As crateras nas ruas e a rotina de violência estão ali para lembrar que a vida não é fácil no bairro Porto do Rosa, em São Gonçalo. Mas os moradores ganharam um motivo de orgulho. O bairro vê um de seus filhos virar astro do futebol e esperança da torcida do Flamengo. Aos 16 anos, Vinicius Júnior, vendido pelo Rubro-negro ao Real Madrid por 45 milhões de euros, tornou-se esperança num lugar em que muitos jovens só vislumbram ascensão por meio do crime.
— Enche a gente de alegria saber que um jovem como ele, que corria e brincava por aqui, está trilhando um caminho tão bonito — comemora Josimar Dionysio, diretor da Escola Municipal Paulo Freire, onde Vinicius estudou.
Cria do bairro, o atacante se mudou de lá aos 14. Foi morar em Piedade, com um tio, para ficar mais perto do Ninho do Urubu. Mas deixou histórias e apelidos.
— Negra Li, Beiçola…— enumera Leandro Nemer, ex-vizinho e companheiro de pelada: — Ele sempre foi obcecado por futebol. Jogávamos na rua da casa dele mesmo. Quando estava cheia de entulhos, limpávamos tudo com a enxada só para jogar.
Por conta da rotina do Flamengo, Vinicius tem sido menos visto em São Gonçalo. Mas ainda dá as caras por lá. Seja numa visita à igreja ou à escolinha de futebol.
— Ele sempre vem depois dos títulos. Faz questão de trazer as medalhas — conta Valéria Dinucci, administradora da escolinha Fla São Gonçalo.
Quem entra no local dá de cara com um enorme pôster da revelação rubro-negra, como um selo de qualidade do estabelecimento. Se São Gonçalo ajudou Vinicius a voar mais alto, lá ele deixou suas sementes.
— As pessoas agora ligam perguntando se era aqui que treinava o Vinicius Júnior. A procura por aulas experimentais aumentou significativamente — atesta Carlos Eduardo Beraldini, marido de Valéria e também administrador da escolinha do Flamengo.
Obsessão por futebol e paixão pelo Flamengo
Ao renovar com o Flamengo, Vinicius Júnior permitiu que o clube pudesse faturar mais com sua transferência para o Real Madrid — a multa rescisória era menor no contrato antigo. Para quem o conhece, tamanha lealdade não é uma surpresa. Se o futebol é sua obsessão, o Rubro-negro é a paixão.
Esse sentimento já pulsava desde o primeiro contato com o futebol. Ganhar dos principais rivais do Flamengo sempre foi um prazer para Vinicius, algo detectado logo em sua primeira escolinha, a Craquinhos de Ouro, no próprio Porto do Rosa.
— Uma vez recebemos o time da escolinha do Vasco em São Gonçalo. Com apenas 6 anos, ele acabou com o jogo sozinho — recorda Edinelson Matos, o Man, treinador da Craquinhos.
Mas nem tudo são flores na relação dele com o futebol. Considerado um aluno regular, perambulou entre escolas por conta dos horários de treinos e dos jogos. No ano passado, repetiu o 9º ano do Ensino Fundamental.
A entrada no Flamengo, após peregrinar com o pai por diversos clubes e competições, acabou sendo o caminho natural. E, a cada jogo contra os principais rivais, ele não perdia a oportunidade de provocar os amigos. Agora, aguarda o primeiro clássico como profissional.
— Sempre que ia jogar com Vasco, Fluminense ou Botafogo, ele avisava: “Vou acabar com o time de vocês”. No dia seguinte, ia lá e cumpria — conta o ex-vizinho Leandro “Siri”.
Os dois lados de uma mudança radical
A mudança, com a venda para o Real Madrid, não foi radical e repentina apenas para Vinicius Júnior. Assim como ele, seus parentes também tentam se adaptar à nova realidade. Para o bem e para o mal. Para os mais próximos, ela foi mais brusca. Os pais Vinicius e Fernanda, os irmãos Alessandra e Netinho e a sobrinha Jamile se mudaram com ele para a Barra.
Netinho, o irmão mais novo, tenta repetir seus passos e também viver do futebol. Mas, por ironia do destino, em outra posição: goleiro.
— Ele não se conforma até hoje com a escolha do irmão. Sempre brinca com isso — conta Carlos Eduardo Beraldini, que também treinou Netinho, o caçula dos três irmãos da família.
Para os parentes que permaneceram em São Gonçalo, a vida também mudou. Toda a badalação em torno do jogador e, principalmente, as cifras astronômicas em torno dele, criaram um constante estágio de alerta. Ninguém quis dar entrevista. Um amigo da família explicou que os parentes têm evitado a exposição devido ao alto grau de periculosidade da área.
Fonte: Extra