Postado em: 3 de mar de 2013.
O calor do verão carioca marca presença numa tarde de fevereiro no CFZ, no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. No prédio principal, taças e fotos de momentos gloriosos do clube fundado por Zico em 1996. Hoje, a sede serve como base para o maio ídolo da história do Flamengo, prestes a completar 60 anos. Entre o vaivém de jovens ainda com o suor no rosto após uma partida nos campos do clube, Zico aparece.
Em forma para seus 59 anos, desce as escadas do CFZ com facilidade, sorrindo. Acabara de sair de uma reunião. Ao caminhar para o local da entrevista, realizada também em vídeo, o Galinho reconhece o cinegrafista Cristóvão Brito. De imediato, começa uma série de brincadeiras. Senta-se na cadeira e, enquanto é preparado com o microfone, diz para o câmera, com um sorriso escancarado: “Toda vez que você em aqui me ver é algo diferente. Não é aquela mesmice”, diz Zico para, em seguida, começar a gargalhar. E tem razão. O Galinho é diferente. Cercado de homenagens na véspera do seu aniversário de seis décadas de vida, está leve. A mágoa com a saída conturbada do seu Flamengo, em 2010, parece ter ido embora. Mas está, também, cansado e viajar pelo mundo. Arthur Antunes Coimbra, agora, busca ficar mais em casa, com a família. Como vai fazer hoje. Há exatos 60 anos, Zico nascia na casa sete da rua Lucinda Barbosa, em Quintino. Cidadão do mundo, o Galo quer mesmo o aconchego do lar. Mas no festival de nostalgia com os 60 anos, ainda pensa no futuro do Flamengo. “Quero que a Gávea rejuvenesça”, disse o ídolo. Em um longo papo com, Zico mostrou como analisa o futebol atual, elogiou Neymar, mostrou admiração por Paulinho e contou como volta e meia tem de voltar a e vestir o uniforme inteiro do Flamengo pelos netos, por quem “faz tudo”. Confira o papo abaixo. Prestes a completar 60 anos, quais pensamentos têm passado pela cabeça? Tenho pensado que valeu a pena tudo aquilo que eu fiz, toda a dedicação que eu tive ao escolher ser jogador de futebol. Tive momentos agradáveis, momentos difíceis, de superação. No saldo deu para ser aprovado com 5,1. Na minha época não era assim. Hoje em dia não faz nem prova final se tirar 7. Na minha época tinha de fazer (risos). Acho que passei nas provas, foi a escolha que fiz para ser um jogador de futebol. Lógico que um filme vem, começo agora a lembrar de tudo daquilo, do início, do que aconteceu, relembra muita coisa. As pessoas trazem muita coisa das pessoas e tocam no assunto. Isso é legal. A viagem no tempo tem sido boa. Como era a infância em Quintino? Era uma vida que a gente não pôde dar aos nossos filhos. Total liberdade no meio da rua, se divertir, brincar, sabendo que não tem perigo. Jogar bola, soltar pipa, jogar bola de gude. Uma série de coisas que ajudam no desenvolvimento do cérebro, a tomar decisões no meio da rua sozinho. Apesar de eu ser caçula, paparicado, meus irmãos não podiam estar sempre comigo. Eu tinha de resolver ali. É onde você adquire personalidade, toma iniciativa. Foi uma infância muito saudável, gostosa, de poder viver uma bela vida no subúrbio. Lembra ainda das peladas de rua na quadra da rua Lucinda Barbosa? Nós tínhamos um campinho de rua que hoje é uma oficina. A gente jogava ali. Em volta tinham outros campos, outros locais para se jogar bola. O que não faltava era campo de futebol para se jogar lá. E eu era muito requisitado porque garoto pequeno, bom de bola, todo mundo chamava. Jogava no time de todas as ruas ali. Sábado e domingo a minha mãe só me via no final da tarde. Falta isso aos jogadores de hoje, da geração do Neymar? Pelo que ele (Neymar) faz, ele deve ter saído da pelada. É aquela coisa de contato com a bola o dia