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“Bolha de Segurança”, busca de outros clubes e adaptação à nova realidade: Dr. Tannure explica detalhes do rigoroso protocolo do Flamengo

Por: Isabelle Costa

Pela sexta semana, o Flamengo realizou uma bateria de testes para o novo coronavírus nos jogadores, comissão técnicas e funcionários envolvidos no Departamento de Futebol. O clube Rubro-Negro divulgou o resultado dos testes nesta quarta-feira (24), sendo todos negativos para a COVID-19. Pioneiro na elaboração dos protocolos de segurança para a retomada dos treinos, o Flamengo se tornou referência por conta das medidas adotadas pelo Departamento Médico do clube, chefiado pelo médico Márcio Tannure.

Em entrevista exclusiva ao Coluna do Fla, o chefe do Departamento Médico do Flamengo esclareceu sobre o processo de elaboração do protocolo de prevenção chamado ‘Jogo Seguro’, que foi implantado no Ninho do Urubu. Inicialmente, o clube Rubro-Negro foi considerado precipitado por estimular a volta das atividades no Centro de Treinamento. O elenco profissional do Mais Querido retornou ao Ninho do Urubu no dia 18 de maio, para realizar exames para COVID-19 e retomar às atividades.

Em meio às duras críticas por parte da imprensa com a retomada dos treinamentos, o médico Márcio Tannure, que já faz parte do clube desde 2002, revelou que não esperava tamanha repercussão. No entanto, o chefe do Departamento Médico do Flamengo destacou a eficiência dos protocolos como ‘resposta’ para os julgamentos.

“Eu sou ser humano, óbvio que a gente está preparado para as críticas, sabia que elas iriam acontecer, porque eu sabia que o que a gente estava querendo e infelizmente essa situação polarizou e politizou. As pessoas estão vendo com esse foco e esquecendo das estratégias para o combate à doença, que no meu ponto de vista seria o mais inteligente e o mais necessário, mas, é óbvio que eu sinto. A gente fica chateado no sentido de que tudo que a gente fez, foi estudado, tudo tem um critério e motivo, embasado na ciência.”

Por conta do decreto emitido pela prefeitura do Rio de Janeiro, o Centro de Treinamento George Helal passou por uma inspeção sanitária nessa terça-feira (23). Além do Ninho do Urubu, os demais clubes tiveram suas instalações inspecionadas, no entanto, apenas o Flamengo não recebeu nenhuma notificação e teve todo o protocolo de segurança aprovado pelas autoridades municipais. Devido ao sucesso nas medidas que foram implantadas para a volta dos treinamentos, Márcio Tannure destacou a satisfação pelo reconhecimento do trabalho.

“Eu fiquei muito feliz, não tinha menor problema com a visita deles. Inclusive no início da visita eu conversei e deixei bem claro que eu gostaria que fosse pontuado tudo que a gente pudesse melhorar, para que a gente pudesse alcançar um nível de segurança melhor e maior. E é óbvio que não só esse exemplo, mas outros fatos vão começar a aparecer. E não é uma resposta, mas é importante porque valida o que a gente vinha fazendo.”



Confira uma parte da entrevista na íntegra: 

O Flamengo foi julgado como precipitado quando retomou as atividades de futebol, no Ninho. Você liderou a criação do protocolo de prevenção para que essa volta pudesse acontecer. Como foi o desenvolvimento e criação dessas medidas? 

Eu acho que todo mundo sabe que é uma doença nova, pegou todos de surpresa, ninguém planejava ou esperava por isso. No início tinha muito desentendimento, mas eu acho que agora a gente já consegue entender um pouco mais, mesmo que ainda não tenha todas as respostas. Mas quando tudo isso se iniciou, a gente começou a planejar não quando, diferente do que as pessoas dizem, a nossa preocupação era como a gente iria retornar. Até porque nós não sabíamos quando, mas o que a gente tinha certeza absoluta é que quando isso acontecesse, teria que ser de uma maneira diferente, com tudo que a gente estava vendo.

Nossa preocupação inicial foi entender de como isso seria. A partir de março eu comecei a trocar com outros médicos do Brasil e de fora, Europa, para entender as melhores práticas. A gente teve a experiência de outros países que começaram a se mobilizar antes, e quando tudo isso se iniciou, eu procurei e fiz todos os caminhos. Primeiramente eu conversei com a FERJ para entender como estava, como os clubes estavam mobilizados quanto à isso. A gente não sabia quando, mas a gente queria estar preparado para assim que fosse possível o retorno, a gente estivesse pronto. Isso era um compromisso nosso.

