João Luis Jr.: “Obina e a fábrica rubro-negra de criar heróis”

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Chega a ser um clichê dizer que tudo no Flamengo ganha uma proporção diferente. Mais de um milhão de textos já falaram que toda vitória do Flamengo é um “rumo a Tóquio” – mesmo se o mundial for em Abu Dhabi – mais de mil cronistas já lembraram que qualquer empate dentro de casa é uma “crise na Gávea”, mesmo se for o nosso time de aspirantes enfrentando o Real Madrid completo e o juiz for o Zidane.

Esse traço de “gigantismo emocional” do Flamengo, onde caminhamos sempre numa via expressa em direção ao céu ou num trem-bala rumo ao inferno tem, é claro, a ver com as dimensões do clube e da sua torcida. Num time imenso, com uma torcida maior do que a população de vários países, não existem pequenas vitórias porque nenhum triunfo é pequeno se conquistado por um clube de escala mundial e comemorado por mais de 35 milhões de pessoas. Da mesma maneira, toda derrota ganha ares de vergonha se essas mesmas 35 milhões de pessoas não esperam do seu clube nada além de “vencer, vencer, vencer” como diz o hino.

E isso se reflete, é claro, na maneira como o Flamengo e sua torcida lidam com jogadores, treinadores e demais profissionais ligados ao futebol. Se você errar durante dois jogos seguidos, se você não mostrar total e completa dedicação em campo, se você por alguma razão irritar essa imensa massa de torcedores, você terá ganho inimigos jurados para todo o sempre, como descobriram, em maior ou menor grau, pessoas que vão desde Ronaldo Fenômeno até o ex-zagueiro Rodrigo, passando pelo técnico Mano Menezes e o meia Carlos Eduardo. A torcida do Flamengo não perdoa, não esquece e seu ímpeto de vaiar não perdoa nem mesmo jogadores cuja saída deveríamos comemorar, como aconteceu com Gabriel durante a partida contra o Sport, por exemplo.

Mas, ao mesmo tempo, se você ganha um título, se você decide uma partida, se você cai nas graças dessa torcida, você encontrou uma fonte sem fim do mais puro amor incondicional. Desde o atacante de habilidade sobrenatural até o zagueiro limitado mas corajoso, a torcida do Flamengo está disposta a abraçar todo e qualquer um que ela perceba que honra o manto rubro-negro, que dá a vida pelas cores do time, que tem a mesma sede de vitória que ela e o clube. É a mesma torcida que já coroou o mundialmente famoso Zico como seu rei, mas ama o extremamente humilde Ronaldo Angelim. A mesma nação que já teve Romário e Edmundo no ataque, mas sente mais paixão quando ouve o nome de Hernane Brocador. A mesma multidão que hoje dedica seu carinho ao sério e disciplinado Cuéllar, mas nos últimos anos sempre que viu Adriano Imperador perdendo qualquer dois quilos já começou a pensar se ele não teria vaga no ataque.

E poucos jogadores são exemplos maiores disso do que Obina, que se aposentou essa semana, aos 35 anos. O atacante baiano, de pouca técnica, muita disposição e que transmitia a eterna sensação de estar ao menos 10 pacotes de biscoito passatempo acima do peso recomendado pelo médico do clube, é daqueles atletas que provavelmente teriam uma carreira mediana não fosse o fato de, por conta de seus gols decisivos em campanhas como a Copa do Brasil de 2006, ter caído nas graças da torcida do Flamengo e ter sido levado por ela, do jeito dela, a lugares e distâncias onde provavelmente não teria chegado por nenhum outro clube.

Obina poderia ter ganho títulos por outros clubes? Claro. Poderia ter ganho fama em outras equipes? Provavelmente. Mas apenas o misto muito específico de amor, paixão, megalomania e senso de humor que o flamenguista tem poderia levar tão longe uma ideia como “Obina melhor que o Eto’o” ao ponto do próprio Eto’o, em visita ao Brasil, brincar que Obina era realmente melhor.

A combinação de admiração sincera e ironia descarada da torcida, somada à dedicação e os gols de Obina, criaram um herói, forjaram uma história de sucesso, onde poderia existir apenas mais um jogador disposto porém comum. E ainda que algum rival possa acusar a torcida do Flamengo de exagerar, ainda que algum comentarista vá dizer que o clube dá corda demais para qualquer perna de pau, a nação rubro-negra faz apenas o que qualquer torcida de verdade nasceu para fazer: retribui com amor quem conquista esse amor, garantir o castigo de quem não justifica esse afeto.

Então, boa aposentadoria, Obina. Cuida dessa lesão, aproveita o tempo com a sua família, deve ter muita série boa que você acabou não vendo nesses últimos anos. A torcida rubro-negra agradece pelos gols e segue de braços abertos para todo e qualquer jogador, seja ele zagueiro, meia ou atacante, habilidoso ou tosco, falastrão ou calado, que entender o que é o Flamengo, der sua vida dentro de campo e tiver dentro dele a vontade de ser campeão. Porque o sonho de todo menino que começa a jogar bola é ser o herói de uma torcida e nenhuma torcida no mundo sabe criar heróis melhor do que a torcida do Flamengo.

Reprodução: João Luis Jr. | Blog Isso Aqui é Flamengo

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  • Muito boa essa matéria, queria eu poder escrever tão bem, para agradecer jogadores como o Obina, que nos deram tantas alegrias!

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