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Arthur Muhlenberg: “Preconceito de cor”

O Fla-Flu de quarta-feira não serviu apenas pra eliminar os esquisitões de Laranjeiras da esportivamente irrelevante final da Taça Rio 2019. O Fla-Flu #421 também se prestou à estreia oficial do novo modelo do Manto Sagrado, considerado, não sem alguma modéstia, como a mais poderosa vestimenta sócio esportiva do universo.

A estreia da nova camisa com uma vitória sobre o freguês evadido das divisões subalternas foi sem dúvida auspiciosa, mas a impressão deixada nas retinas rubro-negras é de que o novo Manto, como qualquer um de nós, tem lá seus problemas. É sobre esses problemas que vamos deitar por aqui umas mal traçadas que oxalá sejam uteis no processo de digestão da sua feijoada.

Todo mundo sabe que o Flamengo é vermelho e preto. São as suas cores que melhor o definem, são sua identidade. Que também é a nossa. A nova camisa do Flamengo segue o que reza o estatuto e é legitimamente rubro-negra. Mas apenas enquanto está sendo usada socialmente por seus torcedores. Quando em ação, no campo, o rubro-negrismo que luzia nas vitrines não resiste ao trabalho das glândulas sudoríparas de nossos craques e perebas. O mesmo suor que atesta o esforço dos jogadores no exercício de suas funções rouba da nova camisa o que ela tem de rubro, transformando-a em uma mera camisa negra.

Estou longe de ser um especialista, mas sei muito bem que cor é como o nosso cérebro interpreta os sinais eletro nervosos vindos do olho, resultantes da reemissão da luz vinda de um objeto que foi emitida por uma fonte luminosa por meio de ondas eletromagnéticas. Sei também que a cor não é um fenômeno físico, pode ser percebido diferentemente por diferentes pessoas, é um fenômeno fisiológico, de caráter subjetivo e individual.

Cor é assunto dos mais sérios. A mais antiga teoria sobre cores é de Aristóteles, que concluiu, muito erradamente, que as cores eram uma propriedade dos objetos. Assim como peso, material e textura, para o tutor de Alexandre Magno eles teriam cores. 2 mil anos depois Leonardo da Vinci se oporia a Aristóteles ao afirmar que a cor não era uma propriedade dos objetos, mas da luz. Mas, vocês sabem, Leonardo é Leonardo, me diz o doutor. Ele faz o que bem quer e está tudo bem. No século XVIII, Isaac Newton revolucionou o nosso entendimento sobre a luz e lançou seu revolucionário primeiro e único disco, um divisor de águas que faz sucesso até os dias de hoje. Mas não se diminua diante destes grandiosos vultos da ciência universal, ninguém precisa ser um especialista em cromatologia pra perceber que a adidas deu mole na concepção da nova camisa do Flamengo.

Repare que na opinião de alguns profissionais os ruídos provocados pelo novo Manto se devem ao uso de um vermelho “mais fechado”, às listas mais finas e à inscrição oculta nas listas vermelhas que acaba funcionando como uma retícula, e obscurecendo ainda mais a visão geral. Pela televisão então, o empastelamento é total, gerando a não muito agradável percepção de que o Flamengo está jogando com uma camisa bordô (Bordeaux), a cor do vinho, pouca coisa mais escura que o grená. Mas logo grená, adidas, uma cor tão esquisita, tão identificada com o lado errado?

Como se esse desvio das nossas tradições heráldicas já não fosse preocupante o suficiente, o novo Manto ainda apresenta uma novidade que não agradou aos designers e diretores de arte consultados: o diferente tom de vermelho usado nas listas dos ombros da camisa. Um vermelho vivo e chamativo, fazendo um gritante contraste com o vermelho escuro da camisa propriamente dita. O que confere ao Manto oficial uma inesperada aparência de artigo comercializado a preços populares nas imediações da Rua Uruguaiana. Nem se discute se a nova camisa do Flamengo é bonita, óbvio que é. Mas se pode discutir sua aparência suspeita.

Parece evidente que um recall do Manto Sagrado esteja fora de cogitação em função da complexidade logística que tal ação demandaria. Já vendeu camisa à vera. Contudo, ainda é possível que a adidas convoque seus designers de volta à prancheta para buscar uma melhor solução estética para o produto campeão de vendas da empresa no Brasil. A verdade, por mais dolorosa que seja, é que a nova camisa do Flamengo, sempre linda, tem um defeito e que este defeito, por envolver uma grave questão identitária, deveria ser consertado o mais rápido possível.

No seminal Histórias do Flamengo, Mario Filho nos conta a história de Ascânio Silva, fanático rubro-negro, cego de nascença, que frequentava as animadas resenhas na Superball, a loja de artigos esportivos dos Moreira Leite que era o ponto de encontro entre os boleiros cariocas desde os anos 40. Nos dias seguintes aos clássicos era fácil encontrar por lá o Ascânio, que acompanhava os jogos pelo rádio, debatendo lances da partida e assinalando impedimentos que nem mesmo o árbitro fora capaz de ver. Ascânio podia não ver, mas enxergava muito bem. E sabia que o Flamengo sempre foi, e sempre será, vermelho e preto.

Pra jogar carioquetas sem muita relevância, tudo bem. Ninguém vê mesmo. Mas não dá pro Flamengo seguir em sua jornada rumo a Tóquio jogando com uma camisa defeituosa em competições internacionais, que são a vitrine do Flamengo para o mundo. A adidas precisa tomar uma providência, que se não for provocada pelo clube tem que ser provocada pela torcida. O Flamengo não pode, até por questões religiosas, jogar com uma camisa que não pode ser encharcada de suor. Seria terrivelmente anti Flamengo. Essa é uma causa que tem toda pinta de já estar perdida, o que aumenta ainda mais meu entusiasmo em pugnar em sua defesa. Quando se luta pelo que é certo a vitória não é mais importante que a luta em si. E não existe nada que seja mais Flamengo do que isto.

Por Arthur Muhlenberg / República Paz e Amor

Coluna do Flamengo

Ver comentários

  • Quando a Adidias vai dar atenção ao Manto Rubro-negro como ela da a camisa do R. Madrid?

  • Sinceramente, achei a camisa muito bonita. Só não comprei pq não consigo pagar, se conseguisse comprava!

  • O tom de vermelho em toda camisa é um só. O problema é que nas faixas tem uns pontilhados pretos, alguns formam a palavra Mengo e outros apenas estão distribuídos uniformemente. Esses pontilhados, que não existem nas mangas, deixam a aparência mais escura. Não acho que a diferença de cor seja ruim, achei o uniforme até bonito, tem melhores claro. O que ficou feio mesmo é ver a camisa de perto e notar esses pontilhados. Isso sim é muito feio. Se fossem dois tons de vermelho seria muito melhor do que isso que a Adidas fez.

  • Esse é o Arthur, de SEMPRE. Parabéns pelo Tratado de Rubro negrismo!!!

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