Eu procurei o presidente da comissão nacional dos médicos de futebol da CBF, doutor Pagura, e disse que a gente estava querendo voltar e ele mesmo falou “Tannure, você é louco”, porque eu disse isso em março. Ele me falou que achava isso louco, que não via a menor perspectiva, mas foi uma pessoa muito importante. Desde o início, se posicionou até de maneira não tão à favor, mas teve uma atitude muito correta. A gente começou em março, até liderado por ele. Criamos um grupo de estudo de futebol, com médicos da CBF, o grupo eram só cinco médicos, depois foi crescendo.

Cada dia é um conhecimento novo, precisávamos adaptar os protocolos. E a gente começou a debater sobre isso. Paralelamente, a gente criou a comissão de retorno da FERJ também. A gente começou a discutir com todos os médicos, para entender todo panorama, o desejo de cada clube. O protocolo que a gente fez não foi criado da noite para o dia, é humanamente impossível. Isso vinha sendo estudado há muito tempo, para no momento exato a gente conseguir implementar.

E como foi receber essas críticas, você como profissional da saúde e comandando a criação e execução desses protocolos? 

Eu também sou ser humano, então óbvio que a gente está preparado para as críticas, sabia que elas iriam acontecer, porque eu sabia que o que a gente estava querendo e infelizmente essa situação polarizou e politizou, então as pessoas estão vendo com esse foco e esquecendo das estratégias para o combate à doença, que no meu ponto de vista seria o mais inteligente e o mais necessário, mas, é óbvio que eu sinto. A gente fica chateado no sentido de que tudo que a gente fez, foi estudado, tudo tem um critério e motivo, embasado na ciência.

Hoje aqui no Brasil se a gente tem uma posição diferente do que estão dizendo que é a posição correta é o fim do mundo. E a gente simplesmente quis criar estratégias que fossem factíveis de serem realizadas e que a gente agora está tendo a certeza de que está dando certo. É óbvio que eu fico chateado porque em nenhum momento as pessoas que criticaram vieram até mim para entender o que estava sendo feito. Em todo momento a gente deixou claro que isso era público, que a gente gostaria de estar divulgando para quem quisesse, estar ajudando e sendo um case para esse retorno de outros clubes e de outros esportes.

A gente sabe que o futebol não é feito de maneira sozinha. Essa procura pela informação do que vinha sendo feito não aconteceu, pelo menos não aconteceu antes das críticas. As críticas vieram primeiro. E críticas pesadas, infundadas e até com cunho pessoal. Estou estudando isso há quatro meses, 24 horas por dia, sete dias por semana. Eu estava em ligações de madrugada, inclusive na reunião da FIFA que foi 3h da manhã para mim e terminou às 7h da manhã, noites virados e as pessoas criticarem isso. Mas a gente que trabalha no Flamengo tem que estar preparado para as críticas, eu sabia que elas viriam, não imaginava que seria de maneira tão intensa e forte. Mas uma vez que você entende seu propósito, fica mais fácil de carregar esse fardo. E sempre que eu achar que eu posso fazer algo pelas pessoas que estão ao meu redor, eu vou fazer independentemente do que as pessoas falem. Não à toa os números falam por si só.

Eu gosto sempre de avaliar os fatos e os dados. As pessoas podem concordar com o que você está fazendo ou não, isso são opiniões e pontos de vista. Mas quando você tem resultado clínico, o resultado fala por si só. Os resultados e números são incontestáveis. Mas eu fico feliz de os resultados estarem aparecendo, de as pessoas envolvidas, jogadores, comissão, funcionários e familiares fazem questão de agradecer, mandar mensagem. Eu acho que deveriam perguntar aos envolvidos, porque falam que a gente está expondo as pessoas, mas os atletas, familiares não foram escutados, seria interessante escutá-las para saber se em algum momento elas se sentiram desprotegidas, ou tendo um risco maior de exposição. 

A vigilância sanitária fez a inspeção sanitária nessa terça-feira, no Ninho do Urubu e o clube não recebeu nenhuma advertência e teve o protocolo aprovado, diferente dos demais clubes cariocas. Esta aprovação das medidas foi também uma resposta para as críticas que o Flamengo recebeu durante todo esse tempo e um reforço de que a equipe está pronta? 

