A oratória impressiona. Com apenas 20 anos, Nixon domina um vocabulário incomum para jogadores de futebol. Fala pausada, contextualiza o que quer dizer e mostra firmeza. Entretanto, se uma palavra pudesse definir o personagem da semana do Flamengo esta seria foco. O caminho até a atuação de gala contra o ASA, quarta-feira, pela Copa do Brasil, com um gol e uma assistência com pouco mais de 30 minutos em campo começou em 2009. Mais precisamente no dia 5 de maio, quando chegou ao Rio vindo de Juazeiro, na Bahia, para o primeiro teste. A precisão na data é informação do próprio atacante, que valoriza e decora cada momento especial com a camisa rubro-negra.
Número de gols no juniores, data do primeiro treino como profissional, do primeiro gol, tudo isso é tratado com máxima relevância por Nixon para não perder o foco em seu objetivo: brilhar como jogador de futebol profissional. Certamente, a noite de 10 de julho de 2013, em Arapiraca, interior de Alagoas, fará parte da lista de um atleta que parece seguir à risca uma cartilha imaginária rumo ao sucesso.
– Temos que sempre ter foco, trabalhar firme e sermos obedientes, descansar. Fazer tudo que a nossa profissão exige. Muitas vezes tem sacrifício, mas trabalhamos com nosso corpo. Se não trabalharmos o que é nosso, não tem como dar certo. Procuro guardar tudo aquilo que vivi.
Muito da dedicação e até da oratória vêm da ligação de Nixon com a religião. Na verdade, com Deus, como o atacante faz questão de frisar. Ao lado de Léo Moura e Rafinha, ele forma o trio – pai, filho e espírito santo – no elenco do Flamengo. A crença é tão forte que o jovem já faz pregações no Rio de Janeiro e por isso se dedica aos estudos por um vocabulário mais extenso. De joelhos e com os braços erguidos para o céu, comemorou todos seus gols pelo Flamengo, como quem agradecesse cada conquista de um lema que garante levar consigo:
– Sem luta não há vitória.
Religião, a exibição contra o ASA, planos para o futuro e até a relação com a Bahia e a cidade natal, Juazeiro – a mesma de Ivete Sangalo, Daniel Alves e João Gilberto – estiveram em pauta em bate-papo de quase meia-hora com o GLOBOESPORTE.COM à beira da piscina em um hotel em Maceió. Filho de ex-jogador, Nixon une a paixão pelo futebol e pela religião ao apontar Kaká e Léo Moura como inspirações, e sonha alto: deseja a Seleção e o futebol europeu ao longo da carreira. Confira todo o bate-papo.
Já caiu a ficha de que você entrou em um jogo que estava complicado para o Fla e simplesmente decidiu?
Na verdade, a gente fica vendo as imagens, os lances… Não só pelos passes, pelo gol, mas por tudo que aconteceu. Quando acontece do jogo estar 0 a 0 e você entra, marca, dá um passe, é muito gratificante. Agradeço a Deus por tudo. Trabalhamos pela oportunidade, jogando ou não. Temos um grupo imenso e cada um terá a chance de mostrar seu trabalho.
Foi sua melhor atuação pelo clube?
Até falaram que tinha sido, mas procuro sempre dar o meu melhor em campo, independentemente do que vão falar ou pensar.
Você vem de uma geração com nomes mais badalados, como Adryan e Rafinha, e tem jogado bastante em 2013. Tem sido o ano da afirmação? Como você tem sentido essa briga pelo espaço?
Sabemos que há muitos jovens no grupo e temos trabalhado firme. No ano passado, quando subi, vim pegando o ritmo profissional. Tive um crescimento físico, tático, técnico, e me aprimorei. Aprendi o que um profissional precisa dentro e fora de campo. Temos que nos cuidar não só nos treinos, mas em tudo que fazemos. O que tem acontecido tem sido sadio. Todos querem jogar, ter oportunidade, e eu respeito muito quem está jogando. Sabemos que é um grupo, e um grupo é estar unido, se ajudar na luta pelo mesmo objetivo. Temos que estar juntos, e estamos.
