A fumaça rubro-negra explodiu de forma quase apoteótica na entrada dos times no gramado. Um ambiente deliberadamente nebuloso que fazia confundir quem olhasse de longe. Afinal, quem seria jogador? Quem seria torcedor? Camisas que se fundiam entre campo e arquibancada, formando uma massa só. Daquelas sinergias típicas de felizes dias rubro-negros. Pois era, na verdade, não um dia. Mas uma noite dessas. Um entendimento que se estendeu diante do Grêmio e fez o Flamengo explodir de saída e manter o 1 a 0 no placar até o final. Um jogo de um time inteligente, mas também competitivo. Com faceta diferente. O Flamengo bateu o campeão da América para avançar pelo Brasil. Na Copa do Brasil, em mais uma semifinal.
Entre um jogo e outro, o time de Mauricio Barbieri viveu o céu e o inferno. Os 30 minutos finais na Arena Grêmio, a passagem no rito da arte de imposição, ficaram gravados na memória de tal maneira que elevaram o time a elogios empolgados. Mas justos. E os reservas gremistas, dias depois, forçaram um tombo maior do que o esperado. Do céu ao inferno, rapidamente. Com dose repetida contra o Cruzeiro. O viés de alta do triunfo sobre o time misto mineiro fez bem. O Flamengo entrou em campo ciente da necessidade para não repetir a frustração de uma semana antes, no mesmo Maracanã. Precisaria superar dificuldades físicas. Impôr-se mentalmente. De cara, conseguiu.
A tentativa inicial foi o 4-1-4-1 de sempre, com Vitinho à esquerda e Henrique Dourado mantido no comando do ataque. Era preciso ser explosivo, intenso, responder os anseios da arquibancada. Dar o primeiro golpe no Grêmio. Dito e feito. Vitinho lembrou Vinicius Junior. Puxou para dentro e cruzou na segunda trave. Cortês avançou na bola de maneira tão atabalhoada que furou, rebatendo no rosto de Paquetá. Na sobra, a pelota, sorridente, se ofereceu a Everton Ribeiro. O tiro rasteiro de direita morreu no fundo da rede de Grohe, sem tempo hábil para reagir ao vacilo. 1 a 0. A fumaça ainda rondava o interior do Maracanã, tentava subir aos céus. Lá certamente encontraria a torcida do Flamengo. Loucura, o estádio explodia.
Ocorre que o Grêmio não é um rival qualquer que simplesmente se encolheria e daria a classificação como algo impensável. Recolheu em minutos seus cacos e pôs a duelar de cabeça em pé. Uma luta digna de dois rivais que têm apreço pela bola. O 4-2-3-1 clássico de Renato Gaúcho transfigurou-se praticamente em um 4-1-4-1 com o time completamente avançado. Jailson plantou à frente dos zagueiros, Maicon se adiantou, voltando apenas para iniciar o jogo. Os laterais adiantaram, Luan tentou flutuar por dentro às costas de Cuellar. O Grêmio passou a tentar o seu jogo. Posse, troca de passes, desgaste do adversário com sua imposição. Conseguiu, de fato, um amplo domínio. Mas com com um girar de jogo apenas lateral. Não havia infiltração na área. Jogo por dentro. Tudo era bem bloqueado pelo Flamengo com sua nova faceta.
A arquibancada, impaciente que só, chiou ao ver o seu Flamengo encolhido em pleno Maracanã. As vozes, antes elétricas, alternavam momentos de cantoria com resmungos e pura apreensão. A impressão era de que o Flamengo, extremamente desgastado, conseguira o gol precoce tão desejado e se retraíra até mesmo para poupar pernas diante de maratona tão intensa no agosto insano que vive. Parecia estratégia – fato negado por Barbieri na coletiva pós-jogo. De fato, o técnico berrou por diversas vezes pedindo ao time que avançasse mais. O Flamengo formava, ali, já um 4-4-2 bem defensivo. O detalhe interessante: a alternância entre Diego e Vitinho. Geralmente, o camisa 10 é quem sobra por dentro ao lado do atacante quando a equipe rubro-negra é atacada. Desta vez, ele ocupou várias vezes o lado esquerdo, liberando Vitinho para atacar pelo meio, talvez em buscar de maior velocidade no contra-ataque.
