Aquele foi o melhor dos Fla-Flus, aquele foi o pior dos Fla-Flus. Foi um Fla-Flu em que a bola sofreu, foi um Fla-Flu de cinco gols. Foi um Fla-Flu de gols de pelada, foi o Fla-Flu com sabor de amadorismo. Foi o Fla-Flu do retorno ao Maracanã, foi o Fla-Flu da perenidade de um jogo que é sempre maior quando está dentro de sua órbita natural, o Maracanã ou Maracarena.
Flamengo e Fluminense se debateram numa partida de baixo nível técnico, absolutamente caótica, que começou com o domínio ineficaz rubro-negro, passou pela lendária jararaquice tricolor (fazendo um gol traiçoeiro quando mais parecia vulnerável). O futebol não prima pela lógica, clássicos são ainda mais imprevisíveis, mas o Fla-Flu estava demais. Ou não, uma vez que a falha de Wallace é até certo ponto prevista, e Rafael Sóbis não costuma estar de bobeira.
O mais estranho, contudo, é um time campeão brasileiro que manteve sua base ser envolvido por esse limitadíssimo Flamengo, que conquistou recentemente o bicampeonato mundial numa peça publicitária digna de Terceira Divisão, impensada, nada empolgante e com um texto fraquíssimo. Incrível como uma diretoria de profissionais que tem empresários de Comunicação permite aquele erro.
Se há necessidade de profecias, esqueçamos os publicitários: melhor abrir a Bíblia Sagrada no Evangelho de Marcos, capítulo 9:12: “E ele lhes respondeu, dizendo: Em verdade Elias virá primeiro, e todas as coisas restaurará.”
E foi no gol do brilhante volante rubro-negro, que aos poucos ganha o apelido de Oásis, que a ordem das coisas fez mais sentido. O profeta Elias saiu na cara de Diego Cavalieri, acompanhado pela marcação hesitante de Digão, o Brecador, que parecia correr com o freio de mão puxado, apenas para ter uma melhor visão do chute.
Ao fim do primeiro tempo, vi o Fluminense de Vanderlei Luxemburgo retornar ao bom e velho muricibol. Chovia forte na defesa do Flamengo, e Felipe se mostrava cada vez menos confiável, mas os atacantes tricolores não souberam se aproveitar do mau tempo.
O time tricolor não concatenava suas ações: parecia um mosaico de parcialidades que jamais se encontravam, um coletivo disperso de ideias vagas sobre a função lúdica do futebol, esboçando em campo um manifesto contra a cultura resultadista que privilegia de forma exageradamente o conceito de vitória em nossa sociedade de vícios capitalistas.
Mas a tarde era dos gols de pelada. Não, não me convenço do drible de Leo Moura: a caneta aplicada não foi uma pilot grosseira, ainda que tenha desenhado a letra H de Hernane, o Brocador, o especialista do toque só. Não me surpreende a letra de Hernane: com a bola, o centroavante rubro-negro não é muito bom de diálogos, mas é elogiável nas frases de efeito. Seu toque final foi isso.
Se notei Fred, foi quando o atacante da Seleção Brasileira capou a bola que, após certo pinball, sobrou para o chute todo errado de Hernane e migrou em velocidade de procissão para as redes de Cavalieri. Uma pintura naif, um gol feio, bobo, ridículo, mas que consolidou a vitória rubro-negra no Fla-Flu.
A tarde terminou com aquilo que Felipe prometia já havia algum tempo, embora eu não considere aquele gol de Sóbis um frango, nem um azar. Para mim Felipe deu a grande sorte: uma vez que era certo que falharia – fez coisas muito piores ao longo da partida – ao menos falhou na hora certa e no momento certo do placar.
O que o Fla-Flu deixa como debate é essa intermitência do Flamengo, capaz de dominar Atléticos Mineiros, entregar o ouro a Portuguesas e ainda bater o campeão brasileiro. Para o Flu, mostra que o time de Luxemburgo ainda vai demorar muito para ter algo que se pareça a estilo tático – a não ser que se chame “estratégia” aquele jeito de jogar feio que deu certo no ano passado Deus sabe como.
Pelo menos o Fla-Flu voltou ao Maracanã. O Fla-Flu no Maracanã é a única tradição milenar dos cariocas. Que nunca mais saia de lá.
Fonte: Blog do Márvio dos Anjos