro aproveitado um chute cruzado de Bruno Mezenga. Mas, apesar de guardar aquele momento inesquecível, garante: se não tivesse tido aquela atuação, sua carreira possivelmente poderia ter tomado outro rumo. O ex-jogador acredita que seria emprestado pelo Rubro-Negro para ganhar bagagem no ano seguinte, assim como aconteceu com Egídio e Vinicius Pacheco, cedidos ao Paraná.
– Eu fiquei o ano de 2007 todo parado. Aquilo ali foi o fim da minha carreira. Se eu não tivesse feito aqueles gols contra o São Caetano, seria diferente. Eu iria para algum algum outro lugar ganhar experiência, assim como aconteceu com o Egídio, com o Vinicius Pacheco. Fiz aqueles gols e não quiseram me emprestar por toda a expectativa que criaram. Aí os caras me queriam no elenco. Mas tinham vários interesses, muitos empresários, ano de Libertadores… Aí eu acabei ficando com pouco espaço no elenco. Se eu não tivesse feito os gols, poderia ter sido diferente – disse o zagueiro, que, hoje, não se arrepende de maneira alguma da escolha que fez e faz até sucesso… mas nos campeonatos da corporação onde trabalha desde 2013.
– Todo mundo sabe (que jogou no Flamengo). É sempre bem comentado isso. Todo mundo sempre pergunta, conto muita história. É muita história. Foram 10 anos, né? (risos). Agora jogo alguns jogos no campeonato da corporação. Uma corporação contra outra. Sempre tem um campeonato, que mexe muito com esse lado atlético. Na corporação tem um campo, uma academia. Fiquei muito feliz, estou muito feliz em fazer o que estou fazendo, ajudando muitas pessoas, salvando vidas.
Confira a entrevista completa com o ex-zagueiro Hélder:
Chegada ao Flamengo aos 13 anos
– Eu cheguei no Flamengo aos 13, ainda mirim. Teve um peneirão aqui no interior do Espírito Santo. Aí fui bem na base do peneirão mesmo. Quando fui para o Rio, cheguei no mirim e de lá fiquei. Mesma época que tinha o Renato Augusto, Kayke, Marcelo Lomba, Paulo Victor… Cheguei com 13 anos de idade e saí em 2008.
Geração vitoriosa
– Fiz parte da geração que foi muito vitoriosa. A maioria da nossa época passou pela seleção de base. Eu, o Marcelo Lomba, o Egídio, o Marlon. Foi uma época muito bacana. O Adílio era o nosso treinador. Ele, num determinado momento, chegou a comparar a nossa geração com a dele, de ter muitos nomes para subir. Ele fazia algumas comparações e chegou a me comparar até mesmo com o Figueredo. Havia uma expectativa muito grande naquele grupo, de quem ia subir para o time principal.
O ápice contra o São Caetano
– Foi o ápice, né. Não estava esperando que tudo aquilo pudesse acontecer. Tinha idade de juniores ainda. Ai você não sabe se vai ser aproveitado ainda. Quando o Ney Franco me chamou, deu aquele frio na barriga pela oportunidade, sabendo que a minha família toda estava assistindo, aquela coisa. Uma sensação maravilhosa. Como foi o último jogo, vim de férias e foi tudo muito especial. Ficou aquela expectativa para o ano seguinte. Assim, depois de oito anos, você vai para aquele momento que sempre esperou, né? Até para confirmar tudo aquilo que tinha passado na base. Subi e logo de cara mostrei o cartão de visitas. Com certeza foi o momento que mais marcou a minha curta carreira profissionalmente.
O esquecimento em 2007
– Em 2007, teve o maior problema. O Flamengo tinha vários anos que não ia para a Libertadores. O Flamengo sempre vinha dando oportunidades para zagueiros da base nos anos anteriores, como o Henrique, o André Bahia. Todos eles tiveram oportunidades, jogaram e foram vendidos. Em 2006, o Flamengo ganhou a Copa do Brasil e estava na Libertadores. Aí o Kleber Leite (dirigente do Flamengo à época) saiu contratando a rodo, gastando dinheiro abeça. Aí desandou, porque tinham vários zagueiros. Trouxeram Irineu, Moisés, o Fábio Luciano. Acredito que, se não tivessem tantas contratações, seria mais fácil ter oportunidades. Acabou que, por isso, foi o ano mais difícil. Saí da base jogando, cheio de vontade e acabei ficando parado. Era complicado.
As poucas chances em 2007 e a última vez pelo Fla
– Eu entrei no intervalo contra o Nova Iguaçu (pelo Carioca de 2007). A gente estava perdendo de 1 a 0, mas viramos para 2 a 1. Fui titular contra o Volta Redonda, porque o time principal ia jogar pela Libertadores. Fomos com a equipe alternativa e perdemos de 2 a 1. O time estava todo desentrosado, porque nunca jogava junto. Depois disso, nunca mais joguei. A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, né? (risos).
