Impossível abordar o desafogo de alma do Flamengo sem considerar a carga emocional que invadiu o Maracanã. Era pesada. Quase palpável. Que atravessava praticamente uma geração de novos rubro-negros. Pois datava de 2010 a última vez em que o Flamengo rompeu a fase de grupos da Libertadores. Um saldo de quase uma década que cabia ao elenco atual pagar. A memória do vexame de 2017 ainda estava viva. No campo. Na arquibancada. Não é fácil lutar contra o coração, assustado. Tentar controlar pernas e amansar a cabeça. Fazer da razão o fator dominante. O pensamento voa, indica receio. Faz hesitar. Errar. Mas duas pinturas de Everton Ribeiro decretaram o fim da espera. Uma vitória. Não apenas os 2 a 0 sobre o Emelec. O Flamengo superou o coração e conquistou o alívio. Enfim, pode respirar com uma conta zerada.
Os recentes fracassos na fase de grupos da Libertadores tornaram o torcedor rubro-negro, geralmente um ser confiante até o limite da arrogância, um tanto quanto amuado. Um gato escaldado, temendo pelo pior que invariavelmente aparecia com requintes de crueldade. As condições estavam ali. Bastaria uma vitória sobre o lanterna do grupo, no jogo que marcava o retorno da torcida ao Maracanã após a punição devido ao caos na final da Sul-Americana. O coração, assustado, dizia que o flerte com o fracasso era alto. Imagine, então, jogar nessa atmosfera.
Com Diego de volta ao time titular, Barbieri não teve dúvida: repetiu a escalação que lhe rendeu a melhor atuação na temporada, contra o Ceará. Um 4-2-3-1, com Paquetá responsável por iniciar o jogo ao lado de Cuellar. Everton Ribeiro de volta ao seu habitat, pela direita, com Diego tentando aproximar de Dourado, e Vinicius Junior à esquerda. Parece mesmo ser este o seu Flamengo ideal. Um time que tenta manter a posse e avançar por dentro, empurrando o adversário. Mas as pernas não obedeciam direito no início de jogo. Principalmente pela postura ousada do franco atirador Emelec.
Virtualmente eliminado, o time equatoriano precisava de uma vitória para manter o fio de esperança. Tentou, então, surpreender, tomar as ações do jogo. Adiantou a equipe e pôs a tocar bola pelos lados, tentando a velocidade de Preciado, na esquerda, e Rojas, à direita. Inicialmente, deu certo. O Flamengo teve dificuldade para marcar o toque de bola curto e muito rápido, que partia do meio com Matamoros para as pontas. E se desorganizava. Cuellar, por vezes, ficou sozinho com o adiantar de Paquetá, que se juntava a Diego e Everton, enquanto Vinicius aproximava de Dourado na área. Os lados ficavam um tanto quanto descobertos. O volante colombiano e Renê tiveram papel fundamental. Em um jogo corrido, sem dono, com a bola cruzando o campo de lado a lado com velocidade, eram eles os responsáveis por dar o bote à frente e fazer o time andar. Seriam, juntos, responsáveis por 11 desarmes durante a partida. Diminuíram, então, o sufoco inicial do Emelec.
O Flamengo, nervoso, se equilibrou um pouco a partir da metade do primeiro tempo. Quando Paquetá, em noite ruim, encontrou melhor o posicionamento pelo lado direito, dialogando com Everton Ribeiro, deixando Diego mais à esquerda. O camisa 10, porém, pecava. Diante do Ceará, jogou bem à frente, próximo ao atacante e com possibilidade de finalização. Até começou assim, tentando dar velocidade ao entendimento com Vinicius Junior. Mas depois voltou a insistir em um pecado que tem sido mortal em suas atuações: recuar para iniciar o jogo. Tentou algumas vezes e mostrou as dificuldades recentes: a posse excessiva, a maior lentidão para fazer a bola andar. Ainda assim, o time teve ótimas chances: Juan, em cabeçada que Dreer e a trave impediram após falta alçada por Everton Ribeiro, e Henrique Dourado, imperdoável, falhou de frente para o goleiro quando uma sobra de jogada de Vinicius Junior se ofereceu à sua frente.
