Cartola de futebol brasileiro, mesmo o louvado como supostamente moderninho, preparado e competente, jamais resiste à chance de dar uma recaída rumo ao limbo da impulsividade injustificada, do medievalismo barato e da gestão amadora.
Observe, por exemplo, o desenrolar dessa pendenga de separação entre Renato e o dito “dream team de executivos top” do Flamengo.
No último dia 17 de junho, a diretoria rubro-negra publicou no site do clube a rescisão de contrato de Renato.
O texto foi curto e grosso:
– O Clube de Regatas do Flamengo acertou, na tarde desta segunda-feira, a rescisão de contrato do jogador Renato Abreu, que iria até o final do ano. A diretoria rubro-negra agradece a Renato pelos serviços prestados e deseja ao atleta sucesso na continuidade de sua carreira. O elenco do Flamengo se reapresenta nesta terça-feira, às 15h, no Centro de Treinamento George Helal (Ninho do Urubu).
A decisão foi tomada pelos cartolas de forma unilateral, ou seja, sem discutir ou consultar o jogador sobre o assunto.
Em resumo, o Fla demitiu Renato de forma sumária. O jogador recebeu apenas um e-mail com a decisão, mesmo assim, bem depois da publicação no site do clube.
Em qualquer caso, ser comunicado da própria demissão de forma pública, junto com o mundo, e ser comunicado oficialmente sobre ela depois de tudo isso geram um inegável quadro de constrangimento e humilhação. E, com ou sem motivos, o Flamengo fez questão disso.
Pego de surpresa com a demissão, Renato não escondeu a mágoa pela forma seca como foi dispensado.
A bronca do Fla com Renato deve ter sido grande.
Sabe-se que atitudes como alguns atrasos, o enfrentamento da torcida por ter sido vaiado após perder um pênalti, o fato de ocultar o patrocinador na hora de um gol ao tirar a camisa na comemoração e o suposto boicote ao trabalho do ex-treinador Jorginho contribuíram decisivamente para a demissão do meia antes da chegada de Mano Menezes.
A diretoria optou, no entanto, por não detalhar os motivos. Usou apenas a vaga expressão “atitudes graves” para justificar a medida.
Pois bem: neste momento, Flamengo e representante do jogador estão sentados para acerta o distrato, ou seja, a forma como o jogador será desligado do clube.
Por ter rompido o acordo de forma unilateral, sem consultar a outra parte (no caso, Renato), o Flamengo tem, por lei, a obrigação de pagar cem por cento de todas as remunerações e salários previstos no contrato até o seu final, no dia 31 de dezembro deste 2013.
Renato ganha cerca de R$ 200 mil mensais.
Como a rescisão foi anunciada em 17 de junho, o Flamengo deve ao jogador aproximadamente seis meses e meio de salários (R$ 1,3 milhão) e, se estiver previsto no contrato, mais R$ 200 mil de décimo-terceiro.
Total: R$ 1,5 milhão.
Se Renato quiser dar um desconto, uma quebra, é outra história.
Mas se não topar, a dívida é essa, ou algo muito próximo disso – e a obrigação do Flamengo é a de pagar toda essa grana ao jogador, até o último centavo.
Mas os cartolas rubro-negros, na melhor tradição amadora do “a gente entra num acordo” que marca a gestão do futebol brasileiro (pois é: isso, apesar dos dirigentes moderninhos, não se moderniza…), pediu ao jogador e ao seu empresário um desconto na dívida.
Uma quebra, um respiro, uma beira.
Só que, ao menos até agora, o jogador não aceitou.
O meia até concorda em parcelar o prego, dividir o papagaio.
Mas quebra, beira, desconto, respiro, neca de pitibiriba.
Eu nem vou aqui, amado amigo da blogosfera colorida, entrar no mérito de que Renato mereceu ou não o tratamento seco, com requintes de crueldade e vingança, dado a ele pelo Flamengo.
Pode ser que sim, pode ser que não.
As tais “atitudes graves” podem ter sido mesmo graves e, de repente, a frieza foi até pequena e omissão de detalhes das falhas, um prêmio.
Ou o oposto: o Fla pode ter superestimado os vacilos do jogador e abusado, de forma grotesca e covarde, nos métodos da dispensa, expondo o jogador em praça pública sem necessidade.
Para além de quem está com a razão nesta parte da questão, o ponto da discussão agora, ao menos para o Fla, é o seguinte: se o “genial dream team” de “executivos top” do clube desejava contar com a boa vontade de Renato logo ali na frente, onze dias depois, para pedir um desconto, uma beira, uma quebra na dívida, por que mandou o cara embora daquela forma, com constrangimento, humilhação em praça pública e claro sentimento de vingança, independentemente de o cara merecer ou não?
Se os gênios da raça da gestão iriam depender da compreensão do camarada horas dias depois, por que agir com o fígado, como namorada traída, mulher magoada, papai revoltado, e fazer o cara se sentir revoltado, chateado e publicamente humilhado?
Por que? Por que?
Não é de uma burrice que seria até comovente não fosse tão abissal e prejudicial ao clube?
Sim, porque se eu, você, o cartola do Fla que teve essa ideia genial ou qualquer outro ser humano fosse submetido a uma humilhação pública nos moldes da imposta a Renato certamente não iria dar desconto ou beira para quem o constrangeu coisa alguma, independentemente de ter feito ou não o suficiente para merecer aquele tratamento, não é verdade?
E cadê, pois, o equilíbrio administrativo dos gênios da raça da gestão do Fla, que não perceberam a necessidade de não magoar publicamente um camarada a quem iriam propor, dias depois, uma redução dos próprios ganhos em busca da economia de um qualquer?
Dono de boteco costuma ser menos inábil na hora de mandar bebum para casa.
E os caras ainda têm a cara de pau de pedir uma quebra ao jogador.
E, obviamente, passar pelo mico de ouvir um não.
Humilham o cara, posam de “fortinhos” e depois vão pedir ao mesmo cara um deixa-moedas? Queriam o quê?
Meu Deus…
Fonte: Blog Eduardo Marini