Talvez eu não tenha nada mais relevante para falar sobre Adílio além de que ele, desde 1977, é o titular absoluto do meu time de botão. Mesmo muitos anos depois que o Brown tinha pendurado as chuteiras continuei a comprar Mantos com o numero 8. Adílio marcou indelevelmente as minhas retinas de moleque. Marcou de tal maneira que acabou estabelecendo o meu altíssimo padrão de exigência para os seus sucessores na honrosa jaqueta. Que não é vergonha nenhuma admitir, jamais foi alcançado. No meu time de botão ou no meu Flamengo dos sonhos a 8 estará sempre reservada para Adílio de Oliveira Gonçalves.
Felizmente, a idolatria por esse monstro rubro-negro não é mais uma das minhas excentricidades. Adílio é reconhecido por multidões que se encantaram com seu futebol, sua intimidade com a bola e com sua fome de títulos. No Flamengo, sua alma mater, Adílio ganhou TUDO que disputou. De Carioca de Dente de Leite ao Mundial Interclubes, o craque da camisa 8 faturou tudo e não deixou nada pra ninguém. Esse sim, é um mito do futebol.
Renato Zanata Arnos, historiador, blogueiro, rubro-negro e profundo estudioso do futebol argentino também compartilha essa idolatria por Adílio. Mas não ficou que nem eu, de boca aberta com as estripulias que o Neguinho Bom de Bola fazia dentro de campo e falando como Adílio era bom. Tomou a decisão de escrever a biografia do craque e o resultado é o livro Adílio camisa 8 da Nação, que será lançado nesse simbólico 13 de maio, a partir das 19 hs na Livraria da Travessa, em Ipanema. Ainda não vi o livro, mas conversei um pouco com o autor.
Renato, justifique a sua admiração por Adilio, o que o motivou a escrever o livro?
Na minha formação futebolística, o futebol da várzea de Niterói e o futebol total da Seleção Holandesa de 1974 foram seminais. A ocupação dos espaços por todos os jogadores do time, a exploração inteligente do talento de jogadores polivalentes, capazes de executar muitas funções em campo sempre me encantaram. E o Adílio é um dos exemplos mais eloquentes do jogador polivalente, moderno, muitos anos à frente do seu tempo. Adílio sempre foi mais que um meio-campista, era um verdadeiro todo-campista. E brilhou intensamente naquele Flamengo histórico que começou com Cláudio Coutinho em 1977.
A despeito de ser umas das peças chaves do Flamengo campeão do Mundo, Adílio jamais teve o mesmo destaque que os superastros Zico e Junior. Ao que você atribui esse relativo esquecimento?
Zico e Junior tiveram mais destaque no Flamengo muito em função da Seleção Brasileira. Adilio não teve a mesma exposição com a Amarelinha, apesar de estar arrebentando em 82 Telê não o levou pra Copa da Espanha. Mesmo em 76, na Seleção Olímpica dos Jogos de Montreal, treinada por Coutinho, Adílio esteve nos planos, mas como o Flamengo já estava cedendo Junior e Júlio Cesar Uri Geller e o Flamengo pediu para que não convocasse mais jogadores do Flamengo. Nos campeonatos Brasileiros de 77 e 78, apesar da campanha medíocre do Flamengo, Adílio foi Bola de Prata, um prêmio que leva em conta a regularidade.
Adílio foi um injustiçado na Seleção Brasileira?
Considero que sim, inclusive foi um dos maiores motivos para escrever sobrea carreira do Adílio, além do que ele representou para mim como torcedor do Flamengo. No meu primeiro livro Sarriá 82, o que Faltou Ao Futebol Arte? em parceria com o Gustavo Roman, entrevistei o Adílio pra tentar entender porque depois daquele jogo no Maracanã contra a Alemanha, em que ele arrebentou, deixando o Junior na cara do gol pra marcar pro Brasil, não tinha sido levado pelo Telê. E aquilo ficou na minha cabeça. Porque não era uma visão rubro-negra, de torcedor, tanto que Adílio era reconhecido inclusive por torcedores rivais. Adílio extrapolou a condição clubistica. Adílio foi injustiçado, sim. E muito dessa injustiça se deve a um certo primitivismo tático da crônica esportiva brasileira à época, que não levava muito à sério a polivalência do jogador capaz de exercer mais de uma função dentro de campo. Essa capacidade, hoje tão valiosa, nos anos 70 e 80 era até ironizada.