inteiro. Sabe onde ela vai quicar, para que lado ela vai. O que fico vendo hoje o pessoal reclamando de campos e tal…o Fluminense foi jogar na Venezuela e só falavam de campo, que era ruim, não podia jogar. Os caras nunca jogaram pelada de rua? Está certo, é a Libertadores, mas pô….não vai ter dificuldade para quem sabe jogar bola. Ela vai bater lá, você sabe que ela vai voltar e tal. Nós jogamos com a seleção brasileira uma eliminatória de Copa lá na Venezuela, acho que foi naquele campo mesmo e ganhamos de 1 a 0 em 81, se não me engano. Estava muito pior, nem grama tinha. Na Venezuela não tinha futebol. Mas por conta do campo tivemos dificuldade, para marcar. No Paraguai também o Defensores Del Chaco era um charco, horrível. O que está aí é tudo Maracanã perto do que a gente jogava nesses campos. Mas quem jogou pelada de rua, fez tabelinha com a parede, com o meio-fio, no carecão, descalço, sabe onde a bola vai quicar, para que lado vai. Falta nessa garotada isso. Jogar pelada na rua (risos). Como acompanhou esse movimento pelos seus 60 anos? Eu acho que é uma gratidão por entenderem tudo aquilo que representei e procurei fazer pelo Flamengo e por ser ainda meu clube do coração. Acho que tudo que aconteceu nessa minha volta, tentar ajudar mais uma vez fora do campo, as coisas que aconteceram ali dentro…..acho que machucou muito mais o torcedor. Me machucou. Mas acho que ainda mais o torcedor pelos comentários que a gente tem a possibilidade de ver por causa da facilidade das redes sociais, as pessoas interagem mais. Lógico que o torcedor saiu machucado. Ele sentiu na pele, principalmente aqueles que vivenciaram todo o período em que estive no clube. Então acho que isso partiu muito em função disso, acho que aumentou. O movimento poderia ter sido nos 40, nos 50, mas acho que, por ter tido esse problema, motivou mais o pessoal a fazer esse tipo de homenagem. Você chegou a dizer em entrevistas que nem acompanhava o Flamengo mais depois. Isso passou?
Saí chateado com pessoas, não com o clube, com o Flamengo. Uma pena que aquelas pessoas que estavam lá representavam o Flamengo. Mal, mas representavam. A gente tem de passar por cima disso. No momento em que essas pessoas se afastam, aliás ainda faltam alguns para se afastar, muda tudo. O ambiente muda. O clube Flamengo sempre esteve e sempre vai estar no meu coração, na minha família. O que tiver de fazer pelo Flamengo e estiver ao meu alcance, vou fazer. A nova diretoria tinha esse pensamento, queria fazer uma campanha e topei. Já fiz outras campanhas, até para a esse pessoal que estava lá. Imagina agora para um grupo que eu apoiei e acredito? Ao voltar à Gávea, você sente que os ares mudaram no clube? Sinto e quero sentir mais. Quero que a Gávea rejuvenesça. Ela precisa dar uma melhorada, rejuvenescida em todos os sentidos. Você precisa trazer de volta o sócio para dentro do clube, oferecer melhores instalações. Não só trazer o sócio para tirar proveito dele. Tem de trazer o sócio dando condições para ele estar satisfeito em frequentar o Flamengo, estar feliz, levar seus filhos para fazer a sua natação, a sua ginástica, o seu futebol. Espero que essa administração consiga isso, trazer de volta essa paixão. Na minha época o Flamengo tinha suas dificuldades, mas era um clube aberto, sempre cheio. Você ia em qualquer lugar do clube e era muito frequentado. Você pode oferecer mais coisas aos associados. Em relação à estátua na Gávea, qual o motivo de ter sido contra inicialmente? Justamente por causa desse apoio que eu dei. Podem querer dar outra conotação, quando não tem nada a ver uma coisa com a outra. Tem gente que sempre vai para o lado ruim. Desde o momento em que o Kashima fez isso no Japão começaram a surgir uns membros de torcedores essa questão: ‘Tem de fazer no Flamengo também!’