Cláudio Sampaio: “Épico: como o Mengão, na base da raça, se tornou o Rei do Rio”

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Para conhecer os motivos de o Flamengo ser um gigante, as razões da paixão de sua torcida e da raça sempre cobrada nas arquibancadas, precisamos viajar na história.

Entre 1895 e 1911, o Flamengo foi somente um Clube de Regatas, que se notabilizou por feitos heroicos de seus remadores, especialmente em mar aberto.

Com a criação do Departamento de Esportes Terrestres, em 1911, iniciou-se nossa vitoriosa história futebolística, que reforçou o perfil de superação dos atletas rubro-negros e potencializou a simpatia dos cariocas pelo Clube, o qual, nos primeiros anos, sem um campo apropriado, tinha seus jogadores treinando na Praia do Russel, sob os olhares curiosos e já apaixonados de muitos populares.

Mesmo com quase nenhuma estrutura, o Flamengo abocanhou dois títulos cariocas na primeira década de seu futebol (1914 e 1915) e quatro títulos na segunda década (1920, 1921, 1925 e 1927), depois do que enfrentou um terrível jejum de doze anos sem conquistas, o que machucou o coração da velha guarda rubro-negra, principalmente porque, na época, não havia, para amenizar, sequer a disputa de campeonatos nacionais ou outros de expressão.

Após a fundação do Estádio da Gávea, em 1938, e a formação de um bom time, o Flamengo finalmente voltou a ser campeão, em 1939, já sob o comando do histórico técnico Flávio Costa e com os lendários Domingos da Guia, o “Divino”, e Leônidas da Silva, o “Diamante Negro” em seu elenco, o que voltou a inflamar a paixão de adolescentes e jovens pelo Clube.

No entanto, quando nada indicava que o Flamengo, já considerado “o mais querido do Brasil”, pudesse, tão cedo, iniciar uma hegemonia de títulos no Rio de Janeiro, o Clube conquistou os títulos de 1942 e 1943, empolgando ainda mais sua massa torcedora, que passou a sonhar com o tricampeonato, então inédito.

E a chance do título veio no ano seguinte, mas com um Flamengo que, apesar de contar com a famosa “linha média Biguá, Bria e Jaime” – exaltada por meu saudoso pai, então um jovem rubro-negro com 18 anos de idade – e com o cerebral meia Zizinho, estava enfraquecido por haver perdido dois craques da Seleção Brasileira: o grande artilheiro Perácio, convocado repentinamente para a 2ª Guerra Mundial, e o fantástico zagueiro Domingos da Guia, vendido ao Corinthians.

Pressentindo o pior, já que o Vasco vinha fazendo boas apresentações, liderado por Ademir Menezes, o “Queixada”, o técnico flamenguista, Flávio Costa, buscou uma inusitada solução caseira, convidando o atacante argentino Valido, que havia se retirado dos gramados e se tornado dono de uma tipografia na Capital Carioca, para jogar as duas partidas finais, contra Fluminense e Vasco, respectivamente.

Mas, mesmo com o retorno de um Valido valente, mas visivelmente fora de forma e com febre altíssima até a véspera do duelo com os cruzmaltinos, havia outros sérios problemas a superar, como o arisco ponta titular Vevé com fortes dores no joelho e o ótimo atacante Pirillo com orquite (inflamação aguda nos testículos). Enfim, era um cenário de quase terra arrasada, que mobilizou jogadores e comissão técnica.

Passada a boa goleada do Mengão sobre o Fluminense (6 a 1), chegou a finalíssima, em uma tarde de típicos 40 graus centígrados no Rio de Janeiro, no longínquo 29 de outubro de 1944, com a Gávea completamente lotada pela apaixonada massa rubro-negra, a qual, torcendo pela vitória, que era fundamental para a conquista do título, pois o Vasco tinha melhor campanha, se amontoava na íngreme arquibancada de cimento, recém-construída, e nos arredores do Estádio.

A boa notícia é que, mesmo aos trancos e barrancos, sob tratamentos caseiros e muita reza da torcida, o Flamengo conseguiu colocar em campo os importantes, mas baleados Vevé, Pirillo e Valido, os quais uniram forças com os demais gladiadores rubro-negros em um jogo parelho e de extrema intensidade, contra um Vasco bem postado taticamente e disposto a interromper a sequência de títulos do Flamengo, já com cheiro de hegemonia.

Mas, apesar das investidas rubro-negras e da raça demonstrada por seus jogadores em cada disputa de bola, o 0 a 0, fatal para o Flamengo, persistia no placar até os 41 minutos do 2º tempo, quando uma bola alçada na área encontrou o argentino Valido, o qual, usando o último lampejo de seu fôlego, subindo por trás do zagueiro rival Argemiro, cabeceou com vigor para as redes, levando ao delírio os mais de 20 mil torcedores presentes e o compositor-radialista Ary Barroso, flamenguista confesso, que abandonou o microfone e sua famosa gaitinha, para comemorar o gol com a multidão em vermelho e preto.

Assim se consolidou uma tradição de raça e de superação, assim ia ganhando força a história da “camisa que joga sozinha”, decantada anos depois por Nélson Rodrigues, assim começou a marca hegemônica do Flamengo, o qual, com justiça, entre suas muitas alcunhas elogiosas, é hoje conhecido como Rei do Rio.

Cláudio Sampaio
(Pele Rubro-Negra)
https://twitter.com/csampaio_pele?s=08

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