O bom momento chamou a torcida, dividida entre o receio de um jogo tenso e a vontade de apoiar para mudar o panorama. O Emelec, ciente, deu passos atrás e esperou mais o Flamengo. As chances perdidas, então, aumentaram a ansiedade. O coração berrava. A razão parecia se esvair. Time e torcida, juntos em um mar de ansiedade. O intervalo veio a calhar para relaxar almas por algum instante. Dar vazão a burburinhos que prendiam o fôlego. Não seria possível, de novo, flertar com o fracasso.
O segundo tempo fez dissipar, de início, qualquer tensão. Já com Léo Duarte na vaga do lesionado Juan, o Flamengo se apresentou nervoso, mas em bom sentido. Adiantou-se de início, quis morder o adversário e impedi-lo, uma vez mais, de tomar a iniciativa do jogo e tentar dar as cartas. A velocidade da partida continuou grande, mas com dois minutos a noite começava a se desenhar de forma agradável. Renê deu bote certeiro em Rojas e avançou, tabelando com Vinicius Junior. Uma típica jogada que o time carece pelo lado esquerdo. Além da força defensiva de Renê, que cumpria ótima jornada, uma presença no ataque para dar opção a Vinicius. O lateral invadiu a área e cruzou. Jaime cortou mal e a bola sobrou para Diego, que ainda ajeitou a bola antes de bater em cima do goleiro. No rebote, Everton Ribeiro, embalado, encheu o pé esquerdo no ângulo de Dreer. Um estufar na rede. Um estufar na alma. 1 a 0.
Por segundos, o Maracanã berrou. Por outros tantos segundos, suspirou. Cortou a tensão que pairava, pesada, pelo ar. Graças a Everton Ribeiro. O camisa 7 cresce de produção a olhos vistos. Não, não é a ausência de Diego que lhe permite o melhor desempenho. O camisa 10 estava em campo também. A dele, Everton, não é centralizado. O meia rende melhor no seu habitat, da direita puxando para o centro. Driblando, tocando curto, achando espaços ou abrindo outros para as subidas de, por exemplo, Rodinei. Paquetá inverteu de lado, pôs-se mais à esquerda, Diego caminhou para a direita. O Flamengo tentaria, então, controlar o jogo. Mas quem disse ser possível controlar o coração? Amansar a cabeça? É ingrata a luta. É enorme a pilha.
Sem nada a perder, o Emelec adiantou o time com duas trocas. Luna se aproximou de Orejuela e Montero assumiu a esquerda, com Preciado caindo à direita. Era tudo ou nada. O Flamengo sabia disso. E deixou-se envolver. O peso dos anos de fracassos voltou a campo, tornando o jogo em uma briga louca, aberta, com enorme correria de lado a lado. A razão mandava o Flamengo manter a posse, girar o jogo, acalmar o embate. O coração, assustado, criava o desespero. O flerte com o fracasso. Aumentava o cheiro de mais uma noite trágica na Libertadores. Diego, amarelado e irritadiço, errava demais. Paquetá, tentando compensar a má apresentação técnica com disposição, também errava muito. Passes e passes nos pés rivais. Só do camisa 11 foram nove, de acordo com o Footstats.
A bola rondava demais a área de um Flamengo que desejava evitar um novo desastre. Corria muito risco. Não por opção. Afoito, quase desesperado, deixava a bola correr, o coração mandar. Preciado, pela direita, tocou por cobertura e obrigou Diego Alves a fazer ótima defesa, com um tapinha salvador. Barbieri, já expulso depois de reclamar com o fraco árbitro peruano, trocou Dourado por Marlos Moreno, Diego por Jonas. O time estava espaçado demais e com o volante posicionado à frente da defesa, com Ceullar à caça dos rivais na intermediária, a pressão arrefeceu. Paquetá voltou a dublar a função de centroavante que tanto fez em 2017. Em meio ao desespero, uma dose de razão: era hora de segurar a bola.
