Há muitos séculos que o 14 de maio não é dos dias mais fáceis de se esquecer. Se a data é desde 1998 muito lamentada pela morte de Frank Sinatra, foi igualmente muito comemorada pelos judeus em 1948 com o fim do Mandato Britânico sobre a Palestina e a Declaração de Independência do Estado de Israel pelo Moetzet HaAm (Conselho do Povo). Foi também em 14 de maio de 1452 que o papa Inocêncio IV publicou a bula Ad Extirpanda (Em Desenraizamento), autorizando o Santo Ofício a despojar os bens materiais e a usar de tortura sobre os suspeitos de heresia capturados pela Inquisição.
Em uma macabra coincidência, em 14 de maio de 2018 o Tribunal de Arbitragem do Esporte (TAS), ampliou a punição a Paolo Guerrero, proibindo o jogador de exercer sua atividade profissional por 14 meses por ter cometido uma violação das regras antidoping da FIFA. A sentença destaca que Guerrero não tentou melhorar seu rendimento ingerindo substância proibida, mas responsabilizou o atacante por um “erro ou negligência”.
Uma sentença duríssima, que afasta o centroavante não apenas da Copa do Mundo da Rússia, mas também da decisiva partida do Flamengo contra o Emelec de amanhã pela Libertadores. E que, assim como a terrível bula papal, é decisão definitiva e contra a qual não cabem quaisquer recursos. Numa exibição assustadora de quão absolutos e incontrastáveis são os poderes dos tribunais internacionais que regulam a boa prática do esporte.
Guerrero, naturalmente devastado pela dureza da punição e pelos aspectos kafkianos de todo o processo, ontem declarou: Queria mostrar que durante o processo mostramos várias coisas: que nunca consumi droga, (…); nunca tive a intenção de melhorar minha performance, porque isso tampouco melhora a performance, e foi provado na Fifa, na Wada e no TAS. Eu estava sob regime da seleção, sob protocolos de segurança e nutrição. Tomei o chá que o garçom não deveria ter servido a um jogador profissional.
Na história recente já houve atletas envolvidos em casos mais graves de doping consciente e com o intuito deliberado de aumentar o rendimento esportivo punidos com menos rigor. Como a estrela do tênis russa Maria Sharapova, condenada na mesma corte por semelhante violação das regras antidoping a 15 meses de suspensão e que já voltou a sonorizar as quadras do mundo com seus gritinhos guturais.
Enquanto isso, Guerrero, jogador de um país periférico de um continente periférico, que não se alinha nem de longe entre as principais potencias do futebol mundial, apesar dos atenuantes, foi punido exemplarmente. Nessa hora os leigos na disciplina da dosimetria da pena, uma absoluta maioria entre os fãs do esporte, se perguntam: qual é o exemplo que o TAS pretende dar? Que caso você não seja uma loira gostosa e milionária é melhor não tomar um chá enquanto estiver servindo à seleção do seu país?
A incompreensível decisão aniquila qualquer delírio de êxito na Rússia que os torcedores da Seleção Peruana, de volta à uma Copa do Mundo após 40 anos de ausência, pudessem cultivar. Mas o pior é que também prejudica definitivamente a cruzada que o Flamengo vem travando desde os anos 80 pelo resgate do respeito e da relevância internacional. Entramos de bucha nesse inquérito e ficamos sem nosso centroavante titular em plena disputa da Libertadores, lembrando, muito a contragosto, que por causa daquele chá já não pudemos contar com Guerrero na funesta final da Sul-americana de 2017.
Houve quem enxergasse uns traços de justiça tardia nessa punição do TAS, posto que os peruanos protagonizaram na Argentina em 1978 uma das mais vis safadezas da história do futebol, que alijou a Seleção Brasileira da final daquele Mundial e permitiu que nos autodenominássemos, meio ridiculamente, o Campeão Moral da Copa. Como os tribunais do mundo não cansam de esfregar em nossas caras de otário, a moral é um valor superestimado.
O certo era acabar esse texto com as palavras do próprio Guerrero: Às pessoas que contribuíram para esta vergonhosa injustiça digo que estão me roubando o Mundial e, talvez, minha carreira. Espero que consigam dormir em paz. Mas como sou um ignorante notório das leis, dos tribunais e do que vai pelas cabeças dos magistrados do mundo, prefiro pedir ajuda ao Shakespeare em Henrique VI: Abstenha-se de julgar, porque somos todos pecadores.
Postei e saí correndo.
Mengão Sempre
Reprodução: República Paz e Amor