Mineirinho tinha uma tremenda fama de comilão. Feia, bonita, magra, gorda, branca, negra, baixinha, altona. Bobeou, ele traçava. Diz que, em certa noite de viagem longa, Mineirinho chegou exausto a uma pousada de beira de estrada, mas o rapaz da recepção avisou que não havia quarto vago. Quer dizer: em um dos dormitórios com duas camas de solteiro, uma delas estava vazia, mas o outro ocupante era um cara grandalhão e brabo toda vida, desses bem machos. Mineirinho respondeu que por ele tudo bem.
Para o Mineirinho não correr riscos quando chegasse lá em cima, o rapaz da recepção interfonou para o machão, que chiou, xingou, mas aceitou os argumentos do cansaço, da humanidade, do sujeito pacato e tal. Mineirinho subiu. Assim que abriu a porta do quarto, o espetáculo começou. Deixando claro quem mandava naquela espelunca, o machão socou o armário, virou a mesa de pernas pro ar, tacou abajur no chão. E Mineirinho parado na porta, tranquilo, cofiando os três fiapos de barba que trazia no queixo.
Quando acabou de tocar o zaralho, o machão ameaçou, voz grave: – E aí, tá olhando o quê? E o Mineirinho: – Nada não. Tô só esperano ocê terminá esse frege todo, pra eu podê enrabá ocê.
A inocente piada faz parte de um dos livros da série As Anedotas do Pasquim, que o rubro-negro Ziraldo editava e eram publicados na década de setenta pela Codecri – acrônimo de Comitê de Defesa do Criouléu, nome incorretíssimo para os dias atuais.
Ontem, enquanto lia o post do PVC no UOL sobre a entrevista coletiva de apresentação de Felipe Melo no Palmeiras, me lembrei da história do Mineirinho.
Questão de ordem. Gosto do Felipe Melo, e o que critico nele é o que todos criticam: o destempero. No futebol a trezentos por hora que se pratica hoje, com marcação o tempo inteiro e em cada centímetro do gramado, ficar com um a menos em partidas equilibradas é quase sempre mortal. E não me venham com esse papo de que Felipe Melo amadureceu. Certas características não mudam, como prova a entrevista coletiva.
Outro papo que não engulo é esse de que Libertadores se disputa com cascudos. Vanderlei Luxemburgo encheu o time do Grêmio de cascudos na Liberta de 2013 (Dida, Cris, André Santos, Zé Roberto, Elano, Barcos, Kleber Gladiador), passou raspando pela fase de grupos e foi eliminado nas oitavas pelo colombiano Santa Fé. Ano passado o São Paulo trouxe Maicon e o treinador Edgardo Bauza quase que exclusivamente para a Libertadores, e dançou por erros infantis dos dois. Maicon – que não é mau zagueiro, mas também gosta de fazer o gênero mais macho que os outros – foi expulso por um tapinha de pré-primário no atacante Borja, quando a primeira partida da semifinal contra o Atlético Nacional, no Morumbi, estava zero a zero. E Bauza – macaco velho, copeiro esperto, ganhador de duas Libertadores com times meia-boca –, em vez de recompor a zaga, segurar o empate e transferir a decisão para Medellín, mandou o time pra cima, tomou dois gols e viajou eliminado.
Felipe Melo é bom jogador e eu gostaria que ele tivesse vindo para o Flamengo. Mesmo porque, vamos combinar: para jogar no lugar do nosso volante titular, eu gostaria que viesse qualquer coisa que respire e olhe pra frente. Como veio o Rômulo, que fez ótima temporada naquele Vasco de 2011, tudo certo. Creio que o Flamengo teria boas chances de brigar pela Libertadores se tivesse trazido Felipe Melo, como tem boas chances de brigar pela Libertadores sem ele. O mesmo raciocínio vale para o Palmeiras.
Um pouco depois da morte de Carlos Alberto Torres, no ano passado, Arthur Dapieve escreveu uma bela crônica em O Globo sobre a importância de uma cacetada do capitão no atacante inglês Lee, ainda na fase de grupos da Copa de 70. A entrada fora uma resposta a um lance ocorrido poucos minutos antes, em que Lee atingiu o goleiro Félix com um chute.
Dapieve está cheio de razão, o que não torna meu post contraditório. Todo mundo sabe que, no futebol, apanhou tem que bater, para não apanhar o jogo inteiro. Quem não concorda é locutor coxinha, comentarista de linha de passe. Só que é fundamental usar de malícia e sagacidade. Um cara que sempre seguiu à risca a máxima do “bateu, levou” foi, apenas e simplesmente, o senhor Edson Arantes do Nascimento. Apanhava, batia. E como apanhava muito, batia feito gente grande. No entanto, da mesma forma que Carlos Alberto, Pelé não avisava.
Felipe Melo foi juvenil, falastrão, deixou a bola quicando para adversários que de bobos não têm nada e abriu os olhos dos juízes, bem capazes de ir cumprimentá-lo antes dos jogos já com o cartão amarelo na mão. Como se dizia na época do Pasquim: malandro que é malandro demais se atrapalha.
Jorge Murtinho
Fonte: República Paz & Amor
Belo post, parabéns!
O Felipe Melo então é o machão que vai ser enrabado?
Bom texto, qualquer técnico esperto vai mandar irritá-lo para ele ser expulso.
SRN #VamosFlamengo
Ótimo texto, falou tudo…