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Jorge Murtinho: “Pra que tanta brabeza, moço?”

Mineirinho tinha uma tremenda fama de comilão. Feia, bonita, magra, gorda, branca, negra, baixinha, altona. Bobeou, ele traçava. Diz que, em certa noite de viagem longa, Mineirinho chegou exausto a uma pousada de beira de estrada, mas o rapaz da recepção avisou que não havia quarto vago. Quer dizer: em um dos dormitórios com duas camas de solteiro, uma delas estava vazia, mas o outro ocupante era um cara grandalhão e brabo toda vida, desses bem machos. Mineirinho respondeu que por ele tudo bem.

Para o Mineirinho não correr riscos quando chegasse lá em cima, o rapaz da recepção interfonou para o machão, que chiou, xingou, mas aceitou os argumentos do cansaço, da humanidade, do sujeito pacato e tal. Mineirinho subiu. Assim que abriu a porta do quarto, o espetáculo começou. Deixando claro quem mandava naquela espelunca, o machão socou o armário, virou a mesa de pernas pro ar, tacou abajur no chão. E Mineirinho parado na porta, tranquilo, cofiando os três fiapos de barba que trazia no queixo.

Quando acabou de tocar o zaralho, o machão ameaçou, voz grave: – E aí, tá olhando o quê? E o Mineirinho: – Nada não. Tô só esperano ocê terminá esse frege todo, pra eu podê enrabá ocê.

A inocente piada faz parte de um dos livros da série As Anedotas do Pasquim, que o rubro-negro Ziraldo editava e eram publicados na década de setenta pela Codecri – acrônimo de Comitê de Defesa do Criouléu, nome incorretíssimo para os dias atuais.

Ontem, enquanto lia o post do PVC no UOL sobre a entrevista coletiva de apresentação de Felipe Melo no Palmeiras, me lembrei da história do Mineirinho.

Questão de ordem. Gosto do Felipe Melo, e o que critico nele é o que todos criticam: o destempero. No futebol a trezentos por hora que se pratica hoje, com marcação o tempo inteiro e em cada centímetro do gramado, ficar com um a menos em partidas equilibradas é quase sempre mortal. E não me venham com esse papo de que Felipe Melo amadureceu. Certas características não mudam, como prova a entrevista coletiva.

Outro papo que não engulo é esse de que Libertadores se disputa com cascudos. Vanderlei Luxemburgo encheu o time do Grêmio de cascudos na Liberta de 2013 (Dida, Cris, André Santos, Zé Roberto, Elano, Barcos, Kleber Gladiador), passou raspando pela fase de grupos e foi eliminado nas oitavas pelo colombiano Santa Fé. Ano passado o São Paulo trouxe Maicon e o treinador Edgardo Bauza quase que exclusivamente para a Libertadores, e dançou por erros infantis dos dois. Maicon – que não é mau zagueiro, mas também gosta de fazer o gênero mais macho que os outros – foi expulso por um tapinha de pré-primário no atacante Borja, quando a primeira partida da semifinal contra o Atlético Nacional, no Morumbi, estava zero a zero. E Bauza – macaco velho, copeiro esperto, ganhador de duas Libertadores com times meia-boca –, em vez de recompor a zaga, segurar o empate e transferir a decisão para Medellín, mandou o time pra cima, tomou dois gols e viajou eliminado.

Felipe Melo é bom jogador e eu gostaria que ele tivesse vindo para o Flamengo. Mesmo porque, vamos combinar: para jogar no lugar do nosso volante titular, eu gostaria que viesse qualquer coisa que respire e olhe pra frente. Como veio o Rômulo, que fez ótima temporada naquele Vasco de 2011, tudo certo. Creio que o Flamengo teria boas chances de brigar pela Libertadores se tivesse trazido Felipe Melo, como tem boas chances de brigar pela Libertadores sem ele. O mesmo raciocínio vale para o Palmeiras.

Um pouco depois da morte de Carlos Alberto Torres, no ano passado, Arthur Dapieve escreveu uma bela crônica em O Globo sobre a importância de uma cacetada do capitão no atacante inglês Lee, ainda na fase de grupos da Copa de 70. A entrada fora uma resposta a um lance ocorrido poucos minutos antes, em que Lee atingiu o goleiro Félix com um chute.

Dapieve está cheio de razão, o que não torna meu post contraditório. Todo mundo sabe que, no futebol, apanhou tem que bater, para não apanhar o jogo inteiro. Quem não concorda é locutor coxinha, comentarista de linha de passe. Só que é fundamental usar de malícia e sagacidade. Um cara que sempre seguiu à risca a máxima do “bateu, levou” foi, apenas e simplesmente, o senhor Edson Arantes do Nascimento. Apanhava, batia. E como apanhava muito, batia feito gente grande. No entanto, da mesma forma que Carlos Alberto, Pelé não avisava.

Felipe Melo foi juvenil, falastrão, deixou a bola quicando para adversários que de bobos não têm nada e abriu os olhos dos juízes, bem capazes de ir cumprimentá-lo antes dos jogos já com o cartão amarelo na mão. Como se dizia na época do Pasquim: malandro que é malandro demais se atrapalha.

Jorge Murtinho

Fonte: República Paz & Amor

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