O ano de 2016 foi marcante para Paolo Guerrero. Igualou no Flamengo a sua melhor temporada, a de 2013, quando defendia o Corinthians. Foram 18 gols pelo clube rubro-negro e três pela seleção peruana – mesmos números anotados há três anos. Mas o “grand finale” aconteceu nos últimos dias: o atacante lançou em Lima, no Peru, o filme que conta a história de sua vida. E tudo no melhor estilo dos “blockbusters” de Hollywood, com direito até a tapete vermelho.
– Sou jogador de futebol, não sou ator. Já fiz muitos comerciais aqui (no Peru), agora a participação no filme, mas eu sou jogador de futebol. Eu tinha o sonho de fazer um filme sobre a história da minha infância – contou o jogador, que conversou com o Globo Esporte ao lado do ator mirim Rony Shapiama, de 10 anos, que interpreta o Guerrero criança no longa metragem.
No bate-papo, ídolo e fã mostraram entrosamento. Rony, que foi escolhido entre mais de 5 mil crianças num concurso exibido na TV peruana, quer seguir os passos do jogador do Flamengo. Já atua nas categorias de base do Alianza Lima. Mas até aqui, a trajetória parece seguir outros rumos. Após o filme, o ator foi convidado para gravar uma novela no país.
– Minha mãe viu a picardia que ele tem, estar sempre ligado com tudo, olhando tudo. No primeiro momento, minha mãe o viu e escolheu. Eu achava que ele já tinha experiência faz tempo e me surpreendeu muito quando ele me falou que era a primeira vez que ele atuava.
Guerrero aproveitou o encontro para projetar o futuro do Flamengo. Otimista, o camisa 9 afirmou que o clube vai entrar na Libertadores para vencer. Elogiou o elenco e mostrou confiança no que a equipe pode render em 2017.
– Com um pouco mais de sorte, poderíamos ter conseguido o campeonato este ano. Infelizmente não conseguimos. O objetivo era classificar para a Libertadores e conseguimos. O time vai brigar pela Libertadores. Temos um elenco grande, qualificado e bom. É só colocar na cabeça esse objetivo. Nós podemos conseguir. É o objetivo do clube, e podemos brigar por essa taça.
O jogador ainda fez uma outra revelação. Não consegue ser egoísta se perceber que tem outro companheiro melhor colocado para marcar um gol.
– Custa um pouco ser mais egoísta. Muitos dizem para eu chutar, mas eu tenho receio que seja bloqueado, prefiro dar o passe. Quando estou de frente para o gol, claro que vou chutar. Mas quando estou sendo bloqueado, procuro dar o passe. Tento ser solidário, mas tenho que ser um pouco mais egoísta. São segundos que você tem para decidir e acabo sendo mais solidário.
E a atitude de Guerrero em campo tem explicação.
– Jogo desde os 19 anos e aprendi muita coisa. Ser solidário, trabalhar em grupo, manter a união com os companheiros. Meu pai me dizia muito: “Você não pode ser egoísta, você não pode ser egoísta”. Ele repetia. Jogava de camisa 10, gostava de dar passe, gostava de criar as jogadas. Aí comecei a jogar fixo, de camisa 9, na Alemanha. Mas aquele fixo moderno. Não consigo ficar esperando a bola – revelou o atacante.
Na conversa, Guerrero relembrou da infância e lamentou a tragédia envolvendo o avião da Chapecoense, que deixou 71 mortos em Medellín, na Colômbia. Um desastre parecido também acometeu a família do jogador. Em 1987, o avião que conduzia a delegação do Alianza Lima caiu próximo ao aeroporto de Lima. O tio do atacante José “Caico” Gonzáles, que foi goleiro do clube, morreu no acidente.
Como surgiu a ideia de fazer o filme?
Nunca tive o plano de fazer um filme. Minha ideia sempre foi jogar futebol. Quem me propôs foi o meu empresário de imagem. Na hora, eu disse: “De jeito nenhum, esquece”. O que eu vou fazer no cinema? Sou jogador de futebol. Quando ele disse que poderíamos deixar uma mensagem para a molecada no Peru… Achei interessante porque muitos desses meninos aqui se perguntam como era minha infância e acham difícil conseguir o que eu consegui. Então, como mensagem, eu quero dizer no filme que não é difícil se você se propõe, se você tem sonhos e quer conseguir as coisas. Você tem que sacrificar e todo mundo consegue quando põe na cabeça que pode conseguir seus objetivos.
