Há alguns dias escrevi aqui que me divertia com a onda de nostalgia que tinha tomado conta de muita gente, por causa do novo Maracanã.
Jovens tardes de domingo
Não sei se o novo Maracanã funcionará bem ou se daqui a alguns anos será também interditado. Futurologia à parte, o que tem me divertido é a onda de nostalgia disparada com sua reconstrução. Que a memória afetiva nos faça sentir falta do velho gigante é compreensível. Mas dizer que era melhor, mais aconchegante… Que a alma se perdeu…
É mais ou menos como a lembrança carinhosa dos primeiros carros que tivemos na juventude. Mas alguém admite trocar o seu automóvel atual por um velho Fusca ou uma Brasília?
O que sentimos, na verdade, é saudade daqueles tempos. Em que éramos mais jovens, o futebol mais romântico e os craques muito mais craques…
O texto que se segue, do amigo e brilhante companheiro Joaquim Ferreira dos Santos vai além e bate na tecla exata.
Não estarão os nostálgicos relembrando apenas o lado bom (e romântico) do velho gigante?
Vale a leitura de Joaquim Ferreira dos Santos!
Meu caro Mário Filho
Estive no estádio que leva o seu estimado nome, grande jornalista esportivo, e vou ser sincero: não o reconheci naquelas cadeiras azuis, brancas e amarelas. Querendo fazer graça, quando cheguei ao meu lugar, quase à beira do gramado, ali mesmo onde antes ficavam os geraldinos, fui em direção a uma mocinha de verde, que fazia as honras da casa e dava as informações. Perguntei: “É aqui mesmo o Maracanã, o estádio Mário Filho?”.
Longe de mim, prezado Mario, o saudosismo de lamentar que agora, sem a divisão entre geral e arquibancada, estes não poderão mais jogar saquinhos de xixi em cima dos primeiros, como era hábito notório.
Tem gente chorando saudades por todos os lados, dizendo que não sabe mais se aquele é o gol da Quinta da Boa Vista ou onde foi mesmo que o Rondinelli meteu aquele gol de cabeça contra o Vasco.
Longe de mim, a saudade de dizer que naqueles mármores do Lounge Vip não poderá passar uma nova charanga do Jaime, ou que a Dulce Rosalina, coitada, não teria roupa para ir num evento em cenário tão tranchã.
Eu fiquei inteiramente perdido nesta primeira visita, como se tivessem deletado todas as minhas referências particulares no estádio. Onde é mesmo que eu estava, na primeira vez que vim aqui, naquele esculacho que o Bangu deu no Flamengo, em 1966, quando o Almir Pernambucano, levando de três a zero, melou o jogo e saiu dando porrada nos rosadinhos de Moça Bonita.
Eu gostaria que o mundo continuasse preservando todos os meus cenários importantes, até mesmo os mais tristes, aquela arquibancada atrás do gol de onde eu, já comemorando o título, vi a dupla Washington e Assis roubando a taça no último momento do Fla-Flu.
Qualquer garoto carioca poderia traçar a história da sua vida a partir das idas e vindas ao Maracanã. A namorada que o acompanhava, o tio que o protegeu de uma briga de torcidas, a presença histórica naquele Brasil e Paraguai, 180 mil pessoas, o recorde de público no estádio.
Pois, meu caro Mario Filho, eu estive no novo Maracanã e devo lhe informar que não há mais qualquer sinal do estádio a que você deu nome. Imagino que a qualquer momento, sabedor que sou de sua dignidade e caráter, você vá mandar aí do sobrenatural uma mensagem liberando as autoridades a mudarem o nome do estádio.
Dito isso, sabedor que mais uma página da nossa história se foi, e que isso é sempre sofrido, quero acrescentar que o novo estádio ficou sensacional. Bonito e funcional. Ficou meio embecado, e para quem vive numa das cidades mais sujas do mundo isso é sempre intimidador. Reclamam que não tem alma. Aquele espetáculo cafajeste das torcidas vai ter de mudar o estilo do folclore, mas elas encontrarão um novo jeito de fazer graça, desde que não me explodam mais morteiros nos tímpanos nem quebrem as cadeiras onde eu vou sentar amanhã. Chega de malandragem otária.
Vou ser sincero, meu bom Mario Filho, eu não ia ao Maracanã já há algum tempo porque estava cansado das brigas que explodiam por todos os lados, do mau cheiro dos banheiros e todos os demais itens da pauta da absoluta falta de conforto e desserviços que é o comum a esta cidade. Parece que vai mudar e o estádio não será mais só da Raça Fla, da Young Flu e outros nichos de pancadaria.
Por muito tempo ainda vamos chegar ali e lembrar das histórias incríveis do antigo cenário. Alguns nostálgicos vão achar tudo meio plastificado e com cara de uma arena internacional qualquer. Agüente-se o blablabla do “ai como era bom”. O Maracanã já era, descanse em paz, mas já não era sem tempo. A torcida agora, querido Mario Filho, é para que, com o gramado espetacular, os jogadores tomem vergonha na cara e comecem a jogar à altura.
Fonte: Blog do Renato Mauricio Prado
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