. Foi na primeira apresentação deste grupo, no Leblon. Eles estavam falando e um levantou e disse “tem de fazer a estátua dele”. O Wallim (candidato à presidência à época e atual vice de futebol) respondeu: “vai ser a primeira providência!”. Coisas assim sempre vêm do torcedor. É o que eu respeito. Meu respeito maior é sempre pelo torcedor. Fora do Flamengo, como é o Zico avô? Avô babão, que faz tudo por eles, quer estar sempre com eles. O que eles querem fazer, faço junto. Agora procuro me cuidar para estar melhor. Tem horas em que o neto quer que você jogue bola, mergulhe na piscina, faça avião, bote na garupa, ande de bicileta…e tem de fazer. Querem que vista uniforme igual, com meia, camisa, calção. Então vou jogar bola todo uniformizado. Aí entra em campo, tira foto, faz aquecimento, joga água no rosto, faz tudo igual (risos). Tem de fazer. Para os meus netos, tudo. Vou fazer tudo para eles. Algumas coisas deixei de fazer pelos meus filhos pelo fato de não poder estar com eles, longe de casa. Festas na escola e eu concentrado, viajando. Então quero estar presente em tudo agora com eles. Chegou o momento de permanecer mais no Brasil, sem tantas viagens? Agora com a família estabilizada, todo mundo aqui, você quer abraçar todo mundo junto. Você está com cinco netos dentro da sua casa, seus filhos, suas noras, sua mulher…isso é uma dádiva de Deus. Não abro mão de mais nada para ficar com eles. E os filhos já sabem e exploram um poquinho, né? (Risos) Achando que estão explorando e não estão, não. Como o Zico acompanha futebol atualmente? Da mesma forma que acompanhava. Vejo os jogos que posso. Tomo meu café de manhã, leio os jornais, sei de tudo que está acontecendo, vejo programas. Ainda mais porque tenho o meu programa na tv, acompanho e gosto da Champions League. Gosto de futebol, de ver futebol. Vai ter uma entrevista aqui, vão perguntar e tenho de saber o que está acontecendo. Procuro estar em dia. Como foi o seu apoio à Chapa Azul, que acabou eleita no Flamengo? Converso muito com o pessoal. A gente conversou muito antes deles assumirem, tivemos reuniões, coloquei alguns pontos que achava importante. A gente sabia dos problemas que eles iam ter. Problemas econômicos, dificuldades de contratação e tal. Uma das coisas que coloquei para eles foi que o time do Flamengo, apesar de não ser Milan, Barcelona ou Real Madrid, tem bons jogadores, um bom plantel, bons jovens. Era importante que a diretoria conversasse com eles e explicasse um problema: atraso de salário. Isso é fundamental para qualquer profissional. Se o profissional acredita em você, você fala claramente, tenta resolver e colocar em dia a parte financeira. Futebol hoje está voltado para isso. Não existe identificação com o clube. O jogador não quer saber, quer o dele todo mês e pronto. Conseguiu resolver isso? Você vai ter gente treinando satisfeito, indo ao clube satisfeito e você vai ter condições de cobrar e o cara não falar nada. Futebol tem direitos e deveres. Para cumprir deveres, ele tem de ter os seus direitos. Se conseguissem fazer isso iam ter um time com os mesmos jogadores e entusiasmo diferente. O que a gente nota hoje é isso, as pessoas que estão lá dentro. A diferença do comportamento dos mesmos jogadores no treinamento. A alegria com que eles estão indo para lá, indo para o campo mais unidos, solidários. E os resultados estão aparecendo. Acho que eles conseguiram com quem os jogadores acreditassem na mensagem que eles estão passando lá. O Flamengo tem condições de voltar a ser o mesmo de sua época, campeão mundial, com respeito em todo mundo?