Vê semelhanças entre o Brasil e o Peru?
Aqui (em Lima) também tem muita pobreza. Isso não impede as coisas que você pode realizar na vida. Se você tem força, mentalidade forte para objetivar as coisas que quer conseguir, acho que nada impede. Você pode morar onde você quiser, você não pode ter um prato de comida na sua casa, mas se você propõe muitas coisas na sua cabeça você consegue.
E como era a sua infância?
Quem cuidava de mim era minha avó, com meu tio, porque minha mãe trabalhava de oito da manhã às nove da noite. Ela trabalhava na informática de uma empresa grande que existe aqui (em Lima). Então, ela trabalhava muito cedo e chegava à noite. Eu tinha a tarde toda livre porque eu ia para a escola de manhã. Voltava pra casa para almoçar. Minha avó queria que eu descansasse, mas eu fingia que ia descansar. Saía pra rua jogar bola. Era o que eu queria. Eu tentava sempre estar jogando bola, saindo com meus amigos, quebrava os vidros dos vizinhos, e eles vinham falar coisas pra minha mãe.
E você fazia como para sair de casa?
Sempre que voltava da escola, eu almoçava e ia deitar. Minha avó queria que eu descansasse, dormir tipo de duas às quatro. Daí começava a fazer minha tarefas da escola. Aí, eu falava: “Vou dormir”. Deitava e via que o meu tio e minha avó estavam dormindo, botava almofada e mochila de corpo e cabeça na cama e cobria tudo. Ela achava que eu estava, né? Só que eu já estava jogando bola fora. Minha avó ficava preocupada porque eu não levantava. Quando ia ver era a mochila com a almofada. Meu tio ficava bravo, queria me bater.
A família toda jogava futebol?
Minha família toda jogou futebol. Tenho tios que jogaram no Boca Juniors, no River Plate, meu tio que era goleiro do Alianza Lima e da seleção peruana. Eu levava isso no sangue. Sempre gostei de jogar futebol.
Como era a relação com o seu tio (José “Caico” Gonzáles)?
Eu era mascotinha do meu tio, ele me levava pro campo com dois anos. Por isso eu te falo, levo isso no sangue. Por isso que eu tenho muitas lembranças com o meu tio. É um capítulo importante na minha vida. Minha mãe era muito colada no meu tio.
Como foi superar a morte dele no acidente aéreo com o time do Alianza Lima?
Minha avó, depois da morte do meu tio, não conseguiu aguentar isso. Passaram uns três ou quatro anos após o acidente e ela faleceu. Quem cuidou de mim foi o meu tio.
E sua mãe?
Minha mãe sofre. Eu via ela chorando até bem pouco tempo. Mexe comigo ainda porque eu vejo a minha mãe, eu vejo que quando estão falando do meu tio ela fica com um pouco de lágrima nos olhos. Isso me abala também porque é minha mãe, e eu sinto por ela. Mais ainda com isso que aconteceu com a Chapecoense. Claro que me abala muito porque eu sinto o que essas pessoas estão sentindo.
Você tem medo de avião?
Tenho medo de avião, mas eu me acostumei. Na primeira vez que tive que viajar de avião eu não queria ir. Ligaram para os meus pais porque eu queria sair do voo, não queria seguir com o time. Meus pais conversaram comigo: “Paolo, então vá vendo outra profissão para você, porque jogador de futebol tem que acostumar, não tem jeito, tem que viajar de avião”. Eu queria ser jogador e tive que me acostumar com isso.
O bairro que morava era violento?
Violento nunca foi. Tinha, às vezes, uma ou outra pessoa assim. Era um bairro humilde. Tiveram que fazer ruas. Quando jogávamos, nós jogávamos com pedras. Acostumei a jogar, como é que se fala? (faz gesto com as mãos). Bola de gude, né? Aqui são canicas ou bolas. Jogava na rua de terra. Todas as pessoas podem conseguir o que quiserem. Em todas as profissões, sendo médico, engenheiro. Precisa colocar isso na cabeça. Que podem conseguir, que precisam lutar para conseguir. Quando você coloca isso na cabeça, você consegue.
Fonte: GE
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