O trabalho de Adílio como treinador é significativo? Por que, ao contrário de ex-jogadores muito menos premiados e reconhecidos ele ainda não teve chance de treinar o time principal de um grande clube?
Adílio começou no CFZ e fez um grande trabalho por lá. Foi tricampeão da 2ª Divisão e chegou ao Flamengo pra trabalhar na base. Ele treinou os juniores e foi campeão carioca em 2005, 2006, 2007, quebrando uma longa hegemonia do Fluminense na categoria, ganhou OPG, Taça BH, Taça Cultura e foi 3º lugar no Mundial da Malásia. Revelou Renato Augusto, Felype Gabriel, Erick Flores, Pedro Beda, jogadores que foram muito mal aproveitados pelos treinadores do profissional. Bom, o Flamengo não ganha um título na categoria desde a saída do Adílio. Ele foi auxiliar do Joel em 2005, junto com Andrade, naquela campanha cabulosa de escapar do rebaixamento. E em 2006 chegou a dirigir o time do Flamengo em dois jogos da Taça Guanabara, mas só pode escalar jogadores dos juniores, já que o time principal foi poupado pelo então treinador Valdir Espinosa. O Dunga, quando assumiu o cargo de treinador da seleção principal perguntou na CBF por que o Adílio, com tamanha bagagem, com tanto fundamento no trabalho de base nunca tinha se chamado pra treinar uma seleção. O Dunga está esperando a resposta até hoje.
Marcar gols não era a especialidade de Adílio, mas quais seriam seus gols mais importantes?
Adílio não era goleador, mas tem gols importantes. E belíssimos. Como por exemplo o golaço de canhota que fez na fortíssima Juventus, que era a base da seleção italiana de 82 e ainda tinha Boniek e Platini, jogando com a 10 rubro-negra no Guiseppe Meazza. No livro eu reivindico que a coroa de louros de artilheiro das decisões, que entregaram só para o Nunes, fosse também entregue ao Adílio. Afinal, ele marcou 7 gols em 7 finais. Em 81 fez na final contra o Vasco e na final contra o Liverpool. Em 82, fez na final da Taça Guanabara. Em 83 bagunçou como Santos na final do Brasileiro e fez de cabeça o gol que sepultou qualquer esperança dos alvinegros de forçarem um terceiro jogo. Em 83 fez gol na final da Taça Rio, contra o Bangu. Em 84 fez outro de cabeça, contra o Fluminense, 1 x 0 e Flamengo campeão. Em 85 mais um gol na final da Taça Rio, novamente contra o Bangu e novamente Flamengo campeão. Não foi artilheiro, era o cara que botava o Zico na cara do gol, mas fez gols memoráveis. E no livro destacamos um gol muito importante pra carreira do Adílio, molequinho ainda, no futebol de salão em um Fla x Flu em que fez 4 gols, sendo um deles de placa. Note, era o primeiro jogo do Adílio pelo clube.
Como foi o processo de fazer o livro? Adílio esteve sempre próximo ou se manteve mais afastado? O Flamengo te apoiou de alguma maneira?
Desde a primeira vez que o procurei Adílio esteve sempre muito próximo do projeto todo. Adílio também ajudou muito com seu acervo pessoal, ele guardou muita coisa, muito material que foram decisivos pro livro. Muito participativo, gravamos horas e horas de conversa em Niterói, na Gávea e ele sempre esteve muito entusiasmado. O livro está saindo como produto oficial, licenciado pelo clube, muito pelo apoio que o Zico deu. Zico me colocou em contato com a editora iVentura, me colocou em contato com o marketing do Flamengo, que deu todo o apoio. E também tenho que citar o jornalista Pedro Motta Gueiros. Essas pessoas foram de extrema generosidade e seus apoios foram essenciais pro livro.
