Marcos Vinicius: “Para bom entendedor, meio Renato basta”

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FOTO: ALEXANDRE VIDAL/ FLAMENGO

Por Marcos Vinicius Cabral

Discordo quando algum atleta profissional de futebol diz que não tem time. Ora, se até o Papa Francisco, principal autoridade da igreja católica, é torcedor fanático do San Lorenzo-ARG, por que jogador não teria? Lógico que tem!

Mas existem aqueles que vão além disso e depois de jogarem pelo time em que viveram um contrato bilateral de união e foram felizes enquanto durou essa paixão avassaladora nessa relação, viram técnico e sonham em um dia treinarem o clube em que eram tratados como ídolos e endeusados pelos torcedores.

Renato é um deles e nunca escondeu que torce para um time, aliás, dois: Grêmio e Flamengo!

Nascido em Guaporé, localizado na serra gaúcha, Renato deu as primeiras entortadas nos adversários ainda jovem no Clube Esportivo do Rio Grande do Sul, antes de entortar os alemães do Hamburgo na final do Mundial Interclubes e assim, com os dois gols marcados, alcançar a fama naquele dezembro de 1983, com apenas 20 anos.

Dotado de uma forma física invejável, Renato era um ponta arisco, inteligente, raçudo e que lembrava muito um cavalo de Clydesdale – raça originária da Escócia, que é forte, ativo e de temperamento disposto e equilibrado – quando desembarcou com a marra peculiar escondida por trás dos óculos escuros Ray-Ban à lá Marion Cobretti, personagem do filme Cobra, de 1986, interpretado pelo ator Sylvester Stallone, 75 anos, no Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, para jogar no Flamengo, em 1987 e disputar a Copa União, considerada o Brasileirão daquele ano.

Sucesso nas quatro linhas com os meiões arriados e fora delas vaidoso ao extremo, Renato vivia o paraíso e tinha o que os médicos veterinários chamam de reflexo de flehmen – movimentos do cavalo que significam um sorriso para sentir melhor os cheiros das fêmeas – e assim poder conquistar os corações das mais belas mulheres do país à época.

Em um time que contava com Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Ailton e Zico; Bebeto e Zinho, virou símbolo, ainda mais quando em pleno Mineirão fez o terceiro gol na vitória sobre o Atlético-MG, classificando a equipe comandada pelo técnico Carlinhos (1937-2015) à final contra o Inter-RS. O final do roteiro dessa história todo mundo conhece.


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Mas se o tempo avoou, constam quatro passagens de Renato Gaúcho pelo Rubro-Negro nos anos de 1987, 1990, 1993 e 1998, em que suou por cada vitória, sofreu pelas inevitáveis derrotas, saiu no pau com Djalminha em um Fla-Flu no Caio Martins, em Niterói, entortou adversários e personificou Garrincha (com todo respeito ao gênio das pernas tortas) com a camisa 7. Ironicamente, virou o Rei do Rio não quando desfilava pelo calcadão de Copacabana com seu Escort XR-3 conversível como ídolo do Clube de Regatas do Flamengo, mas sim quando marcou de barriga o gol do título do Campeonato Carioca de 1995 pelo Fluminense contra o time que ele jurou amor eterno.
Mas Renato Gaúcho sai de campo e dá lugar a um outro Renato, o Portaluppi, que volta ao clube 23 anos depois para realizar um antigo sonho: ser treinador do Flamengo!

Mas para chegar até aqui, Renato Portaluppi ralou um pouco e “Não deu migué“, como diz a gíria dos boleiros.

No começo, se desdobrou como jogador-treinador em duas partidas do Fluminense na luta contra o rebaixamento, em 1996, e já com as chuteiras penduradas, iniciou a carreira de treinador no Madureira, permanecendo no Tricolor Suburbano por dois anos, ganhando musculatura na nova função.

No Fluminense, onde chegou em 2002, aos 40 anos, teve passagens inexpressivas até então, mas conseguiu na segunda passagem pelas Laranjeiras, chegar às finais da Copa do Brasil em 2007 (um ano antes havia sido vice-campeão com o Vasco ao perder para o Flamengo no Maracanã e em 2008 acabaria rebaixado para a série B do Campeonato Brasileiro com o time de São Januário) e ao vencer o Figueirense por 1 a 0 no Estádio Orlando Scarpelli, levantar seu primeiro título na carreira.

Com a conquista da Copa do Brasil, o Flu garantiu uma vaga para a Copa Libertadores da América de 2008, a primeira oportunidade de Renato Portaluppi disputar a competição como treinador. Os tricolores não esquecem até hoje as noites de 21 de maio e 04 de junho, quando os comandados de Renato Portaluppi obtiveram épicas vitórias por 3 a 1 sobre o São Paulo de Muricy Ramalho e o mesmo placar nas semifinais contra o Boca Juniors no Maracanã, respectivamente.

Palco preparado e tudo pronto para a consagração de Renato Portaluppi, só esqueceram de avisar a LDU Quito do Equador, que inflamados pela declaração “Se vencermos a Libertadores, vamos brincar no Brasileiro“, dada pelo treinador Tricolor ao repórter Márcio Iannacca, do Globo Esporte, enfrentou um profissional à beira de campo confiante na vitória com 78.918 tricolores presentes nas arquibancadas que embarcaram nessa canoa furada.