Você tem condições desde o momento que você se reestrutura e tem verba para poder investir. Acredito que vão ter um período para sanar as coisas e depois fazer investimento. Futebol você contrata um jogador e no dia seguinte ele pode estar machucado. O Corinthians provou aí. Não contratou superastro, mas contratou um grande plantel. Conseguiu a Libertadores e o Mundial. mas você vê qual o jogador do Corinthians que foi para a seleção brasileira? O Paulinho. É um jogador importante. Tive a oportunidade de dizer isso para ele. Você é um cara que vamos falar muito de você. Mudou a característica do meia-direita. Graças a você hoje todo mundo tem meio-de-campo que chega, que aparece, que faz gol, que marca. Se não aparecesse ia fazer aquele negócio de dois volantes que marcam, os laterais que saem e meio de campo só para marcar, cão de guarda. A grande novidade para o futebol brasileiro foi o Paulinho. Futebol hoje com o nome não se ganha mais, não .Tem de se preparar, se alimentar e qualquer jogo pode ser duro. São conselhos assim que você dá ao Rafinha? Ele diz que fala sempre com você, ouve suas ideias…. Sei de onde ele veio, o que ele fez, o potencial dele. A gente o via com 14 anos aqui fazer coisas que já faz hoje. Lá no Flamengo mesmo, no juvenil, fazia. Ele teve uma cabeça boa de esperar a oportunidade e, quando teve, está fazendo e justificando. A gente fica feliz por isso. Ele, coitado, não tinha nada a ver com aquelas coisas. Sabendo que tinha potencial e sofrendo porque eu tinha o levado para o clube. A própria torcida sente isso também. Por quê esse garoto não apareceu antes? E estava jogando bem como hoje, fazendo as mesmas coisas. Numa posição que todo mundo foi testado, ele era o único que jogava e não era testado. Se alguém dava informação errada, não sei. Mas os profissionais estão lá para dar informação certa. Mostra que ali tinha gente que não trabalhava pelo Flamengo. Os netos já têm noção de que é o avô? Ainda nem sabem. O mais velho que acho que começa a saber, conhecer um pouco a história do avô. Os outros não têm a menor noção. O mais velho foi com a avó comprar uniforme e qual número ele queria? Coloca o 11 do Rafinha (risos). Está certo, tem de curtir mesmo. Quando vou jogar com ele, ele me diz: “vô, você vai ser o Zico, né?”. O Zico tem de jogar com o Rafinha (risos). Qual a melhor alegria na carreira? Ter jogado com a camisa 10 do Flamengo. Deus me deu isso logo de cara, o maior presente que tive. Poder fazer a alegria do meu pai, que era torcedor ferrenho do Flamengo. Ter participado das maiores conquistas do clube do meu coração. Isso não tem preço. Maior coisa que levo do futebol é isso. Qual o legado que o Zico pretende deixar?
Agora a gente sabe que o prazo de validade começa a diminuir, né? Tem de procurar fazer coisas que não desgaste tanto psicológica e fisicamente. Quero dar sequência no meu projeto do Zico 10. Está no Brasil inteiro, mais de 25 estados, mais de 40 mil crianças. Quero dar oportunidade para essas crianças, fazer com que elas possam através do futebol voltar a estudar. Estou mirando isso. Quero dar sequência a isso, deixar uma contribuição boa nesse sentido. Lá nas peladas de Quintino, aquele garoto imaginava que um dia chegaria aos 60 anos assim, com tantas homenagens? Não tinha a menor noção de que isso ia acontecer. Quem diz isso é gogó. Não tem como. Naquela época como podia imaginar que futebol seria o que é hoje? Não tinha a menor chance.
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