Ao tentar sumir com a bola em seus pés, o garoto foi derrubado por Mejía na direita. Everton Ribeiro, então, usou talento com plasticidade para vencer a luta. Na viagem da bola, o Maracanã, suspenso, parecia não acreditar no fim de uma verdadeira maldição. O chacoalhar da rede indicava não apenas outro golaço do camisa 7. Indicava que o Flamengo, enfim, estava livre. E tomava, a partir dali, de novo o controle de suas ações. Vencia um coração nervoso, escaldado por vexames.
Sim, o Flamengo deixou o Maracanã classificado para as oitavas da Libertadores, quartas da Copa do Brasil e na liderança do Brasileiro. Um céu de brigadeiro que nem mesmo o mais otimista rubro-negro parecia acreditar depois do início de ano claudicante. Há, claro, de se reconhecer defeitos e entender que existem inúmeros pontos a trabalhar para manter o voo de cruzeiro. Definir já a permanência de Vinicius Junior ao menos até o fim da temporada, contratar um zagueiro para ser titular, laterais e um centroavante para substituir o peso de Guerrero no elenco. Antes, porém, tentar se manter na parte de cima da tabela do Brasileiro até a parada da Copa. Tudo necessário. Tudo sob a ótica da razão. Mas a noite se encerrou, mesmo, com o coração aliviado, o peito amansado. Depois de oito anos, o Flamengo cumpriu um ritual necessário. Livrou-se de um grande fantasma. Superou um trauma que tinha criado para si e está, de novo, nas oitavas da Libertadores. De lavar a alma.
FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 2X0 EMELEC
Local: Maracanã
Data: 16 de maio de 2018
Horário: 21h45
Árbitro: Diego Haro (PER)
Público e renda: 36.754 pagantes / 40.390 presentes / R$ 2.779.990,00
Cartões Amarelos: Diego e Lucas Paquetá (FLA) e Lastra e Mejía (EME)
Gols: Everton Ribeiro (FLA), aos dois minutos do segundo tempo e aos 46 minutos do segundo tempo
FLAMENGO: Diego Alves; Rodinei, Rever, Juan (Léo Duarte, 46’/1T) e Renê; Cuellar e Lucas Paquetá; Everton Ribeiro, Diego (Jonas, 42’/2T) e Vinicius Junior; Henrique Dourado (Marlos Moreno, 36’/2T)
Técnico: Mauricio Barbieri
EMELEC: Dreer; Paredes, Jaime, Mejía e Bagüí; Arroyo (Burbano, 44’/2T) e Lastra; Rojas (Montero, 7’/2T), Matamoros (Luna, 7’/2T) e Preciado; Orejuela
Técnico: Alfredo Arias
Reprodução: Blog Chute Cruzado
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Quero ver agora! Vai com tudo pra cima do Vasco e poupa para quarta lá na Argentina ou faz o contrário?!
Acho que devemos poupar quem está mais desgastado no sábado. Mesmo sabendo que o jogo contra o River vai ser uma pedreira, ir para lá com o conformismo da derrota nos colocará num patamar de time pequeno, apenas conformados com a classificação.
Acho que agora, que rompemos este cabaço, temos que pegar o ritmo e o gosto pela competição. Sem contar que jogar contra o Vasco é passeio de fds para qq juvenil fazer nome.
Jogo pra poupar ""seria"" quarta, Diego tá fora, Juan não deve jogar, Paquetá e Dourado se levarem um cartão ficam fora da primeira partida das oitavas...Acho que se fosse pra poupar seria quarta, até pq, na liberta hoje tanto faz ser segundo ou primeiro que é sorteiro (E os segundos colocados são Fla, Boca, indepedendiente/Corinthians (Esse ainda pode ficar em segundo) ), até pq tbm, pra ser campeão da liberta é impossivel escolher oponente.
Precisam caprichar mais nas finalizações. Teve um momento do jogo que já estávamos ganhando por 1x0 que os jogadores de frente perderam inúmeras chances.