Eleito em dezembro de 2012 para presidente do Clube de Regatas do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello tomou posse em janeiro deste ano com a missão de reerguer o clube, que enfrenta problemas com dívidas, salários atrados e inúmeras pendências judiciais.
Você é funcionário de carreira do BNDES, está prestes a se aposentar… Por que se envolver em uma confusão tão grande?
Em primeiro lugar é um prazer estar aqui falando com vocês. Efetivamente eu sou funcionário de carreira do BNDES há 36 anos e estou me aposentando agora para me dedicar principalmente ao Flamengo. Não é uma insanidade porque isso é uma atitude, uma decisão movida principalmente pela paixão. O Flamengo é a coisa mais importante da minha vida depois da minha família. E eu não posso permitir que o Flamengo fique na situação em que ele se encontrava antes do nosso grupo assumir sem fazer nada. E é extremamente prazeroso, apesar da situação difícil que o Flamengo está vivendo, você poder contribuir com o clube do seu coração.
Como é que esse grupo que está hoje no comando do Flamengo se reuniu? Como foi esse processo?
Esse processo foi motivado principalmente pela insatisfação que o Flamengo estava tomando com a situação do clube. Nós somos todos torcedores em primeiro lugar e estávamos vendo que se o Flamengo continuasse daquele jeito ele corria o risco de acabar. Então um dos…
Quem fez a primeira ligação?
Pois é, um dos colegas do nosso grupo, que é o Flávio Godinho, ele recebeu uma consulta em um bate-papo, tipo “por que você não se candidata a presidente do Flamengo? Você é tão rubro-negro…”. Ele falou “eu poderia até considerar, mas eu não sou sequer sócio do Flamengo, não posso me candidatar, mas eu conheço alguém que é”. Aí procurou o Rodolfo Landin que falou “eu também gostaria, eu sou sócio, mas não tenho o tempo necessário para ser candidato” e daí foi falando com um, com outro e se chegou à ideia de que a melhor solução seria apresentar a candidatura do Wallim Vasconcellos, meu colega aqui do BNDES durante muito tempo. Só que a candidatura do Valim foi considerada inapropriada em termos estatutários por conta de um lance de grana que eu nem concordo muito, mas não vale a pena a gente entrar nesse detalhe. Eu estava lá escalado como plano B e tive que assumir a candidatura, mas faço isso com o maior prazer.
Qual era a situação em que vocês encontraram o clube? Pior do que esperavam?
Foi muito pior. Realmente, quem estava do lado de fora já dava para ver que a coisa estava muito complicada, mas depois que você chega lá dentro e toma pé da situação você vê que é absolutamente inimaginável como um clube que tem 40 milhões de torcedores, que pode movimentar recursos incalculáveis, porque não existe nada mais fiel, não existe consumidor mais fiel do que o torcedor de um clube. E um clube então que tem 40 milhões de consumidores fiéis como ele podia estar naquela situação? E o que a gente viu é que realmente era muito pior do que a gente imaginava. Inclusive, sob o ponto de vista ético e moral. O Flamengo não pagava seus funcionários em dia, isso aí era público e notório. O Flamengo não pagava impostos e o Flamengo, inclusive, recorria à apropriação indébita para se financiar. Ou seja, ele recolhia imposto de renda na fonte de seus jogadores e dos seus funcionários e não repassava para a Receita Federal. Isso é crime. Nós encontramos o Flamengo à beira de ser excluído do parcelamento da Time Mania, de perder o Refis 4 e tivemos que tomar medidas severíssimas, inclusive com prejuízo na parte esportiva e social do clube para que a gente possa, vamos dizer, retomar um caminho de dignidade e resgatar a credibilidade do clube.
Qual o tamanho da dívida que vocês encontraram, Eduardo?
Na época que nós chegamos lá nem sabíamos qual era o tamanho da dívida. Nós contratamos a Ernst & Young, que fez uma due diligence e chegou-se ao número de 750 milhões de reais, o que é um absurdo, mas é muito melhor a gente saber o tamanho da encrenca do que você ficar imaginando que você tem uma situação melhor e no final você ter uma surpresa a cada dia. Foi um excelente investimento contratar uma empresa que é uma empresa de auditoria com credibilidade reconhecida internacionalmente e que pelo menos nos deu a certeza de a gente saber o tamanho do buraco.
Quais as medidas de cortes que vocês adotaram? (acabaram com alguns esportes: judô, natação…)
Aquelas medidas tradicionais de apertar o cinto mesmo. Tivemos, inclusive, que fazer sacrifícios na área esportiva. O nosso principal jogador, o nosso jogador mais caro, que era o Wagner Love, nós tivemos que abrir mão do Wagner Love e ele foi devolvido para o clube da Rússia do qual o Flamengo havia adquirido o jogador e até porque o jogador custava para nós alguma coisa em torno, entre salários, luvas, encargos que não se pagavam, mas que conosco começou a se pagar, custava alguma coisa em torno de 1 milhão de reais mês. Nós já estávamos devendo 6 milhões de euros para o CSKA da Rússia, então não tinha como a gente sustentar aquela situação. Calhou que também para ele foi interessante à volta e nós infelizmente tivemos que abrir mão do nosso principal jogador. Na área de esportes amadores todo mundo acompanhou também que nós tivemos, frente a um déficit de cerca de 17 milhões anuais nos esportes amadores, que eram financiados basicamente pelo futebol, nós tivemos que abrir mão dos atletas de ponta da ginástica olímpica, da natação e do judô e, é claro, que mantivemos o investimento nas escolinhas, nas categorias de base, mas tivemos que fazer esse sacrifício para poder traçar um plano que viesse a gerar recursos para o esporte amador, para que esses esportes se tornem, em um futuro próximo, autossustentáveis para que a gente possa, vamos dizer, retomar esse investimento também nos atletas de ponta.
A equação financeira já está equacionada ou do lado de custos ainda tem que haver mais cortes?
Não, ainda tem que haver mais cortes porque a gente brinca lá que o Flamengo é um dia depois do outro. Nós encontramos o clube com um déficit projetado para esse ano de 130 milhões de reais, o que é um absurdo. Já conseguimos reduzir bastante isso, não só através do corte de despesas como também da geração de novas receitas. Você certamente vai me perguntar depois sobre a coisa dos patrocínios e programa Sócio-Torcedor e já conseguimos reduzir o déficit, mas o trabalho não está terminado ainda. Ainda tem muita coisa para ser feita pela frente.
Fonte: Info Money