A dificuldade rubro-negra residia muito nisso: é um time talhado a ter a bola, trabalhar a posse e avançar. Ao ter de adotar postura defensiva por tanto tempo, pouco soube tramar contra-ataques. Claro, a imposição gremista era grande responsável. Renato tentou povoar o meio para que Luan tivesse ajuda. Everton passou a cair mais pelo setor, dando preocupação a Paquetá e atraindo Rodinei. O lado ficou totalmente aberto para Cortês, grudado na linha lateral. Por ali, ele pediu um pênalti – inexistente como a suposta falta sobre Paquetá na área no início da partida. O Grêmio tentava esgarçar a marcação rubro-negro por dentro para liberar espaços para tabelas entre Everton e Luan. O Flamengo se negou a dar esses espaços. E defensivamente esteve muito bem.
Réver e, principalmente, Léo Duarte. Com boa antecipação, velocidade e ágil em desarmes, o garoto assombra cada vez mais com a maturidade que mostra na defesa. André, sempre por ali, teve dificuldades. Na esquerda, Renê também mostrou ótimo rendimento, principalmente com as investidas insistentes de Ramiro e Léo Moura no setor. Nada era, de fato, tão surpreendente. O Grêmio, com tamanha qualidade, era rival graúdo. Mesmo assim só assustou realmente em um cruzamento da direita, quando Everton, já impedido, perdeu gol debaixo da trave, completando para cima. Era um domínio gaúcho, mas longe do feito pelos rubro-negros no Sul. A bola rondava a área dos mandantes no Maracanã. Mas praticamente não havia espaço para entrar nela. O primeiro tempo encerrou com o gol de Everton Ribeiro.
Já sem fumaça no interior do estádio, o segundo tempo trouxe uma visão clara e límpida, embora nada agradável aos rubro-negros da arquibancada. Não era, certamente, uma estratégia. O Grêmio ali acuava o Flamengo em seu campo, adiantando seus jogadores, pressionando a saída de bola, impondo um ritmo intenso demais. O Flamengo já dava sinais de desgaste. Vitinho, chegado da pré-temporada europeia, não conseguia puxar contra-ataques. O domínio da bola exigia velocidade para surpreender um Grêmio tão adiantado. As pernas não obedeciam. Por duas vezes, o Tricolor Gaúcho assustou, mas com bolas cruzadas na área. Em uma, Ramiro pegou o rebote e, de bicicleta, mandou sobre o gol. Na outra, Rodinei, meio sem jeito, impediu que Everton tocasse para a rede. Barbieri sentiu o momento de pressão extrema. O Flamengo, no seu limite, era competitivo. Mas precisava de pulmões frescos após dez minutos de terror, sem conseguir passar do meio de campo.
Marlos Moreno foi a solução para reacender o diálogo do time com o jogo e com a arquibancada. Vitinho saiu e o colombiano ocupou o lado esquerdo. Driblador e descansado, ele partiu para cima dos rivais. Fez Léo Moura ficar um pouco mais reticente ao avançar tanto. E Diego voltou a alternar com o ponta. Sob os olhos de Tite, o camisa 10 teve atuação muito boa. Recebia a bola e a fazia andar. Fechou espaços, apresentou-se para o jogo. Deu ritmo ao time ao lado de Paquetá, novamente figura importante na condução do meio, embora ainda abaixo do nível muito forte de antes da Copa. Aos poucos, o Flamengo voltou a ter a bola nos pés de seus meias. O Grêmio, muito exigido fisicamente, tinha dificuldades para manter o ritmo de pressão. E arrefeceu.
A troca de golpes táticos dos treinadores, então, ocorreu com abundância. Renato pôs em campo Jael na vaga de André. Depois tentou com Marinho no lugar do extenuado Léo Moura. Abriu Everton e o camisa 70 nos dois extremos, pôs Ramiro na lateral e mandou o time à frente, mesmo que a velocidade para roubar a bola ao perder a posse não fosse a mesma. Barbieri respondeu fixando Marlos na esquerda para agredir Ramiro e preocupar Marinho no vaivém do setor. Luan, sem espaço com a vigília sempre incômoda de Cuellar, por vezes voltou antes do meio de campo para buscar a bola, iniciar o jogo. O Grêmio, geralmente impotente, mostrava além do desgaste físico, o desgaste mental. Nervoso, sentia o jogo escorrer pelas mãos. Estava ainda mais aberto com Alisson no lugar de Maicon. Sentia a arquibancada cada vez mais voltar a se unir o rival, aos berros. Era tarefa indigesta.