A gente no Flamengo não quer dar resposta para quem criticou a gente, a gente quer dar exemplo para o futebol de que é possível, de que é viável voltar, desde que tenha um esforço, desde que tenha um investimento mínimo necessário para esse retorno. A gente vive uma situação diferente do que a gente entendia desde o início. A gente entendeu que precisava criar mecanismos para conviver com isso. Então eu não vejo como uma resposta, eu gostaria muito que fosse exemplo, não estamos querendo responder as críticas porque os resultados têm mostrado que a gente tomou as medidas certas nesse momento. Eu fiquei muito feliz, não tinha menor problema com a visita deles. Inclusive no início da visita eu conversei e deixei bem claro que eu gostaria que fosse pontuado tudo que a gente pudesse melhorar, para que a gente pudesse alcançar um nível de segurança melhor e maior. E é óbvio que não só esse exemplo, mas outros fatos vão começar a aparecer. E não é uma resposta, mas é importante porque valida o que a gente vinha fazendo. 

Nos centros de treinamento de outros três grandes do Rio, foram apontadas irregularidades. O Flamengo está disposto ou pretende ajudá-los a cumprir as carências, se necessário?

A gente sabe que a maioria dos clubes aqui do Rio não tem a condição que o Flamengo tem, não se estruturou e se preparou como o Flamengo, mas ao mesmo tempo a gente sabe que o futebol ninguém joga sozinho. E o Flamengo em todos os momentos teve essa preocupação, tanto é que foi combinado que a federação arcaria com todas as despesas na volta aos treinamentos e jogos, e o Flamengo desde o início tem arcado com todos os seus exames, por conta própria, para que a federação tivesse mais condições de atender os times menores.

Me prontifiquei a ajudar no que for preciso para os chefes do Departamento Médico de outros clubes, alguns relataram que estavam tendo dificuldades com termômetro infravermelho, outras coisas e eu até forneci para alguns deles, através do Flamengo. A gente conseguiu um convênio com uma rede de hospital privada para que algum jogador que tivesse problema com isso e não tivesse condições, não tivesse plano de saúde, a gente conseguisse atender sem custos para esse clube. Então a gente negociou também um valor diferenciado para os exames através do Flamengo.

O Flamengo tem se colocado a disposição de todos que querem ajuda. E temos mobilizado todos os clubes para que a gente pudesse atuar em união. Temos que parabenizar também o presidente Rodolfo Landim e a diretoria, que desde o início pediram para que a gente criasse o melhor possível para preservar a segurança dos atletas, funcionários e familiares envolvidos e não me negaram nenhum recurso. A gente sabe que não está entrando nenhuma receita para o clube, mas eles não pouparam nenhum investimento para que a gente pudesse estar realizando toda essa estrutura e trazendo toda segurança. 

Inicialmente, o Flamengo teve nove jogadores contaminados com coronavírus, mas depois conseguiu zerar casos entre comissão técnica e atletas. Pode se dizer que foi criada uma “bolha de proteção”?

Tudo que foi realizado aqui foi por experiências que a gente procurou, porque a gente procurou as experiências bem sucedidas. O futebol foi o primeiro segmento a voltar em todos os países pós pandemia, então a gente não acelerou nada. Se você for ver a data que parou o campeonato inglês, que foi parado o campeonato espanhol, e a data que eles voltaram, todos eles paralisaram por um tempo menor que o nosso, então ninguém acelerou nada aqui. E por outro lado, a gente já tinha muita experiência com o que eles vinham fazendo para implantar aqui, só que de maneira diferente. Então antes da gente voltar, entendeu o que era o mais importante, testar todo mundo muito antes da gente saber quando voltaria. A gente entendeu o que era nossa população na verdade, com quem a gente estava lidando, quantos contaminados, quantos imunes, como estava se distribuindo entre comissão, funcionários, familiares, para aí sim criarmos as melhores estratégias. Foi um grande diferencial.

E depois esse sistema, “bubble to bubble”, com todas as informações, com testagem em massa, após esse período de casos positivos, quarentena, quando conseguimos zerar tudo e implementar as medidas de segurança dentro da casa deles também, a gente começou a considerar a casa um ambiente seguro. Então esse conceito de “bubble to bubble”, o atleta saía de uma bolha de segurança que é a casa dele, ia para o carro direto, ia para para outra bolha de segurança que é o CT.  Tudo o que foi feito foi estudado, planejado e aperfeiçoado.

