Carlos Eduardo Mansur: “Duas faces do 10”

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Nove anos separam as idades de Diego e Scarpa. Na perspectiva histórica do futebol, nem é tanto tempo. Mas a diferença de idade entre os dois principais criadores de jogadas de Flamengo e Fluminense, finalistas da Taça Guanabara, ajuda a demarcar a transformação do papel do chamado “camisa 10”, o meia pensador, em outros tempos o homem de ligação, na caminhada recente do futebol

Aos 32 anos, Diego volta à seleção brasileira como um dos últimos exemplares de um tipo de jogador periodicamente idealizado como sonho de consumo de clubes, embora raro no mercado por exigências do futebol atual: o meia que joga centralizado, habitando a intermediária ofensiva, à frente dos volantes e por trás do atacante, aproximando-se da área e, por vezes, entrando nela para finalizar. É o 10 clássico (mesmo com o 35 às costas), com menos responsabilidades de marcação, de quem se espera o passe que abra defesas, cerebral na zona do toque decisivo. Deste tipo de jogador, nunca se esperou o ritmo nem a intensidade cobrados no jogo atual. Uma espécie cada vez menos vista, embora não extinta, porque o futebol recusa impossibilidades definitivas.

Mas o jogo atual tem a marca da escassez de espaços. E estes se tornaram ainda mais raros no centro do campo, perto das áreas. O criador tradicional se viu cercado de obstáculos, sufocado. Aumentaram as exigências do jogo, a ponto de o meio-campo ser povoado por jogadores de grande capacidade física: ou aptos a jogar de área a área, ou armadores que iniciam o jogo junto aos defensores e assumem funções defensivas vitais. Defesa e ataque não são mais departamentos independentes.

A consequência é que se tornou habitual ver a lateral do campo virar o refúgio dos meias de bom passe e dos pensadores do jogo desde a periferia do campo. Buscam espaço e gerar surpresa: iniciam o lance na ponta e, partindo para o meio, confundem a marcação. Assumiram também as novas atribuições do cargo, como acompanhar o lateral rival na marcação, cobrindo quase os 100m de campo.

A seleção a que Diego vai se juntar é um exemplo: a função que o rubro-negro exerce não existe no sistema atual. No centro do campo, Tite usa Paulinho e Renato Augusto, homens que combinam boa técnica e capacidade física suficiente para jogar de uma área à outra, abrangendo imensas porções de campo num esforço brutal. E Philippe Coutinho, um meia criador por excelência, parte da ponta-direita para o meio.

É neste protótipo do 10 moderno, produto do jogo atual, que se encaixa Gustavo Scarpa, 23 anos. Dúvida para a final, tem importância vital para o Fluminense por executar tudo o que se convencionou esperar deste novo meia. Tem a vitalidade para defender pelo lado do campo, tem o domínio do tempo para buscar a zona central e surpreender o rival, tem o chute de fora da área e tem o passe.

Se jogar, formará com Diego a dupla de cabeças pensantes da decisão. É justo valorizá-los. Construir é sempre mais difícil do que destruir.

A bola não dá tempo

As idas e vindas em torno da decisão revelam a pior face da relação do Brasil com a violência das torcidas: não há plano. Entre o recurso à torcida única, que pode ser uma etapa aceitável diante do descontrole e até o país entender que está diante de uma complexa questão de estado, e a manutenção dos estádios divididos, dois extremos hoje imperfeitos, produzem-se vítimas e achismos.

O Ministério Público do Rio decreta a torcida única com a concordância de um juiz, mas um desembargador entende o oposto. Polícias de cada estado agem de forma distinta, na tentativa e erro. Nunca discutido, o necessário engajamento dos clubes tem formato ideal desconhecido. Mas nenhum passo é dado rumo a um sistema de prevenção e inteligência traçado nacionalmente, envolvendo governos e judiciário. Não se discutem ideias. Instituições se digladiam para realizar um jogo, mas o futebol não parou para refletir sobre uma morte na porta de um estádio. A bola não dá tempo.

Fonte: Carlos Eduardo Mansur | O Globo

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  • Esse jornalista não vê o Diego jogar atualmente não…

    Marca muito recompõe e faz uma posição na seleção que o Renato Augusto faz.

  • scarpa joga muito, de fato. tomara que jogue, é um atrativo a mais e um teste melhor pra nossa defesa.

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