No coletivo de segunda-feira, você sequer ficou no time reserva. Isso te surpreendeu? O Mano explicou que foi por montar um time com a cara do ASA, mas foi algo que te surpreendeu?
Fiquei bem tranquilo. Até porque o próprio Mano falou que, independentemente daquele momento, ele observa a todos e temos que estar preparados. Não escolhemos o momento da oportunidade. O professor Mano me colocou mesmo sem ter participado do coletivo, e é como falo com amigos: treinando nos reservas ou não, é preciso estar sempre focado. Foi o que aconteceu contra o ASA. Mantive o recado dele na minha consciência e estava ligado e preparado.
Queria que você falasse um pouco da sua história de vida, como começou no futebol…
Meu pai foi jogador, o nome dele também é Nixon, mas ele não conseguiu dar sequência na carreira por conta de problemas no joelho. Jogou no Bahia, ao redor do país, fora, mas foi interrompido precocemente aos 28 anos. Eu comecei com cinco, em uma escolinha na minha cidade, e em 2008 foi para o Clube Atlético do Porto, em Caruaru, Pernambuco. Em 2009, vim para o Flamengo. Fiquei cinco meses sem jogar por conta de documentação. Quando comecei a ter oportunidade, lesionei o púbis e parei por quatro meses. Depois, fraturei o nariz. Então, foi uma sequência grande em que fiquei parado, mas é como falo: “Sem luta não há vitória”. E Deus sabe de todas as coisas. Ele sempre nos proporciona o melhor, e quando estamos focados, obedientes, as coisas acontecem. Fui artilheiro do juniores em 2011 com 32 gols, em 2012 fiz 22 gols no Carioca e tive a oportunidade de subir para os profissionais no dia 12 de agosto com Dorival. Fui tendo oportunidades, fiz sete jogos, fiz meu primeiro gol contra o Botafogo no último jogo do Brasileiro, e esse ano as coisas estão acontecendo. Muitas coisas ainda podem acontecer, estamos na metade dele, e é foco, trabalho. Estar firme dentro e fora de campo, que as coisas vão acontecendo. Estou muito feliz. Não posso deixar só isso ficar na cabeça e sempre melhorar.
Como que você saiu do Porto para o Flamengo? Foi observado em torneio?
Não. Existe a Fla-Juazeiro (BA), uma embaixada, e o Luiz Hélio e o Jussiê, que lá trabalham, conseguiram um teste para mim. Cheguei ao Flamengo no dia 5 de maio de 2009, fiquei uma semana e fui aprovado. De lá para cá, foi assim. Sempre que tenho oportunidade, falo deles, que fazem parte disso.
Entre 2011 e 2012, foram 54 gols pelos Juniores. Você sempre foi centroavante, e no profissional tem atuado mais pelas pontas, com velocidade. Foi uma forma de encontrar o espaço ou tanto faz?
Sempre joguei nas duas posições, mas estamos ali para fazer o nosso melhor. Seja onde for, vou entrar e aproveitar, independentemente da situação. Nosso grupo é grande e qualificado. Vai dar opção do professor. Onde ele me colocar, vou trabalhar e mostrar o que faço nos treinamentos. No jogo não é diferente, temos que entrar e fazer nossa parte. Não podemos desperdiçar as oportunidades.
Você vem de uma cidade de nomes famosos no Brasil, como João Gilberto, Ivete Sangalo, Daniel Alves, no futebol, e muitos outros nomes. Isso é uma inspiração?
Minha terra, Juazeiro (BA), é bastante conhecida e tem muitos nomes que saíram de lá e têm o reconhecimento até fora do Brasil. Eu sou o Nixon. Sempre falo que quero chegar aos lugares com muita humildade, independentemente do que aconteça, da minha posição social e financeira, vou ser sempre o mesmo. Essas pessoas importantes da minha cidade eu tenho um carinho enorme e todos sabem que pertencem a Juazeiro. E eu também quero levar sempre comigo. É uma cidade que amo muito e acho importante mostrar de onde vim.
No futebol, quem é sua inspiração, um cara que você admira?