Valeu, Renato, obrigado pela entrevista. Agora vou colocar aqueles trechos do livro que você liberou pra galera como aperitivo. Mas antes vou lembrar mais uma vez que o lançamento do livro é hoje. Se liguem nas instruções:
O samba “Adílio, o Neguinho Bom de Bola”, homenagem do amigo Marechal.
No começo da década de 80, de mudança para o bairro de Botafogo, Adílio foi homenageado pelo já extinto Baba de Quiabo, bloco carnavalesco da Cruzada São Sebastião. Composição de Marechal, amigo de infância do Brown, o samba de terreiro intitulado “Adílio, o Neguinho Bom de Bola”, diz assim: “Lá vem o Nego bom de bola meu irmão, morou na Cruzada e hoje é craque do Mengão. No campo quando começa a jogar fazendo o seu gingado é difícil de marcar. Finta pra li, finta pra lá, finta pra cá. Com a bola nos pés ninguém consegue lhe tomar. Lá vem o Nego…Eu vou lhe dizer, você não vai acreditar. Quando o Nego pega a bola dá um show particular. É gol do Mengo, gol de Zico que olé. Foi passe de Adílio, sempre com a bola no pé. Lá vem o Nego…Mas esse Nego é tão fácil de encontrar. Quem quiser ver o Adílio escuta o que eu vou falar. Muito antes de cada jogo do Mengão, ele está lá na Cruzada ou na praia do Leblon. Lá vem o Nego.”
Sobre seu posicionamento tático
“Jogar na ponta esquerda, eu até gostava. Ali eu ficava mais pertinho do gol, tinha mais liberdade pra driblar, não precisava voltar tanto pra marcar, e fui até artilheiro de campeonato disputando a artilharia com o Marinho do Bangu. Mas atuando no meio de campo, além de facilitar a questão do entrosamento com os outros companheiros ali, como o Zico, eu também tinha liberdade para cair nas duas pontas. Na verdade eu achava que jogando fixo na ponta esquerda o time do Flamengo perdia muito, porque eu sempre fui um jogador de movimentação, e aprendi a cair nos espaços vazios, o tal ponto futuro que o Coutinho falava”, explica um didático Adílio.
Hoje, 30 anos depois, Adílio volta a falar sobre a sua predileção pela camisa 8, mesmo durante o processo sucessório do manto sagrado número 10: “Eu tinha um compromisso com o Geraldo, porque logo depois que ele faleceu eu assumi a camisa 8, que era dele. Eu tive todo o apoio da mãe dele, dos irmãos dele, e do próprio Tadeu Ricci que jogou lá com a gente. Ele me disse que sairia do Flamengo e eu iria assumir a 8. Pra ele eu era o único jogador lá que tinha uma semelhança com o futebol do Geraldo. Com muita gente me dando força, eu encarei aquilo tudo como uma coisa boa. Então a dupla que era Geraldo e Zico passou a ser Adílio e Zico. E sobre usar a 10 eu até disse numa entrevista para o Raul Quadros que não tinha problema nenhum pra mim, não pesava nada, porque desde pequeno eu jogava com a camisa 10. Mas eu tinha uma ligação mística com a camisa 8.”
Filhos
No dia 21 de dezembro de 1988 nasceu Soni Adílio (24), seu terceiro filho. Fruto de sua união com a decoradora Sônia Nicolau, com quem está casado há 26 anos. De seu casamento com Rose nasceram os filhos Adílio Júnior (30) e Bruna (31), que lhe deu a netinha Gabriele, hoje com 12 anos.
Fla-Master e Associação de ex-atletas do Estado do RJ
Atualmente, paralelo aos compromissos com o Fla-Master, Adílio preside a Associação de ex-Atletas do Estado do Rio de Janeiro em parceria com a OAB-RJ: “Começamos esta parceria em 2011. Levei a proposta até a OAB do Rio, eles abraçaram a ideia e passaram a me dar suporte jurídico. Já estamos com alguns projetos encaminhados com a prefeitura do Rio, entre eles um que passaria a permitir que os ex-atletas de todas as modalidades venham a ter passe livre nos estádios. Quem for associado receberá da gente uma carteirinha para ter esse acesso aos ginásios e estádios”, nos contou Adílio.
Fonte: Urublog
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