Cuellar, com cãibras, e Diego, desgastado, deram lugar a Willian Arão e Romulo. Henrique Dourado quase foi substituído antes do volante colombiano desabar ao chão. Para seus padrões, o centroavante fez uma boa partida. Embora tenha perdido algumas bolas pela falta de domínio, em outras oportunidades fez o jogo andar com toques de primeira. E prendeu Geromel e Kannemann durante quase todo o jogo, evitando que o rival subisse por inteiro ao ataque. Seria, também, arma importante em caso de disputa de pênaltis. Não foi necessário. Com um magro 1 a 0, o Flamengo derrubou o campeão da América e avançou às semifinais da Copa do Brasil.
Um confronto que mostrou um Flamengo disposto a adaptar-se às situações. Os 58% de posse de bola na Arena viraram apenas 40% no Maracanã. De oito a duas finalizações certas. De 524 passes trocados no Sul a 270 no Rio, de acordo com o Footstats. Um Flamengo que não jogou apenas os jogos. Inteligente, jogou o confronto. Pôs o desgaste físico da maratona na balança. Assumiu riscos. Teve nova faceta. E foi extremamente competitivo.
FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 1X0 GRÊMIO
Local: Maracanã
Data: 15 de agosto de 2018
Árbitro: Ricardo Marques Ribeiro
Público e renda: 50.803 pagantes / 55.461 presentes / R$ 2.467.530,00
Cartões amarelos: Diego Alves, Renê, Diego e Dourado (FLA) e Maicon, Luan, Marinho e Douglas (GRE)
Gol: Everton Ribeiro (FLA), aos quatro minutos do primeiro tempo
FLAMENGO: Diego Alves; Rodinei, Rever, Léo Duarte e Renê; Cuellar (Willian Arão, 39’/2T); Everton Ribeiro, , Lucas Paquetá, Diego (Romulo, 42’/2T) e Vitinho (Marlos Moreno, 11’/2T); Henrique Dourado
Técnico: Mauricio Barbieri
GRÊMIO: Marcelo Grohe, Léo Moura (Léo Moura, 25’/2T), Geromel, Kannemann e Cortês; Jailson e Maicon; Ramiro, Luan e Everton; André (Jael, 19’/2T)
Técnico: Renato Gaúcho
Reprodução: Pedro Henrique Torre / Chute Cruzado
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O Time jogou bem diferente doq jogou contra o Cruzeiro, contra o Cruzeiro faltou jogar firme, fazer falta, faltou malandragem, matar a jogada longe da área, faltou marcação forte, na origem do 2ºgol deles o Renê levou um tranco com o ombro, perdeu a bola e ficou pedindo falta, jogadores como o T.Neves eo Arascaeta não gostam d marcação forte, se tiver espaço eles deitam, pois são técnicos, em Copa só é preciso passar d fase, não precisa golear!!! contra o Grêmio o Fla jogou com inteligência, a cera e malandragem do D.Alves ajudou fazendo o tempo passar, o time soube si defender, é preciso isso e muito mais para vencer uma Libertadores e derrotar a catimba dos sulamericanos, Vitinho domina a bola com tranquilidade e toca sem erra o passe, Moreno entrou e carregou e sofreu faltas ajudando muito, o Réver ganhou todas pelo alto!!! Dourado brigou com os zagueiros sofrendo faltas q ajudaram, muitos pedia Lincoln, seria um jogador com menos corpo para brigar com os zagueiros, pois não foi jogo para avante, ficamos muito tempo si defendendo, tivemos poucos contra ataque, Rodinei não foi mal, até no 1x0 contra o Cruzeiro ele melhorou, no Brasil e no mundo quase não temos bons laterais, as vezes acho q as criticas são exageradas!!! tem nego q quer comparar o Rodinei com o Leandro q éo melhor lateral q eu já vi jogar!!! se o Fla jogar sempre com esse espírito será muito bom, as vezes tem um corredor entre o meio eo Renê q tem q ser fechado, senão arrebenta tudo no Renê!!! é bom pouparem o Réver, o Rodinei q vem jogando todos os jogos, senão esses jogadores irão estourar, são jogadores q tem reservas, SRN
Fantástica análise! Deu gosto de ler, do início ao fim. A dinâmica do jogo, a vontade dos jogadores, o apoio das torcidas, a batalha tática travada pelos cérebros e corações dos dois treinadores, lembrou uma partida de xadrez. Um Brasil x Inglaterra de 1970. E sabendo jogar o jogo, o Flamengo desestabilizou a fleuma e a marra sulista. No fim do jogo, os frios e arrogantes gremistas queriam briga, confusão...
No longo, detalhado e fascinante texto, o retrato fiel de um grande jogo de futebol! Parabéns ao autor!