A gente não tem a menor dúvida que até criar uma vacina ou cura definitiva, vão ter jogadores e comissão vão se contaminar, a gente até imaginava para ser honesto que poderia estar cada semana um, da comissão, jogadores, e a gente até usaria esse período para estar isolando e cuidando. Mas a gente conseguiu criar uma bolha de segurança tão boa que isso não aconteceu. Antes da gente criar essa bolha de segurança, tivemos funcionários que estavam em suas casas e tiveram a doença, com gravidade, tiveram que ser internados, têm funcionários que estão internados até hoje. Teve um funcionário muito querido que veio à óbito, e é difícil, mas eu até me questiono, eu tinha uma relação muito próxima, de gostaria de ter criado essa bolha de segurança e quem sabe talvez (ter salvo).

Sou muito convicto do que acredito na parte médica, porque foi tudo muito estudado. Ou vocês acham que sabendo das críticas que a gente poderia ter, tudo que estava envolvido, iria aceitar ou incentivar um retorno se eu não tivesse uma segurança muito grande do que a gente estivesse fazendo? Óbvio que não, porque eu sabia que minha carreira estava em jogo, mas a gente sabia que era necessário e estava seguro. Qual é o fato que justifica todas essas críticas? Qual foi o caso que foi relatado? Então acho que a gente tem que analisar dados, números e fatos. 

O protocolo do Flamengo se tornou uma referência no cenário brasileiro. A comissão do Santos revelou que buscou o Flamengo em busca de informações. Além deles, mais algum outro clube procurou vocês?

Vários clubes procuraram, ligas, confederações de outros esportes. A gente não está preocupado em voltar só o Flamengo, a gente está preocupado em levar essa informação e esse aprendizado adiante. A gente quer dar uma contribuição para o futebol, sociedade. Todos que me procurarem, eu vou ter o maior prazer de passar o que a gente vem fazendo, para eles usarem como ideia. Eu sou à favor dessa troca. Eu acho que a gente criou um bom modelo, e acho que a informação só é válida quando é passada adiante. Então está tendo essa procura sim, o que me deixa feliz, mesmo com as críticas, dá força e combustível para seguir adiante. 

Contra o Bangu, jogadores do Fla demonstraram bom preparo físico no retorno. Qual a sua parcela de interferência nisso? Houve alguma recomendação ou cuidado especial na parte clínica?

Quando nos deparamos com essa pandemia, a gente tentou fazer um gerenciamento da crise. Então tentamos implantar medidas que diminuíssem o impacto negativo disso, a gente sabia que não ia impedir todo o impacto. O Flamengo se preparou para isso, tem uma estrutura muito boa, e a gente tem um grupo de atletas o que ajuda muito em situações como essa. Através do Departamento Físico, a gente criou planilhas de treinamento, que lançávamos semanalmente por um aplicativo, o COACH ID, que a gente acompanha as cargas de trabalho, relatórios de bem-estar, sono. Os atletas que estavam no Rio não tinham o mínimo de estrutura em casa, montamos uma mini-academia na casa de cada um. Quando eles chegaram, se apresentaram com uma condição física melhor do que na volta das férias, na pré-temporada, o que facilitou muito. E a gente também tinha uma preocupação muito grande no impacto psico-social dos atletas, que é um dos principais impactos das quarentenas.

Quando a gente criou isso, a gente acreditava, e hoje temos certeza, que estávamos promovendo saúde. E a gente sabe que os jogadores têm casos de depressão quando param, porque a gente sabe que o jogador vive uma cobrança muito grande, então ter essa pressão não é saudável. Uma das questões que estou falando aqui em primeira mão é que estudamos muito essa parte psico-social, porque vimos o grau de ansiedade de todos eles. A gente achava que eles estando aqui com a gente, traríamos também a informação. Porque a gente viu naquele momento que as pessoas estavam inundadas de informação, e criou-se um pânico muito grande. Então a gente queria o quanto antes (voltar), porque sabíamos que aqui seria um ambiente em que tiraríamos dúvidas deles, de uma notícia na TV, de um familiar com sintoma.

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