“Poderia ter sido diferente”
– Eu fiquei o ano de 2007 todo parado. Aquilo ali foi o fim da minha carreira. Se eu não tivesse feito aqueles gols contra o São Caetano, seria diferente. Eu iria para algum algum outro lugar ganhar experiência, assim como aconteceu com o Egídio, com o Vinicius Pacheco. Fiz aqueles gols e não quiseram me emprestar por toda a expectativa que criaram. Aí os caras me queriam no elenco. Mas tinham vários interesses, muitos empresários, ano de Libertadores… Aí eu acabei ficando com pouco espaço no elenco. Se eu não tivesse feito os gols, poderia ter sido diferente.
O fim da carreira precoce e a desilusão
– O processo (para o fim da carreira) começou em 2007. Passei aquele ano todo sem jogar praticamente. Isso é muito duro na vida de um atleta, que está acostumado a jogar quarta e sábado. Fiquei um ano parado e eu fiquei olhando o fim da carreira. No Boavista (em 2008), fui para jogar, mas demorei para entrar em forma, porque eu estava sem ritmo de jogo, aquela coisa, e o Carioca passa muito rápido. Comecei, e o time já estava montado, aí tive um desequilíbrio muscular também. Tive propostas da Grécia, de fora, coisas boas. Só que eu precisava do passaporte estrangeiro. Uma burocracia grande, e eu tinha pouco tempo. Achava que seria mais simples. Fiquei um tempo no Siena (Itália), uma coisa boa, mas, com essa burocracia de passaporte, acabei retornando. Em 2009, fui para o Atlético Tubarão, mas lá não recebi. Isso foi o ponto onde falei que era a hora de parar e encontrar um outro caminho.
Mágoa do Flamengo?
– Ah, de forma alguma. Tenho a sensação de que o Flamengo é minha casa. Passei metade da minha vida lá, né. Eram épocas diferentes. Às vezes você quer acertar, mas acaba errando. Fui prejudicado? Fui, mas tinham outros vários jogadores lá também. Naquele ano quiseram contratar e ficou mais difícil um espaço.
O período pós-carreira
– É, foi difícil pra caramba. Quando eu parei, não estava preparado para aquilo. Mas não queria esperar, porque você já não me sentia nas mesmas condições físicas. E, de certa forma, você tem que ter coragem na vida, mesmo sabendo que ela vai mudar completamente. Tive que achar um outro rumo, focar nos estudos. Consegui passar num concurso do estado. Tive que seguir outro caminho. Ainda joguei na Tombense em 2010, mas já tinha decidido a parar mesmo.
A última tentativa em 2010 e a faculdade de farmácia
– Estava fazendo faculdade de farmácia, quando o presidente do Tombense me fez uma proposta. Estava jogando o Willian Matheus, que hoje é do Fluminense, e encarei. Joguei e foi bacana pra caramba. Time pequeno é outra realidade. Ai depois chegou um convite do Rio Branco para jogar a Copa do Brasil, mas preferi continuar nos estudos. Até porque não dá para fazer a vida jogando por times pequenos.
Feliz da vida
– Ah, tem sido muito especial. Digo que a minha vida aconteceu ao contrário. Sai de casa cedo, estive longe da minha família, dos meus pais, dos meu irmãos por muito tempo e agora, nessa nova etapa, me aproximei de casa. Hoje tenho a minha vida estabilizada, posso conviver mais com a minha família, está sendo muito bom mesmo. Estou muito feliz.
O apoio da família
– O pessoal lá de casa sempre me apoiou. Mas é logo que algumas pessoas, principalmente meu irmão, que estava sempre no Rio comigo vendo os jogos, pediam para que eu tentasse mais um pouco. Ele é militar e me ajudou nos estudos também. Pediu para eu insistir mais um pouquinho, mas me mostrou essa oportunidade de estar ingressando em uma outra coisa. Mas sempre falam, porque hoje tenho passaporte europeu. Se isso tivesse acontecido anos atrás, eu tentaria ter ido para fora.
Jogando bola, salvando vidas e… fazendo sucesso
– Todo mundo sabe (que jogou no Flamengo). É sempre bem comentado isso. Todo mundo sempre pergunta, conto muita história. É muita história. Foram 10 anos, né? (risos). Agora jogo alguns jogos no campeonato da corporação. Uma corporação contra outra. Sempre tem esse campeonato, que mexe muito com esse lado atlético. Na corporação tem um campo, uma academia. Fiquei muito feliz, estou muito feliz em fazer o que estou fazendo, ajudando muitas pessoas, salvando vidas.
Fonte: GE
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Isso prova que os empresários estavam acima dos interesses do Flamengo, empurrando atletas onde os juniores poderiam ser aproveitados.
O que me incomoda é que não parece que isso tenha mudado.
Fico feliz por ele ter recomeçado a vida e não ter dormido sonhando com ilusão e acordado na sargeta. A vida é assim,as vezes o que fazemos não dá certo,pode insistir e dar certo ou não. Ou tentar outra coisa.Mas se fosse bom mesmo,estaria jogando num grande clube europeu, nem todos nasceram pra serem jogadores,e uma parcela de talvez de 100 mil pra 1 ,ser um grande jogador.