Resultado: vitória por 3 a 1 (três gols de Thiago Neves) no tempo normal e como empataram em 5 a 5 no agregado, nos pênaltis brilhou o goleiro Cevallos, que defendeu as cobranças de Conca, Thiago Neves e Washington. A festa virou uma eterna frustação que a torcida carrega até hoje. Dirigiu por mais duas vezes o Fluminense, em 2009 e 2013, mas sem nenhum bônus para o clube.

Comandou também o Bahia, Athletico Paranaense e o Grêmio, este em três oportunidades, sendo que na mais recente conquistou a Copa do Brasil em 2016, Recopa Sul-Americana em 2018, Recopa Gaúcha em 2019, Campeonato Gaúcho de 2018, 2019 e 2020 e o tão sonhado título da Libertadores em 2017 com duas vitórias sobre o Lanús-ARG, mas acabou, no gol de Cristiano Ronaldo, sendo derrotado por 1 a 0 pelo fortíssimo Real Madrid na decisão do Mundial.

Tamanha façanha, no entanto, Renato Portaluppi havia conseguido ao se tornar o único técnico no país a ser campeão da Libertadores como jogador (1983) e treinador (2017), ambas pelo Grêmio. Além disso, teve recordes batidos, estátua inaugurada e em abril deste ano, após a eliminação na terceira fase da Libertadores para o Independiente del Valle-EQU, o treinador chegou à conclusão que seu sangue não era mais azul e que seu ciclo havia chegado ao fim. Pediu demissão e foi embora do clube gaúcho.

Livre, desimpedido e curtindo férias no Rio, Renato, não era nem o Gaúcho e tampouco o Portaluppi, era apenas o Renato e se dividia entre o futevôlei na Praia de Ipanema, na Zona Sul da cidade, e os ruídos da (possível) demissão de Rogério Ceni, nesse mercado voraz em que a dança das cadeiras dos treinadores do futebol brasileiro roda mais que o Roletrando de Silvio Santos.
Rogério Ceni que o diga, pois foi demitido na madrugada de domingo, às vésperas do confronto contra a Chapecoense, pela 11ª rodada do Campeonato Brasileiro e em seu lugar foi contratado Renato Portaluppi que tem boas chances em ter seu vínculo estendido no caso de reeleição do presidente Rodolfo Landim nas eleições no fim do ano.
O Renato do futevôlei com os amigos nas praias cariocas, troca de papéis e sai de cena com o Renato Gaúcho, ídolo inquestionável do clube e passa a ser o Renato Portaluppi, técnico de futebol.

Logo de cara, na estreia, uma vitória apertada contra o Deportivo Defensa y Justicia por 1 a 0, na casa deles, na estreia na Libertadores e em casa (no estádio Mané Garrincha), em Brasília, um 4 a 1, uma semana depois.

No Campeonato Brasileiro, dois ótimos resultados: um 5 a 0 contra o Bahia, em Salvador e um 5 a 1 no São Paulo, no Maracanã, e de quebra, o fim de um jejum sem vitórias contra os Tricolores paulistas que perdurava há 4 anos.

Mas os Renatos, tanto o Gaúcho quanto o Portaluppi, têm em comum, a vontade de não serem esquecidos na história, como o time de 87. Todavia, Renato Portaluppi quer ir mais longe do que foram três dos 11 titulares daquele maravilhoso Flamengo de 1987: o ex-latetal Jorginho, que comandou a equipe rubro-negra no Brasileirão de 2013 e em 14 jogos, conseguiu 7 vitórias, 4 empates e 3 derrotas; o ex-zagueiro Edinho, que comandou o Mais Querido nos anos de 1994 e 1995 e venceu 8 partidas, empatou 5 e perdeu 9, em 22 jogos; e o ex-volante Andrade, que com Petković e Adriano no elenco, conquistou o Campeonato Brasileiro de 2009 – título que não conquistava desde 1992 – e obteve 40 vitórias, 23 empates e 16 derrotas.

E se levarmos em consideração esse começo de trabalho no comando do Flamengo na Libertadores e no Brasileirão, Renato Portaluppi tem tudo para ir longe e fazer história.

Assim como já fez nesse 29 de julho de 2021, pela Copa do Brasil, na goleada sobre o ABC-RN por 6 a 0, o que torna a vitória do time comandado por ele especial, já que a data coincide com a primeira vez de Zico, ídolo maior de clube, que em um 29 de julho de 1971, estreava nos profissionais contra o Vasco.

Os números ajudam, o ambiente é bom, os jogadores conquistam e reconquistam a confiança em campo. Já a torcida – que é maior que jogadores, conquistas, títulos e ídolos – espera que Renato Portaluppi seja tão bom à beira de campo como o Renato Gaúcho foi dentro dele.

Por: Marcos Vinicius
Twitter: @ViniciusCharges


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  • Lindo texto!
    (1995) ganhou o Carioca e não o Brasileiro.
    Só comentei pra correção desse mínimo detalhe.

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