Nós não queríamos estar na pele dos dirigentes do Flamengo nesse momento. Nada pode ser mais complexo e arriscado do que resolver o imbróglio do Maracanã. O clube está tendo que lidar com um monstruoso tradeoff, como se diz hoje em dia para retratar as escolhas conflituosas. E, como tudo o que envolve o Flamengo, as discussões até aqui foram permeadas por alta carga emocional. Há quem acredite que, seja qual for o acerto com o Consórcio, o Flamengo está sendo lesado e com isso deve dar uma resposta à altura, como reativar seu estádio na Gávea, construir uma nova Arena, deixar o Consórcio falir nas mãos de nosso rivais e coisas semelhantes.
Não discordamos desse sentimento, mas é preciso ter consciência de que a decisão final, seja ela qual for, deverá ser fruto de reflexão, planejamento e muita racionalidade. Esse debate é imprescindível e não há como fugir dele.
Ainda no primeiro semestre de 2012, fizemos parte dos signatários do documento “Plano de Gestão da Revolução Rubro-Negra”, do qual transcrevemos os trechos abaixo:
Torna-se desnecessário dizer o tamanho da importância de um estádio na vida de um clube de massa como o Flamengo. Por não ter o seu estádio próprio, o Flamengo não perde apenas esportivamente. Perde, e muito, financeiramente.
(…)
O que é absolutamente estratégico é ter um estádio próprio, e este conceito não está necessariamente ligado à propriedade jurídico-patrimonial, mas à possibilidade de formatar e utilizar o estádio a seu modo, podendo negociar suas propriedades livremente.
Diante do acerto provisório entre o Flamengo e o Consórcio, julgamos útil retomar o assunto a partir do que já manifestamos há tempos e destacar alguns pontos cuja análise é crucial para a compreensão do drama enfrentado pelo Flamengo na definição daquilo que é, seguramente, o ponto mais importante de seu momento atual, por causa dos fortes impactos esportivos e financeiros:
O QUE O FLAMENGO QUER?
Recentemente escrevemos um artigo sobre a necessidade do clube ser mais transparente. Pois, se há algo onde estamos convencidos de que deve ser tratado sob rígido sigilo é justamente a negociação em curso com o Consórcio. Que fique bem claro que não sugerimos que o Flamengo revele seus pleitos nas rodadas de negociação. Isso não seria transparência, mas ingenuidade. Tampouco que seja muito específico na divulgação pública dos detalhes do acerto provisório que perdurará até o fim do ano. Assim sendo, entendemos que algumas informações não possam ser amplamente divulgadas. Portanto, vamos nos ater ao que está noticiado na imprensa.
Em junho, o VP de Finanças do clube declarou à imprensa que o objetivo do Flamengo seria chegar, em 3 anos, a faturar R$ 70 milhões anuais com o Maracanã. Segundo dados da Pluri Consultoria, no Brasileirão de 2012 o time que mais arrecadou com bilheteria foi o Corinthians, com pouco menos de R$ 13 milhões (o clube ganhou bem mais do que isso nos 7 jogos da Libertadores, R$ 15 milhões e recebeu R$ 35 milhões por ano). Se olharmos para dentro de casa, a média de arrecadação com bilheteria do Flamengo nos últimos 6 anos foi de aproximadamente R$ 15 milhões por ano, sendo que no melhor ano (2008) arrecadamos pouco mais de R$ 21 milhões (figura abaixo). Fica claro, portanto, que a meta auto imposta pelo Flamengo representa um salto muito grande no padrão atual de remuneração.
Outro paradigma, o São Paulo, teria faturado algo como R$ 60 milhões entre receitas de jogos e exploração do Morumbi. Só que o São Paulo não serve de parâmetro para nenhum outro clube, pois é, dentre os 12 grandes, o único que tem a gestão plena de um estádio de primeira linha. Nenhum outro clube, nem mesmo aqueles que possuem um estádio supostamente “próprio” (caso de Grêmio, Inter, Palmeiras, etc.) terá a flexibilidade que o São Paulo teve até hoje para gerar renda no Morumbi.
A meta do Flamengo, à primeira vista, parece inalcançável. Talvez seja jogo de cena para a imprensa, pois não é razoável que se imagine um faturamento que é o dobro do atual líder de arrecadação em bilheterias, já que o caso do Morumbi não pode servir de referência. Contudo, sem entrar no mérito da questão, reconhecemos que os preços no futebol estão mudando de patamares, tendo sido insistentemente majorados. Não se sabe qual será o novo ponto de equilíbrio.
COMO ERA NO ANTIGO MARACA?
Por mais de 60 anos o Maracanã pertenceu ao estado do Rio de Janeiro, que sempre ditou as regras, aceitas sem grandes questionamentos pelos clubes. Escolhemos, aleatoriamente, um jogo qualquer de 2010, último ano de funcionamento. O jogo foi Flamengo x Botafogo, semifinal da Taça Guanabara.
A renda total foi de R$ 1,151 milhões, para um público de 37 mil pagantes. Dessa renda, 62,5% foi repartido pelos clubes (metade para cada um, como é/era tradição no Rio de Janeiro, ainda que com evidente prejuízo para o Flamengo, com mais torcedores em quase todos os clássicos). Tirando a taxa da Federação, que é um percentual sobre a renda, dá para estimar o custo daquele jogo em torno de R$ 300 mil, para uso das instalações. Imagina-se que o custo do novo estádio seja ainda mais alto. Assim, adotaremos como parâmetro, daqui em diante, o valor de R$ 350mil, tendo como base uma entrevista do presidente do Consórcio.
No passado, os clubes repartiam com a Suderj apenas a venda das arquibancadas, cadeiras azuis e 400 cadeiras especiais. A receita de camarotes, bares, vendedores ambulantes e estacionamento ficava toda para o governo. Claro, não era tanta coisa assim, até porque tudo era explorado abaixo das potencialidades. Mas pelo menos eram uns trocados a mais na conta do órgão estadual.
Mas, o problema maior não era em jogos de grande apelo, como esse que adotamos como exemplo. O bicho pegava quando a frequência de público baixava. Cerca de 1 mês depois o Flamengo enfrentou o América. O Maracanã seria mesmo inviável, graças às altas taxas, como ficou comprovado alguns dias antes quando o Flamengo enfrentou o Madureira diante de 5.302 pagantes e a Suderj abocanhou 70% da receita. Assim, optou-se por jogar no Engenhão, para cerca de 3 mil torcedores. E ainda assim amargou um prejuízo de R$ 5 mil, mesmo considerando o custo mais em conta do Estádio João Havelange. Aliás, com um público baixo até mesmo um estádio próprio e modesto seria difícil de rentabilizar, contabilizando-se apenas as receitas do chamado match day.
Se o velho Maracanã já era caro, o novo será ainda mais. Não é fácil mensurar o ponto de equilíbrio exato sem conhecer todas as variáveis, mas usando o jogo Flamengo x Coritiba no Mane Garrincha como exemplo (veja borderaux do jogo), podemos estimar um ticket médio líquido de R$ 24,22 (que já deduziria as despesas variáveis) e um público pagante mínimo de aproximadamente 15mil pessoas apenas para cobrir os custos operacionais, conforme tabela abaixo:
A noção principal, contudo, é de que o velho Maracanã, casa do Flamengo por 60 anos, era um estádio que dificilmente entregava ao clube mais do que os 50% da renda e que dava prejuízo em jogos com pouco público. Fixar esse conceito é importante, pois há uma onda de informações desencontradas que simulam cenários passados que efetivamente nunca existiram.
Fonte: Magia Rubro-Negra