Os brasileiros que lidamos com o futebol, seja em arquibancadas, sofás de casa ou bares de esquina somos, acima de tudo, uns fortes. Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, se hoje vivos, não duvido que contassem em prosa nosso espírito bravio. Exemplo grande é com que resistência suportamos quatro meses de bola enfadonha, com estaduais balofos do Oipoque ao Chuí. Depois disso, enfim, entramos em nosso épico de fato: o Campeonato Brasileiro. Claro, o jogo não é feito só de elite, há o interior, onde clubes menores alimentam as paixões locais mas não têm espaço nas luzes da ribalta. Mas mesmo nesses lugares há alguma paixão recôndita pelos times de massa que, finalmente, se enfrentam com frequência na nossa principal competição, que começa neste fim de semana.
Vamos agora para a 11ª edição do nosso Brasileiro de ponto corridos, fórmula que demoramos para adotar. Os saudosos dos mata-matas, cuja saudades tem razão de ser, poderão saciar-se (entre eles me incluo) com a Copa do Brasil correndo ao largo do Nacional. Assim, enfim, começaremos a ter um ano interessante, com jogos entre camisas pulsantes e plenas de história. É só olhar a tabela do campeonato e perceber. A cada rodada choques de glória. Como diz o clichê, de inegável realidade, é difícil ver um país com tantos times de larga paixão e voltagem em um mesmo certame. Soubéssemos nós fazer alarde, publicidade, do nosso produto e poderíamos espalhar em outdoors por essa pátria continental, em seus mais de seis mil municípios: Vai começar o Brasileirão vem aí Corinthians x Botafogo, Santos x Flamengo, Coritiba x Atlético-MG… Na segunda rodada, mais atrações, como Atlético-PR x Cruzeiro, São Paulo x Vasco, Atlético-MG x Grêmio. E assim vai. É o festival das tentações, das rivalidades. Mas nós, ainda tímido, tratamos nossa pátria pobrinha, como no poema Pátria Minha, que Vinícius escrevinhou no exílio.
Ainda não entendemos o enredo desse nosso samba. Parece que a ideia do gigante adormecido aplica-se mais até ao futebol, já que o país assiste nos últimos anos à sua guinada sócio-econômica que registra as palavras proféticas: não somos vocacionados para a mediocridade. Com tanto time grande, tanta potência, nosso Brasileirão merece ser afagado. Para se ter ideia do gigantismo e do espírito de competição do torneio, 14 dos 20 participantes deste ano já celebraram ao menos uma vez a conquista nacional. O Brasil é um país de clubes que despertam paixão em grande volume. Alguns são nacionais, com aficcionados em todos os rincões.
A Seleção Brasileira, antes tão amada, salve, salve (!!!), roubará atletas de prestígio em muitas rodadas. Somos ladrões de nós mesmos! Jogos serão adiados por motivos nada nobres e haverá certamente irracionalidade em trechos da tabela. Nosso Brasileirão ainda tem que comer em potinhos como um cão domesticado pela CBF. Teremos estádio lotado em jogos pontuais, mas nossa média ainda estará abaixo do nosso porte. Ainda haverá muita futrica de bastidores, muito jogo sujo, a arranhar a nossa estima.
Por isso, volto ao início. Os brasileiros que lidamos com o futebol, seja em arquibancadas, sofás de casa ou bares de esquina somos, acima de tudo, uns fortes. No dia em que nossa cartolagem preocupar-se menos com agrados e mais com os destinos de nosso jogo pentacampeão do mundo o principal beneficiado será o Brasileirão. Não queremos apenas ordem e progresso, como regurgita a linha da bandeira em tom positiva. Não queremos pão e circo para servir a vontades individuais. Queremos o espetáculo digno de nossa gente, que, miscigenada, tem o espírito do jogo carimbado em si. O Brasileirão começa reafirmando sua força e mais uma vez clamando: tratem-me bem.
Fonte: Lancenet