Sou fã, admiro e tenho um carinho pelo Kaká. É um exemplo que eu sempre tive não só pelo jogador, mas pelo homem de Deus que é. Inclusive, é cristão como eu. No futebol em geral, tem o Ronaldo, que eu sempre via, via vídeos quando eu era mais novo, o Ronaldinho, Cristiano Ronaldo, Neymar, Messi…. Muitos que têm características diferentes e unindo isso o cara vai tirar algo de bom. Mas como falei, meu exemplo é o Kaká, não só em campo mas pela pessoa. Sem esquecer o Léo Moura, que admiro. Há um tempo atrás, estava na minha cidade e sempre via muito o Flamengo, ouvia falar dele, e sempre imaginei jogar por uma grande equipe. Lembro que eu o via jogar e agora tenho a oportunidade de estar ao lado dele. Falo muito isso para ele e aprendo a dar muito valor ao que tinha e ao que sou hoje, mas sem esquecer a essência.
Você é um cara muito religioso. Isso foi algo que cresceu mais no Rio?
Na verdade, Deus não é religião. Deus é Deus. E Ele é único, não há outro. Então, nós cremos nele, pois somente Ele existe. Por isso, não chamamos de religião. Até estudo isso para responder quando me perguntam. Religião vem do latim, e não somos nós que escolhemos a Deus. Ele que nos escolhe. Sempre vou mostrar aquilo em que acredito e ser obediente a Deus. Ele sempre tem o melhor para nós, nos conduz ao caminho que já escreveu e sonhou. Já conhecia, mas era algo que não havia se revelado totalmente. Acabei me convertendo no Rio mesmo, há quase dois anos e meio. Graças a Deus, tenho vivido isso e sou muito feliz.
Até que ponto você ainda cultiva sua baianidade? Estou vendo que você quase não tem mais sotaques… Curte o estilo de música, culinário, o jeito de ser da Bahia?
O sotaque não tem muito. De vez em quando, sai um pouco, dá para perceber em algumas palavras. Tenho um pouco do carioca por já estar aqui há quatro anos. Mas sou o baiano que gosta muito da comida, do estilo de vida. O baiano é aguerrido, luta, bate firme no que quer pelos objetivos. As músicas também me agradam, por ser um lugar que tem muito isso. Se for falar de um estilo, curto mais o gospel, mas também há baianos, como o Lázaro, que era do Olodum e é um grande servo de Deus. Tudo que vier da Bahia eu gosto. Comida, ritmos, tudo! É como sempre falo, você pode passar o tempo que for distante, mas não esquece suas raízes, suas origens. Por isso, sempre que vou de férias procuro fazer o que não faço quando estou no Rio. Não tenho tempo, estou sempre focado nos treinos e nos jogos.
Chama a atenção que você lembra bem de cada etapa da sua carreira. Lembra o dia que deixou a Bahia, o dia do primeiro teste, do primeiro gol, tudo! Você é aquele cara que vive 24 horas o sonho de dar certo no futebol? Aquele que não perde o foco disso por nada?
Sempre guardo porque são datas importantes e que marcam suas vidas. Não somente eu, mas todo mundo tem o sonho de ser um jogador. Comigo não é diferente, por isso guardo comigo momentos especiais e que marcam. Se precisar, até anoto para não esquecer. São situações únicas. Temos que sempre ter foco, trabalhar firme e ser obediente, descansar. Fazer tudo que a nossa profissão exige. Muitas vezes tem sacrifício, mas trabalhamos com nosso corpo. Se não trabalharmos o que é nosso, não tem como dar certo. Procuro guardar tudo aquilo.
Por fim, depois de guardar tudo que já viveu, o que você projeta para o futuro para guardar e ser inesquecível?
Sou feliz por jogar em uma grande equipe do mundo, que é o Flamengo. Isso me deixa muito feliz. Um sonho também é jogar pela Seleção. É algo que todo mundo almeja. Europa também. Sempre tive a vontade de conhecer, de poder atuar para que tudo isso se realize. Até para proporcionar uma vida melhor para nossa família, para aqueles que sonham, estão do nosso lado, e até quem não nos conhece, mas torce por nós.
Fonte: GE