O cenário de guerra no clássico entre Vasco e Flamengo, há uma semana, foi apenas mais um capítulo da violência ligada ao futebol. Mas há esperança. Embora ainda exerçam influência até na política dos clubes, as maiores torcidas tradicionais do Rio não podem negar a perda de prestígio dentro de seu território original: a arquibancada.
Inspirados na festa das barras argentinas — o lado violento foi deixado de lado —, um movimento de torcedores pacíficos se fortaleceu a partir de 2006. No começo, eram poucos, cantavam 90 minutos sem parar e viraram piada. Hoje, no Botafogo, no Vasco e no Fluminense, são essas as torcidas que ditam o canto. Só no Flamengo, em um contexto de maior número de organizadas, o fenômeno não tem a mesma força.
Se desde o começo eram vistas como fontes de novas composições, a Loucos pelo Botafogo, a Guerreiros do Almirante (GDA), do Vasco; e a Bravo 52, do Fluminense, ganharam simpatizantes no vácuo deixado pelas frequentes punições sofridas pela Fúria Jovem do Botafogo, Força Jovem do Vasco e Torcida Young Flu. Quem atesta o fenômeno é o major Silvio Luiz, comandante do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (Gepe).
— Isso ficou evidente especialmente no Botafogo, em que a Loucos é disparado a maior— explica o major. — São torcidas que vão para festa, não com ideologia de briga. Nem precisam ir escoltadas. Os integrantes chegam cedo, entram no estádio e, de uma forma geral, vão para pular e cantar.
Segundo o comandante do Gepe, o apoio incondicional ao time — inclusive no momento em que ele joga mal —, gera hostilidade de membros das torcidas que tradicionalmente eram as maiores na arquibancada. Em entrevista ao GLOBO, integrantes da Loucos, da Guerreiros, da Bravo e da Nação 12, esta do Flamengo, evitaram apontar atritos com outras torcidas. Numa atmosfera de constante tensão, falar de outros é como pisar em ovos. E todos fazem questão de lembrar também que não são os únicos pacíficos e não são mais torcedores do que ninguém.
— Temos uma relação que está melhorando (com as organizadas tradicionais). Ainda não é a ideal, mas nem marido e mulher têm uma relação perfeita — explica Mateus Melo, integrante da Bravo 52, torcida que sucedeu a Legião Tricolor. — O nosso estilo de torcer é totalmente diferente das torcidas organizadas, mas a gente tem que se respeitar. Eles já têm uma história na arquibancada.
Em junho, a Guerreiros do Almirante chegou a anunciar o seu afastamento de São Januário, sob a justificativa de que teriam sido ameaçados por seguranças no estádio. A confusão aconteceu após gritos de “Fora Eurico”. Os líderes garantem que o grupo é apolítico, e se reuniram com a diretoria do clube antes de voltar à arquibancada. Este não foi o único problema da torcida, que nasceu em 2006 com cantos de forte influência argentina.
— Quando a GDA passou a ser a principal torcida a puxar os cantos, em meados de 2014, isso mexeu com a gente. Foi um choque cultural. Muitos implicavam com as versões argentinas, e a gente se viu na necessidade de cantar músicas conhecidas — conta Breno Batista, líder da torcida.
Criador da Loucos pelo Botafogo, em 2006, Rafael Mois conta como é a dinâmica dos cantos:
— Somos inspirados nas barra bravas argentinas. Elas não dão um canto alto, é uma melodia. A gente dá a sequência na música, cantamos o jogo todo. Obviamente, quando o time ataca, o estádio vem com a gente e o volume aumenta.
Criada em 2009, a Nação 12 já sofreu represália na arquibancada após celebrar o Dia do Orgulho LGBT, em junho. Na Arena da Ilha, a torcida faz protestos contra os ingressos altos, que têm diminuído a presença de seus membros nas partidas.
— Já surgimos num cenário de fechamento do Maracanã, de preços subindo e proibição de adereços para festa. A torcida luta contra a elitização do futebol, contra o futebol moderno — afirma Diego Lima.
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